Presidente da ONG, Messias Mendonça compartilha sua trajetória no ativismo LGBTQIA+ em Alagoas, reflete sobre os desafios cotidianos da militância e reforça a importância de transformar dor em política
Texto de Esmeralda Donato com supervisão de Bertrand Morais
A luta por direitos da população LGBTQIA+ no Brasil segue atravessada por desigualdades, violência e apagamentos cotidianos. Em muitos territórios, especialmente nas periferias, o acesso à cidadania plena esbarra em obstáculos que vão além da intolerância: faltam políticas públicas, acolhimento e respeito básico à existência.
Ainda assim, há quem transforme a realidade pelas margens. Pessoas que, nas brechas do sistema, oferecem apoio, escuta e dignidade a quem historicamente foi deixado para trás. Em Alagoas, esse trabalho toma forma nas ações do Grupo Gay de Maceió, uma das organizações mais atuantes na defesa da população LGBTQIA+ no estado.
Maceió, como tantas outras capitais brasileiras, é feita de contrastes. As festas populares dividem espaço com o preconceito estrutural. As paisagens à beira-mar escondem, por vezes, a rotina de exclusão. E enquanto a diversidade aparece em campanhas e discursos, a luta real acontece longe dos holofotes — nas comunidades, escolas, postos de saúde, centros comunitários e ONGs.
É nesse contexto que conhecemos Messias, presidente do Grupo Gay de Maceió e militante de longa trajetória. Entre pausas, memórias e convicções, ele compartilha em entrevista à Revista Alagoana um olhar que vai além da função institucional, revelando o cotidiano de quem resiste para manter viva a dignidade em um país onde nem todos têm o direito de simplesmente existir. Confira:
R.A: Quem é o Messias quando não está na presidência da ONG? E o que é o Grupo Gay de Maceió no dia a dia, fora das datas representativas?
Messias: O Messias fora da ONG continua sendo um ativista. Eu vivo o ativismo. Sou inquieto, estou sempre envolvido em ações, articulando movimentos, organizando atividades. Essa inquietação é o que me move. O Grupo Gay de Maceió é uma instituição que atua todos os dias, não é só nas datas comemorativas. Temos uma sede fixa e, diariamente, há algo acontecendo: atendimento à comunidade, orientações sobre identidade de gênero, encaminhamentos médicos. Temos um banco de dados que utilizamos para garantir os direitos da população LGBTQIA+ e também dos moradores do bairro. O trabalho é contínuo, porque a demanda é real e constante.
R.A: O que era pedido na primeira Marcha contra a LGBTfobia de Maceió que, este ano na sua 14ª edição, ainda é urgente?
Messias: O grito era: “Parem de nos matar.” Essa era a principal reivindicação, porque o cenário era de muitos assassinatos motivados por LGBTfobia. Era um apelo por sobrevivência, por dignidade. Hoje, avançamos em muitas discussões: queremos qualidade na educação, políticas públicas de empregabilidade, respeito no ambiente de trabalho, mas, naquela época, o foco era a violência direta. A gente ia para a rua para dizer: “Queremos viver” e esse tema, infelizmente, ainda é atual.
R.A: E o que te trouxe para tantas frentes de luta da comunidade LGBTQIA+?
Messias: Acredito que foi a certeza de que nós, LGBTQIA+, podemos e devemos ocupar espaços. Encontrar-me nessa luta foi também encontrar um propósito. Lutar por direitos é o que me move. É o que me faz estar presente em tantas frentes de atuação aqui em Alagoas.
R.A: E como é a cidade de Maceió para o Messias cidadão e para o Messias liderança de uma ONG?
Messias: A responsabilidade dobrou. Como cidadão, sempre tive consciência social, mas como gestor, esse cuidado se multiplicou. Hoje, preciso ter uma proteção maior, porque trabalho diretamente com direitos humanos, e isso mexe com muita coisa: com o ego de algumas pessoas, com justiça, com polícia, até com facções. Messias, o cidadão, não tem mais uma vida comum. Já Messias, o presidente, tem mais voz e acesso para debater e cobrar. E sempre volto à base, ao bairro, ao povo, porque é lá que tudo começa.
R.A: Quais os critérios para que uma pessoa seja premiada como “Guerreiro da Diversidade”? E como se exerce esse papel no cotidiano?
Messias: Para receber o prêmio “Guerreiro da Diversidade”, é preciso ter empatia, respeito e compromisso real com a causa LGBTQIA+. Pode ser um empresário, um ativista, um produtor cultural. O importante é que essa pessoa abrace a pauta e atue de forma coerente e contínua. Não é sobre visibilidade pontual, mas sobre construir um caminho junto com a comunidade.
R.A: Quero deixar um espaço aberto para você compartilhar o que achar importante, principalmente agora com o 17 de maio — o Dia Internacional contra a LGBTfobia — e a realização da 14ª marcha.
Messias: Sim, gostaria de deixar uma mensagem: Nunca desistam de lutar pelos seus direitos. Ser resistência é uma forma de existir. Já perdemos demais por causa do preconceito. Muitas vezes, apenas por sermos quem somos incomoda. Por isso, queremos mais paz, mais amor, mais respeito. À nossa comunidade LGBTQIA+, deixo essa mensagem de força e esperança.