Siga e confira um palco aberto e digital que viabiliza a divulgação dos artistas da terra
Texto de Wanessa França
Conversa bem humorada, reflexões sobre a vida, espaço de cultura e muita música, assim é a Malungo 082, um palco aberto – digital – moderno, onde artistas dos quatro cantos de Alagoas e regiões próximas são livres para apresentar o seu trabalho, sua arte e sua forma de resistência. Recomendamos que ponham seus fones de ouvido, pois esta é uma matéria a ser lida com melodia; dê play ao longo desta.
Criada há quase um ano pelo também artista Pedro Alcântara (29), o projeto tem sido o encontro entre diferentes expressões artísticas. Do coco de roda ao rap, do blues à MPB, da poesia falada ao instrumental, as facetas multiculturais que vem compondo o perfil do projeto abordam diferentes repertórios, sempre ricos em sonoridade e cultura. E assim, é possível dizer que a Malungo 082 vem trazendo uma nova maneira de divulgar, especialmente, a musicalidade de Alagoas, evidenciando os artistas independentes que, mesmo com toda “correria” seguem firmes com o propósito de mostrar seu posicionamento no mundo por meio do seu trabalho, além de perpetuar a cultura do estado para as futuras gerações.
E nesse ambiente toda forma de arte é bem-vinda, pois”a Malungo vem como esse espaço disponível para as pessoas brilharem, vem com a proposta de ser esse lugar acessível para quem, de fato, não tem essa oportunidade. Então, a ideia principal da Malungo é essa: dar o espaço e visibilidade.”, relata Pedro.
Seguindo o conceito de palco aberto e digital, o projeto se molda através das redes sociais, principalmente o youtube, onde seu primeiro vídeo foi publicado há onze meses e, de lá para cá, o canal já soma mais 41 mil visualizações.
Além disso, o Instagram também é uma rede fundamental de divulgação para o trabalho realizado pela Malungo e, é nesta plataforma, que os vídeos ganham outra dinâmica e alcançam números consideráveis. Para melhor exemplificar, os vídeos gravados com o artista alagoano Arnaud Borges resultaram na produção de seis reels (formato de vídeo exigido pela plataforma), com números que variam entre 854 a 4.045 visualizações. “Por mais que não seja grande, a Malungo tomou proporções muito grandes. Foi muito bem aceita, considerando o cenário de Maceió. (…) Mas me impressionou. Pelos poucos meses, eu não esperava os números que tenho hoje. A Malungo hoje, pra quem ver de fora, parece ser muito maior do que ela é.”, continuou o artista.
Apesar dos crescentes resultados, toda a produção é realizada por Pedro que, do seu apartamento, está à frente de tudo que acontece na Malungo. Desde o convite aos artistas, para colaborarem com o projeto, a montagem dos equipamentos e a pós-produção que inclui: edição de vídeo e áudio, além da divulgação, planejamento e postagens dos materiais e conteúdos gravados nas redes sociais. E Pedro continua: “As pessoas não se dão conta que isso aqui (estúdio) é um ambiente da minha casa.”
Mas quem vê e acompanha o trabalho desenvolvido pelo alagoano, não imagina que a Malungo 082 surgiu como um hobbie e que, para Pedro, isso não mudou. Apesar dessa perspectiva inicial de ser um passatempo, a Malungo permitiu ao músico se reconectar ao seu passado de guitarrista em bandas de forró e à música, sua principal paixão. O artista, que passou um tempo afastado do meio musical, relata como é angustiante ficar longe desse cenário. “(…) quando a gente se afasta, (…) vai se tornando outra pessoa, acho que vai perdendo a sensibilidade. (…) a Malungo é um ponto de volta, de voltar a respirar música.” explicou o entrevistado.
O camarada das alagoas
Algo que o leitor deve estar se perguntando desde o início desta reportagem é sobre o significado do termo “Malungo” e o porquê dos dígitos “082” o acompanharem. De fato, é possível gerar um estranhamento em um primeiro momento, mas isso é algo simples de se entender. Começando pelos números, eles demonstram que esse projeto é genuinamente alagoano, criado – dentre outras coisas com o objetivo de difundir a cultura desse estado, pequeno em tamanho, mas enorme em talentos e riquezas culturais. Por outro lado, o termo “Malungo” possui um sentido mais global e histórico.
Assim como boa parte da cultura brasileira, “Malungo” é uma expressão que tem suas raízes no continente africano e traz em seu bojo o sentido de companheiro, camarada, camaradagem. Mesmo possuindo hoje um significado positivo, o termo era usado como gíria entre os negros que vinham para o Brasil como escravizados. Dentro dos navios negreiros, aqueles que eram submetidos à esta tortura, reconheciam os seus iguais, seus companheiros de embarcação, seus Malugos.
No Brasil este termo se popularizou um pouco mais durante a década de 90 com a banda pernambucana Chico Science e Nação Zumbi que, inclusive, possuem uma música chamada Malungo (álbum CSNZ de 1998). Vinte anos depois do lançamento deste álbum, Pedro se tornava guitarrista de um projeto que fazia tributo à Chico Science, onde outro músico integrante da banda tinha o apelido de Malungo. “Eu conheci o baixista, o @ dele nas redes sociais era Malungo (…) e eu só chamava ele assim (…) e acabei ficando com esse nome na minha cabeça, ‘malungo é um nome massa’ (…) fui pesquisar e vi que o significado era camarada, amigo, justamente por isso que eu escolhi (…) mas a cada dia que passa eu encontro novos significados, já vi até ‘rei malunguinho’. ” comentou o artista.
Certamente os termos “Malungo” e “082” fazem uma junção extraordinária, transmitindo bem o propósito do projeto, formando uma expressão que reúne representatividades e talentos.
Um quilombo sonoro
Quando se trata da Malungo 082, estamos falando de um quilombo, ou melhor, “um quilombo sonoro que acolhe tantos artistas das nossas alagoas” como citou Arnoud Borges nos comentários das redes sociais do projeto. Historicamente, quilombos eram locais onde os escravizados se refugiavam após escaparem de seus algozes e, com o tempo, foram se tornando símbolo de resistência e um local de resgate da cultura e tradições do povo africano.
Nesse sentido, partilhar tradições também faz parte da dinâmica de gravação na Malungo, onde cada artista que contribui para o projeto, naturalmente, resgata e divide suas raízes, suas experiências. São trajetórias diversas, repletas de desafios, mas também recheadas de dedicação e amor à arte e ao cenário artístico.
E nesse papel de quilombo sonoro, a Malungo 082 dá um novo fôlego à cultura, furando bolhas, se tornando um meio relevante para o contexto da arte popular de Alagoas, tomando como sua mesmo que inconscientemente a resistência dos artistas independentes do estado, sendo mais uma voz afirmando que em Alagoas há música, sonoridade, ancestralidade e que, sem apoio e incentivo, toda essa riqueza cultural pode esmorecer.
Sobre sucesso e planos futuros
Pensar no futuro do projeto é algo considerado até tranquilo para Pedro que define como sucesso “a possibilidade de inspirar outras pessoas”. O artista, produtor e idealizador da Malungo 082 reitera em sua fala que os números ficam em segundo plano quando o reconhecimento pelo trabalho realizado acontece, e aqui ele afirma que esse reconhecimento não está no sentido de conseguir seguidores ou no aumento das visualizações, mas sim em ser o exemplo para que outros entendam que é possível ser um potencializador da cultura de Alagoas.
E assim, o artista afirma: “Acredito que a Malungo faria sucesso se outras pessoas começassem a fazer a mesma coisa que ela (…), o sucesso da Malungo pra mim é isso, ver outras Malungos nascendo”. Nesse sentido, o idealizador do projeto também fala sobre como ele imagina esse lugar de agente capaz de inspirar outras pessoas, “Eu comecei com
uma webcam e um microfone, sem papo de meritocracia, né? Mas que dá pra começar mesmo pequeno, você não precisa estar no padrão do mainstream para fazer isso (…) é o espírito, a ideia, de fazer as coisas com o que você tem agora e da forma que dá. É um desprendimento de ego ‘não tá perfeito, mas é o que eu posso fazer no momento’ “. continuou Pedro.
Ainda sobre o futuro, o entrevistado reitera que a Malungo 082 é uma construção, onde um bloco é colocado de cada vez. São etapas a serem seguidas e que, mesmo devagarzinho, vão estourando bolhas e espalhando o trabalho realizado pelo projeto, divulgando nomes e obras de artistas da terra.
E Pedro encerra sua fala afirmando que tocar o projeto “tá sendo muito bom!”