A juventude ainda pode sonhar? Como o colapso da segurança escancara o abandono às novas gerações

Por Madson Costa

Há dois meses, eu conversava com uma colega de trabalho e disse que a segurança pública se tornaria o debate central. O que eu disse, infelizmente, se tornou realidade. Qualquer pessoa que se informe e leia sabe exatamente quais são os problemas do Brasil e sabe o que precisa ser feito. A tragédia, no entanto, é que existe uma surdez sistemática neste país.

O que se observa hoje não é uma crise pontual, mas um verdadeiro estado de calamidade pública, com índices de violência que não são apenas números, mas a representação diária de uma falha sistêmica profunda.

Contudo, reduzir esta crise a uma mera negligência no direito fundamental à segurança é um erro de análise. O caos na segurança pública se concatena, de forma íntima e perversa, com um fenômeno social mais profundo e silencioso: a juventude brasileira deixou de sonhar. A violência visível é apenas o sintoma mais agudo de uma negligência que opera em múltiplas frentes.

Em que pese a expansão do acesso à educação superior nos últimos anos, o Estado falha em estruturar o passo seguinte. Não há uma política pública que pense, de fato, na vida da juventude pós-universidade. A sensação predominante é que a responsabilidade estatal se encerra com a entrega do diploma; depois da faculdade, a mensagem implícita é: “dê um jeito”, “se vira”.

Diante desse abismo, vemos um fenômeno sintomático: jovens preferem deixar de ir para a faculdade ou abandonam o estudo formal para acreditar nas promessas do coaching e do marketing digital. Embora sejam áreas válidas, essa migração em massa demonstra o verdadeiro fracasso do Estado em garantir que, “dentro das quatro linhas” da regularidade, seja possível sonhar. Quando a incerteza impera e o jovem não sabe se vai comer amanhã, qualquer resposta fácil torna-se a solução mais atraente.

O jovem vê-se espremido entre dois polos igualmente hostis. De um lado, o mercado, com o empresariado focado na exploração, onde escalas desumanas como a 6×1 são a regra. Do outro, um Estado ausente, que não fornece as contrapartidas para que a carreira acadêmica, o empreendedorismo, o sonho de ser artista ou o serviço público sejam viáveis. O concurso público tornou-se um privilégio para quem pode ser sustentado, restando ao pobre as sobras do mercado.

Essa ausência estatal abriu espaço para o avanço da violência sistêmica. Vemos organizações criminosas usurpando funções de Estado: no Ceará, facções “desapropriam” imóveis e expulsam famílias; no Rio de Janeiro e na Bahia, o domínio territorial é evidente; em Maceió, a desordem chega à orla com arrastões. Tudo isso reflete uma sociedade adoecida.

O erro foi acreditar que bastava dar o diploma, sem garantir a base material para o sonho. Por que a juventude se revolta? Basta olhar para o mundo. No Nepal, nas Filipinas, na Indonésia e em países onde a pobreza ainda é uma ferida aberta, a juventude se levanta. O que eles têm em comum com o Brasil é a falta de perspectiva.

O contraste é humilhante para as nossas instituições. O tráfico oferece o que o Estado nega: um “plano de carreira”. Existe hierarquia e promessa de ascensão: começa-se entregando marmitas, evolui-se para furtos, depois roubos, até virar soldado com fuzil. Se o crime organizado consegue fornecer um plano de carreira e pertencimento, por que o Estado não consegue? É nessa idade que o Estado perde a luta.

A resposta reside no pensamento arcaico de quem detém o poder — o grande empresariado e a máquina estatal. Eles ignoram que o desejo do jovem mudou. Não estamos mais em 1980, quando a meta era superar a miséria absoluta daquela “vida amaldiçoada”. O jovem de hoje quer dignidade, quer viajar, quer ter seu lugar. Ele quer vivência, não apenas sobrevivência. No entanto, a elite opera na lógica do “jogo de soma zero”: para terem lucro, o outro deve perder. Não há movimento de valorização da juventude, apenas precarização.

Esse vácuo de esperança está sendo preenchido pelo crime organizado e por ideologias nefastas. Movimentos de radicalização masculina e flertes com o fascismo, como redpill e MGTOW (Men Going Their Own Way), encontram terreno fértil nessa terra arrasada. Onde o Estado abandona a possibilidade de sonhar, a barbárie recruta.

Para finalizar, é preciso entender: se não percebermos a necessidade urgente de valorizar o jovem, o crime continuará cooptando as novas gerações, dominando mais áreas, infiltrando-se no mercado formal e destruindo vidas. E essa é a consequência mínima. O perigo maior é a radicalização excessiva, o flerte com o fascismo e o neonazismo, pois tudo o que é fácil e garante pertencimento permite sonhar — e se não é possível sonhar na realidade atual, qualquer discurso extremo serve.

A “primavera” desta geração ainda não chegou ao Brasil, mas chegará. Se continuarmos neste caminho, ela virá ou através de uma revolução ou pela radicalização que permite a barbárie. É hora de políticos e empresários começarem a pensar sobre a juventude e seus sonhos, sob pena de verem o caos reinar. A história cobra seu preço, e ele pode chegar à porta da elite na forma de cabeças decepadas em praça pública e sangue derramado nas ruas.

Sobre o autor

Madson Costa, de 23 anos, é escritor e poliglota. Foi um dos ganhadores do Prêmio Diversidades Literárias, com “Os Meninos da Parte Alta”, seu livro de estreia, na categoria obras inéditas, bem como recebeu a segunda maior nota com seu poema “Terra de Sois”, no concurso de poesia do mesmo prêmio. Já foi selecionado para diversas antologias poéticas. Foi um dos ganhadores do Prêmio Literário Ladislau Netto, na categoria obras já publicadas, com “Os Meninos da Parte Alta”. Com seu poema “Quebra de Xangô”, foi um dos ganhadores do Concurso de Criações Literárias Anilda Leão. “Quariterê”, seu novo livro, foi uma das obras selecionadas pelo Concurso de Criações Literárias Ruth Quintela.

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