Entre brilhos, vozes e saltos altos, a arte drag se firma como uma expressão de liberdade no coração de Alagoas
Texto de Esmeralda Donato com supervisão de Lícia Souto
No cenário cultural de Maceió, a arte drag vem ganhando cada vez mais espaço e visibilidade graças a eventos inovadores e à luta de artistas que transformam preconceito em resistência. Neste contexto, surge um evento pioneiro não só na capital , mas no estado, que vai além do entretenimento. O Drag Dinner Alagoas traz em seu DNA performances, celebração da diversidade, criatividade e força para a comunidade drag no Nordeste.
Estreado em maio de 2024, o evento já realizou sete edições, e atraiu um público diverso, que vai de crianças a idosos, reunindo famílias e admiradores da arte drag. Marcando o primeiro ano de atividades o evento traz inovação ao lançar o primeiro Festival drag do nordeste — O Festival Drag Dinner Alagoas se destaca por sua pluralidade artística, contemplando drags cantoras, DJs, Performer e várias outras artistas que utilizam a arte drag como expressão máxima de suas identidades.
Para a Revista Alagoana, Fernando Cassimiro, produtor do Drag Dinner Alagoas e performer da Drag Anfitriã Foxes, compartilhou uma das motivações para a criação do evento: “Aqui em Maceió, muitas drags passam anos sem ter espaço para se apresentar. Montar-se é caro e exige muito investimento. Criamos esse evento para dar visibilidade e apoio às artistas, além de levar entretenimento e afeto para o público’’.
O movimento Drag Queen e a origem do Drag Dinner Alagoas
O movimento Drag Queen é uma manifestação artística carregada de identidade, crítica social e resistência. Por meio da performance, artistas se montam com figurinos marcantes, maquiagem elaborada e atitudes performáticas para questionar padrões de gênero e desafiar normas estabelecidas pela sociedade. Hoje, o movimento drag se reinventa constantemente, da televisão aos palcos de grandes festivais, da periferia às redes sociais, ele segue sendo uma linguagem poderosa de afirmação, liberdade e orgulho.
Drag Dinner nasceu da inspiração nos “Drag Brunches” americanos — eventos onde drags se apresentam durante o almoço em bares de cidades como Orlando e San Francisco. Fernando acompanhava essas festas com admiração e sonhava em trazer algo similar para Maceió. “Quando o Drag Brunch Brasil surgiu em São Paulo, fiquei animado, mas percebi que seria difícil replicar esse modelo no Nordeste, por isso, criamos versões locais e, aqui, optamos por realizar o evento à noite, batizando-o como Drag Dinner’’, explica.
O evento que acontece também em outros estados incluindo Ceará, Pernambuco e Brasília, enfrentou momentos difíceis deparando-se com uma intimação emitida pelo Drag Brunch Brasil destacando o nome já registrado. Representantes do movimento drag de diversos estados uniram forças buscando conquistar um espaço para os eventos drags, e em um momento de colaboração o evento que recebia o nome de Drag Brunch se tornou Drag Dinner.
Manter o networking entre os Drag Dinner de outros estados foi fundamental para a consolidação dos eventos, potencializando o intercâmbio cultural e fortalecendo a troca de experiência entre artistas. O Drag Dinner Alagoas conquistou espaço, embora inicialmente o evento tenha enfrentado desafios para garantir um local apropriado, a persistência do idealizador fez a diferença: “A primeira edição foi num lounge pequeno, emprestado por um amigo. Pensei que ninguém iria, mas o público abraçou a ideia”, lembra Fernando.
A história pessoal de Fernando e o nascimento de Foxes, se entrelaça com o sucesso do Drag Dinner Alagoas. Sua carreira como drag começou na infância, quando se fascinava por artistas pop e pelo universo drag que descobriu em vídeos na internet. Apesar da timidez e das dúvidas sobre aceitação, ele se lançou como performer em 2019 e desde então nunca mais parou. “Ser drag para mim é liberdade, é poder ser múltiplo, mudar de visual e expressar diferentes identidades”, afirma. Além de artista, Fernando também atua como produtor cultural desde 2017, o que facilitou a criação e a consolidação do Drag Dinner Alagoas, especialmente num cenário local ainda restrito.
Celebrando a resistência: ‘’Porque drag não é só entretenimento — é também afeto, crítica, esperança, memória’’
O Festival Drag Dinner Alagoas, que celebra o primeiro ano do evento e o pioneirismo da iniciativa no Nordeste, reúne em sua edição inaugural artistas que valorizam a pluralidade e a representatividade da arte drag em Alagoas e estados vizinhos. O festival não é exclusivo para drags já conhecidas e abre espaço a novas vozes que, muitas vezes, encontram dificuldades para se apresentar na capital e no interior do estado, que ainda sofre com os padrões heteronormativos historicamente impostos.
“O preconceito em torno da arte drag muitas vezes carece de lógica. As pessoas consomem a arte de palhaços — que também envolve maquiagem e performances caricatas —, mas rejeitam a drag por ser, em sua maioria, realizada por pessoas LGBTQIA+. O problema não está na arte, mas na homofobia”, destaca Fernando. Atualmente, artistas envolvidas no movimento têm buscado romper com os estereótipos negativos atribuídos à arte drag, desmistificando seu consumo e reforçando seu valor cultural e artístico.
Com um tema definido, o Festival reúne performances conceituais, shows ao vivo, Drags DJ e outras atrações que enriquecem a programação pensada para tocar o público. As expressões artísticas apresentadas são variadas e vão além do tradicional show de canto e dança. Entre as artistas que compõem o elenco do Drag Dinner está Alejandra, drag queen Performer alagoana, que se reconhece dentro de um estilo “glam classic”, com abertura para experimentar e integrar outras estéticas. “Desde que entrei para o elenco do Drag Dinner, minha visibilidade aumentou e minha carreira como drag só tem colhido bons frutos. Conquistei novas oportunidades e pude explorar melhor meus talentos, já que o projeto permite mostrar diferentes estilos de performance e alcançar públicos diversos.” afirma.
Alejandra destaca que seu primeiro contato com o universo drag foi pela televisão, através de um quadro chamado bate cabelo. A lembrança evidencia como, muitas vezes, a arte drag é tratada como algo exótico ou apenas performático, feito para entreter e ser consumido — e não como uma forma legítima de expressão artística, política e cultural. É nesse ponto que o Drag Dinner rompe com a lógica do espetáculo vazio, oferecendo um espaço de protagonismo, valorização e transformação real para quem vive e produz essa arte.
A arte drag vai muito além do entretenimento — para muitos artistas é também um espaço de reinvenção, resistência e liberdade, “O que mais me encanta na arte drag é a forma como consigo me libertar de todas as minhas inseguranças pessoais e dos meus medos interiores. Quando dou vida ao meu personagem, levo junto uma mensagem poderosa: toda forma de arte é válida. E o universo drag nos permite transitar por coisas inacreditáveis. É mágico poder me reinventar e transformar o que há de mais íntimo em expressão”, compartilha Alejandra.
Crescimento e futuro promissor do Drag Dinner Alagoas
O sucesso do Festival Drag Dinner Alagoas representa um momento histórico para a cena drag nordestina. Com todas as entradas esgotadas e visibilidade crescente — incluindo um vídeo viral com mais de 2 milhões de visualizações — o festival tem potencial para se tornar uma referência cultural não só em Alagoas, mas em todo o Nordeste.
Fernando destaca que o festival é uma oportunidade para ampliar o público, levando a arte drag para além dos espaços tradicionais e criando ambientes inclusivos para todas as idades e públicos. “Recebemos crianças, jovens e idosos. A arte drag emociona e transforma, criando laços afetivos e promovendo visibilidade para uma comunidade historicamente marginalizada.”
Quanto ao futuro, o Drag Dinner Alagoas planeja crescer ainda mais: a meta é realizar uma edição mensal e expandir para o interior do estado, alcançando cidades como Arapiraca e Delmiro Gouveia. “Se as drags não podem vir até o evento, o evento vai até elas”, afirma Fernando, que também sonha em nacionalizar o projeto e fortalecer o intercâmbio com outras cidades brasileiras.
O Festival Drag Dinner Alagoas não é apenas uma celebração da arte drag, mas um ato político e cultural de resistência, que cria espaços de acolhimento, expressão e valorização para artistas LGBTQIAPN+. Em um cenário onde oportunidades são escassas, o evento mostra que a pluralidade e a criatividade são os maiores aliados da transformação social.