Nesta reportagem, a Revista Alagoana apresenta a importância das editoras independentes na difusão e democratização da leitura em Alagoas
Entrar em uma livraria e se deparar com estantes cheias de obras é uma experiência única. Em meio a tantas páginas, o real e o imaginário se entrelaçam e ganham vida. Mas, pensando bem, como essas histórias saem da mente dos autores e chegam às prateleiras dos leitores? Em um cenário dominado pelas grandes editoras, esta reportagem destaca o papel e a importância das editoras independentes para escritores e livrarias locais.
Terra onde Graciliano Ramos e Lêdo Ivo transformaram palavras em memória, Alagoas carrega uma tradição literária que ainda pulsa nas estantes da população. Prova disso foi a 10ª edição da Bienal Internacional do Livro de Alagoas, realizada em 2023. De acordo com dados apresentados pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o evento movimentou mais de R$ 5 milhões e levou cerca de 250 mil livros às mãos dos leitores.
A pluralidade alagoana na Loitxa Lab
É nesse cenário que as editoras independentes circulam, pensando não apenas em números, mas priorizando o acesso – tanto para quem escreve quanto para quem lê. É por meio delas que narrativas de grupos historicamente marginalizados, como a negritude, a comunidade LGBTQIAPN+ e outros segmentos sociais, ganham espaço para contar suas histórias, já que em grandes editoras o acesso é restrito.

“Loitxa” é uma palavra que não existe no dicionário brasileiro, mas tem significado entre os alagoanos: é o “corre”, a “labuta”, o “trampo”. Mais do que isso, dá nome a uma das editoras independentes de Alagoas: a Loitxa Lab. A “gangue” – como eles mesmos se definem – formada por Janderson Felipe, Jean Albuquerque, Lucas Litrento e Richard Plácido, criou o coletivo e, posteriormente, a editora, em 2021, com o intuito de dar voz a artistas negros periféricos de Maceió.
Atualmente, a editora mantém o propósito inicial, publicando uma variedade de obras de autores da cena literária local. Entre os títulos lançados estão A Festa de Rouxinol, de Richard Plácido; Esconjuro, primeira plaquete publicada pela autora Érika Santos; e o livro de contos mais recente, Iberê a Cavalo, também de Plácido, lançado na 11ª Bienal do Livro. Essa diversidade de gêneros e perspectivas mostra como a editora dialoga com a literatura alagoana múltipla, com diferentes formas de expressão e experiências culturais.
“Vejo como uma oportunidade de ampliar vozes que historicamente ficam à margem do mercado editorial tradicional. No caso da Loitxa, começamos, neste ano, a trabalhar com outros autores, além dos livros dos membros do selo multiplataforma, possibilitando que títulos diversos cheguem ao mercado editorial. Trabalhar de forma independente também nos permite manter controle sobre os processos de produção, fortalecendo a valorização de autores iniciantes e criando novos espaços de legitimação fora dos circuitos tradicionais”, afirma Jean Albuquerque.
Mas, além da escrita, o caminho até a publicação de um livro envolve diversas etapas, como diagramação, revisão, criação de capa e definição do formato final. Cada uma delas demanda profissionais especializados, o que torna o processo caro e, muitas vezes, inacessível para escritores independentes.

Só para ter noção, a tabela de referência apresentada pela Associação dos Designers Gráficos do Distrito Federal aponta que a criação de uma capa custa, em média, R$ 1.100. Já o projeto gráfico de um livro apenas de texto, com elementos visuais, pode ultrapassar R$ 4.400 — valores que não incluem a diagramação, cobrada por página e que varia entre R$ 35 e R$ 70.
Na Loitxa Lab, esse caminho é feito por uma equipe formada quase 100% por profissionais alagoanos. “Damos prioridade à contratação de profissionais locais sempre que possível, especialmente diagramadores e capistas, sendo que cerca de 90% das artes dos livros são feitas por artistas de Alagoas”, afirma.
Mesmo pensando na inclusão desses artistas, Albuquerque conta que ainda não é viável financeiramente realizar as impressões em Alagoas, o que os força a procurar soluções fora do estado. Ele também ressalta a importância dos editais públicos – como a Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), que auxilia financeiramente o setor cultural – e dos promovidos tanto pelo Estado quanto pelo município de Maceió. Sem esse suporte, acredita ele, seria difícil continuar publicando livros e manter a editora funcionando.
“A partir desses recursos, lançamos Esconjuro, de Érika Santos, a primeira plaquete da Loitxa, que dialoga com a cidade e aborda o maior crime ambiental em área urbana do mundo, que expulsou mais de 60 mil famílias e afundou cinco bairros da capital. A nossa luta é para que essas políticas de fomento se mantenham de forma permanente, garantindo a continuidade das nossas atividades”, expressa.
A importância das editoras independentes para livrarias e autores

Com o objetivo de fortalecer a literatura alagoana, a Livraria Novo Jardim destaca-se como um espaço de resistência e cultura em Maceió. A iniciativa foi criada originalmente no conjunto habitacional Eustáquio Gomes, no bairro homônimo, onde o acervo permaneceu por dois anos. Hoje, está localizada na galeria Arte Pajuçara.
A escolha do primeiro local foi estratégica: os fundadores – o casal Érika e Richard, ambos escritores e leitores engajados na cena alagoana – viram a carência de livrarias na parte alta da cidade como um impulso para o negócio. Lá, as estantes expõem obras de diversos escritores alagoanos, bem como de figuras proeminentes da luta antirracista, LGBTQIAPN+ e de outras causas sociais.
Mais do que um ponto de venda, a Novo Jardim também promove a formação e o diálogo, fomentando encontros entre leitores e escritores por meio de oficinas, minicursos e rodas de conversa. Érika define esse movimento como a “circularidade do sistema literário”, na qual a literatura só se completa quando o texto chega às mãos do leitor e circula de forma acessível, mantendo-se em constante diálogo.

“Somos dois escritores de Alagoas e conhecemos bem as dificuldades de escrever, fazer literatura e publicar por aqui. Acreditamos nesse projeto, cujo principal objetivo é fazer circular os livros de literatura produzidos no nosso estado e publicados por editoras independentes, para que encontrem seus leitores”, explica Érika Santos.
Autora de Procurar o mar é exercício noturno (Penalux, 2022), Flores Floresta (Trajes Lunares, 2024) e Esconjuro (Loitxa Lab), Érika observa como a relação de classes está presente no mercado editorial. Segundo ela, as grandes editoras dispõem de um forte aparato financeiro e publicam obras pensando não na diversidade, mas no potencial de lucro imediato – priorizando autores já consagrados ou alinhados às tendências literárias do momento.
Contrárias a esse pensamento, as editoras independentes assumem um papel político na produção de obras. Colocam-se em espaços de resistência e diversidade, abrindo caminhos para vozes que foram historicamente marginalizadas. Algo que vai além da publicação: um gesto de democratização cultural, no qual escritores têm um lugar onde publicar e os leitores têm acesso a uma bibliodiversidade que foge do senso comum.
“Que esses lugares continuem vivos e produzindo, porque ainda existe uma grande disparidade. São eles que tornam possível a manutenção de narrativas que falam sobre raça, classe e gênero – histórias que, muitas vezes, só conseguem chegar ao público graças às livrarias independentes”, ressalta.
Livros independentes também podem chegar a grandes premiações

Autora de Longarinas, Ana Maria Vasconcelos é escritora alagoana, formada em Letras, com mestrado pela UFRJ e doutorado em Teorias Literárias pela Unicamp. Quando criança, brincava de fazer livrinhos artesanais. Mas foi na adolescência que começou a ler e escrever sem parar. “A cada novo autor que eu descobria, o mundo parecia fazer mais sentido. Então, a escolha por fazer Letras parecia óbvia. Demorei muito até me ver como escritora de fato, mas a escrita faz parte de mim desde que me entendo por gente”, relata Ana.
Em 2014, lançou seu primeiro livro, Grão, pela Imprensa Oficial Graciliano Ramos – a primeira editora de Alagoas. Foi aí que sua história em premiações começou: ganhou o Prêmio de Incentivo à Literatura e conquistou o título de primeira mulher a recebê-lo. Dez anos depois, foi semifinalista do Prêmio Oceanos – um dos maiores da literatura – em 2024 e finalista neste ano.
Com obras publicadas pelas editoras Trajes Lunares, Primata e Ofícios Terrestres, a autora reconhece o papel fundamental delas na difusão da poesia contemporânea. “As editoras independentes são as principais responsáveis pela divulgação de novos autores, pela abertura e pelo acesso, que se ampliaram bastante nos últimos anos”, afirma.
Ana também ressalta a importância das livrarias independentes na circulação da literatura local. “A Livraria Novo Jardim é uma protagonista fundamental na circulação do livro e nas atividades literárias em Maceió. Era algo de que a cidade carecia muito. Desejo vida longa à livraria e torço para que esse tipo de iniciativa se multiplique pelo estado.”
Para ela, o prestígio e o reconhecimento nacional vêm da construção de uma base sólida de leitores dentro da própria região. Dessa forma, é de suma importância o fortalecimento do mercado editorial para a formação de novos públicos. E isso exige tempo, políticas públicas e o envolvimento dos espaços acadêmicos. “As editoras precisam pensar em estratégias para formar e ampliar esse público, ainda tão pequeno. A indicação a prêmios é consequência”, conclui.