Coluna de Aldine de Souza
“Procurando bem, todo mundo tem pereba, marca de bexiga ou vacina, e tem piriri, tem lombriga, tem ameba, só a bailarina que não tem… O padre também pode até ficar vermelho se o vento levanta a batina, reparando bem todo mundo tem pentelho, só a bailarina que não tem, sala sem mobília, goteira na vasilha, problema na família, quem não tem?”. Entre poética, melodia e jogos de rima, Edu Lobo e Chico Buarque, com a Ciranda da Bailarina, fazem lembrar que todo mundo carrega alguma marca, sofreu algum incômodo, desajeito, doença, dor, fraqueza… A bailarina, porém, é imune a tudo isso. Mas toda vez que escuto essa canção me pergunto se a bailarina sabe esperar? Ela é paciente? Ela é pacifica ao aguardar algo tão esperado? Não fica nem um pouquinho ansiosa? Será que ela é realmente protegida das limitações de ser uma humana? Ou podemos afirmar que ela é um ser perfeito, ou melhor, um “ser artista”?
O “ser artista” acorda de manhã, toma o seu banho de espuma, veste o seu roupão de cetim, bebe seu cappuccino, come seu croissant enquanto lê as críticas artísticas do seu jornal, troca de roupa enquanto escuta pelo rádio o ministro da Cultura falando os incentivos à sua classe, sai de casa com sua BMW até chegar no seu adorável e purificado ambiente de trabalho, o teatro. Sim! Todo “ser artista” trabalha num edifício teatral. Alguns possuem até um, até porque é muito fácil manter esse empreendimento já que a população possui o hábito de consumir arte. No final do dia, ele volta para sua mansão, vai ao seu escritório planejado e passa seu cartão com limite infinito nos boletos em cima da mesa feita de madeira de demolição. Se deita pleno e sem dívidas. Tão sossegado quanto a bailarina da canção. Afinal, ele é o ser perfeito, não?
Seria sublime que esse tal “ser artista” e toda essa rotina soberba e invejável pudesse ser real. Infelizmente, a verdade por trás do “ser artista” não é nada perfeita. O artista, na grande maioria das vezes, levanta cedo, toma seu café, olha os stories dos grupos na esperança de ver um anúncio de teste, pega o busão ou seu carro e corre para o seu passageiro trabalho. Não! Não é em um teatro. Na grande maioria das vezes, o artista que se preze – ou em outras palavras, o artista que queira se manter – tem que possuir uma segunda opção, algo fixo. Em qualquer lugar você encontra o “ser artista” por de trás de balcões, dando aula, vendendo sapatos, advogando, se virando como pode para sobreviver e permanecer no seu principal objetivo: continuar sendo o “ser artista”. A imunidade da bailarina não funciona para ele.
Deixando as estrofes sarcásticas de lado, indago-me constantemente os mesmos questionamentos que faço à bailarina da canção de Edu e Chico e comparo-os com a vida desse tal “ser artista”: será que ele sabe esperar? Ele é paciente? Ele é pacifico ao aguardar algo tão esperado? Não fica nem um pouquinho ansioso? Será que ele é realmente protegido das limitações de ser um humano? Será que ele é um ser perfeito? As conclusões logo vêm. O “ser artista” sabe esperar! É paciente! É pacífico! É ansioso! Humano, sempre! Perfeito, as vezes ou quase nunca! E assim vai vivendo em sua dupla, tripla, ou até mesmo infinita jornada de trabalho. O artista vive numa espera constante. Ele espera se formar, ele espera sua DRT finalmente sair, ele espera um estalo para a próxima criação, ele espera as madrugadas ou os fins de semana para ensaiar, ele espera aprovar o seu projeto, ele espera o reconhecimento chegar, ele espera o coleguinha comprar o seu ingresso, ele espera o público entrar, ele espera sua deixa, ele espera os aplausos, ele espera até um tal incentivo cultural que, na verdade, nem deveria esperar, ele espera…ele espera…ESPERA.
Esperar me provoca um cansaço interminável. De fato, o artista é um camaleão esperançoso. Ele se mescla ao ambiente e continua aguardando a salvação com a expectativa elevada. O cenário alagoano traz consigo várias esperas e muitos camaleões. Atualmente, nossos artistas aguardam ansiosos a reabertura dos teatros e casas de shows. Esta realidade se contrasta com as aglomerações em tempos de campanha política. Ah! Não podemos esquecer que estamos em pandemia, hein? Mesmo que os candidatos e seus discípulos sem máscaras achem que o vírus está de férias, ainda há novos casos e mortes no estado. Enquanto isso, os “seres artistas” continuam impossibilitados de externar o seu ofício, estão presos a uma inércia forçada que parece não ter fim.
Vejamos a duplicidade de posicionamentos do governo: convenções partidárias podem, oficinas ou cursos de arte não; passeatas políticas podem, ensaios não; comícios ou os “showmícios” podem, apresentações não. Seria mais uma hipocrisia de tantas outras que os artistas daqui de Alagoas passam? Infelizmente não saberemos afirmar. O que podemos declarar na atual conjuntura é que existem espaços culturais e grupos prestes a fechar com seus aluguéis atrasados, boletos vencidos, projetos engavetados e que a cada dia vão perdendo sua força e esperança. Quem nos dera que os artistas da nossa terra tivessem toda a proteção que a bailarina da canção possui. Mas por hora, eles continuam a esperar, esperar, esperar e esperar…