Texto de Lícia Souto
Qualquer lugar é cenário e qualquer momento já é tempo. Seja no quintal, sentada numa cadeira entre as roupas que secam penduradas no varal, ou seja num cômodo qualquer de casa com apenas uma parede branca de fundo, o que chama mesmo a atenção é o sorriso largo, o cabelo volumoso preenchido por uma infinidade de cachos castanhos e a simpatia que ela tem quando vem nos contar uma de suas histórias. O seu melhor cenário é sempre ela mesma.
As analogias simples, mas profundas, de Vitória Rodrigues têm como matéria prima as delicadezas do cotidiano, e essa simplicidade viralizou na internet. Suas palavras foram parar nos perfis de diversas figuras importantes no cenário artístico nacional, como Taís Araújo, Ingrid Guimarães, Lazaro Ramos, Tatá Werneck, Djamila Ribeiro. “Até hoje me tremo só de lembrar da emoção, porque essas pessoas são simplesmente minhas referências artísticas da vida. É muito gratificante e emocionante saber que eles sabem de mim, saber que eles também admiram o que faço. É algo que me faz acreditar que é possível e que devo continuar correndo atrás.”, comenta a artista.
Mas é lá do agreste alagoano que vem tanto talento. Vitória Rodrigues cresceu em Igaci, interior de Alagoas, e é formada em Educação Física pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), mas foi na arte que ela se encontrou. Uma semana após sua formatura, seus caminhos mudaram e ela embarcou para o Rio de Janeiro porque havia passado na escola de teatro mais antiga da América Latina, a escola Martins Penna. Para ela, a oportunidade foi um divisor de águas enquanto artista e ser humano. Ela mora no Rio há quatro anos, mas atualmente, devido as circunstâncias da pandemia do coronavírus, está em sua cidade natal aguardando um momento melhor para retornar aos trabalhos.
“Lembro que o primeiro texto lírico que escrevi nasceu depois que vi uma peça em que o ator fazia uma cena inteira só em cordel, era um texto lindo que falava de amor, fiquei tão tocada que tive vontade de fazer também. Esse meu primeiro texto se chama “Di Cabrobró” e também era todo em cordel, mas não é exatamente um romance, é mais uma aventura regional a partir de um conto popular que eu ouvi numa aula e decidi contar aquela história. Criei uma personagem chamada Maria Clarão, que lutava para salvar sua vila de Cabrobró da fome e é ajudada por um vaqueiro que, na trama, é apaixonado por ela. Mas o foco não é o romance e sim a coragem da personagem.”.
Depois do primeiro texto, ela passou a escrever mais e logo depois veio a peça ‘Nossas bocas não foram feitas só para sorrir’, que foi a peça de formatura na escola Martins Penna. A obra era uma junção de textos autorais dos atores, que tratavam sobre diversos aspectos da negritude. Todo o elenco era composto por artistas pretos. Vitória relembra o trabalho com orgulho, conta que daí em diante tomou gosto pela escrita. Ela se reconhece como uma pessoa intensa em tudo que lhe enche os olhos.
“Essa intensidade é tão forte que transborda dentro de mim através da arte, mais precisamente através da poesia. Sem ela, eu não sei como faria para vazar tanto sentimento que me preenche. Quando o mundo, as coisas e as pessoas me afetam, nada é mais libertador e mais bonito que pôr para fora os sentimentos e as angustias através da poesia, da música, enfim… da Arte. A poesia é mais que uma forma de expressão para mim, é um processo de cura também.”.
Ao observar sua trajetória, a artista relembra que o gosto pela arte sempre esteve presente – mesmo que de forma singela – na família. Os pais amam música e cultura popular, a mãe de Vitória sempre se envolveu em festas juninas, escrevia peças na escola para a filha atuar e até a colocou num trio elétrico para cantar uma música composta pela própria mãe para um comício político. A memória do pai tocando forró no terreiro da casa do tio – que aprendeu a tocar sanfona sozinho – permanece vívida na mente dela. Eles sempre amaram esses movimentos artísticos, mas nunca estudaram sobre, simplesmente fluía. Vitória cresceu e essas referências cresceram junto com ela.
Suas poesias falam, frequentemente, em amor, paixão e amizade. Para ela, o que faz esses laços se perpetuarem é a reciprocidade. Afeto necessita de reciprocidade para fluir. A artista acredita que muitos valores são importantes para fazer qualquer sentimento durar, mas se a troca não acontecer na mesma frequência, essa força enfraquece. E por falar em paixões, uma das grandes é o Nordeste. Ela é apaixonada pela cultura popular, pelo povo, pela natureza, por tudo que sabemos que essa terra representa. Ela diz que sua arte é totalmente inspirada por essa região riquíssima em tudo que se propõe.
“O Nordeste é um mundo para além dos estereótipos que recebemos. Somos o Nordeste da cultura popular tradicional, do Coco de Roda, do Cordel de Patativa do Assaré, do Baião de Gonzagão e Dominguinhos, de Suassuna e seu movimento armorial. Mas somos também o Nordeste dos que reinventaram essa arte popular como Chico Science, Hermeto Pascoal, Sivuca, Caetano, Gil e tantos outros que fizeram e fazem acontecer. O Nordeste é terra fértil de genialidades em qualquer âmbito que se propõe e isso é o que me dá orgulho e que tanto admiro.”, afirma a artista.
Depois de sair de Alagoas para estudar quatro anos em outra região, no Rio de Janeiro, tendo acesso e conhecendo outros movimentos culturais, pergunto o que ela considera que poderia melhorar em relação ao fomento cultural alagoano. A artista reflete que Alagoas é uma terra de muitas potências artísticas, em todos os âmbitos, mas a maior carência que ela percebe, é em relação aos incentivos financeiros. Vitória acredita que falta um olhar dos governantes para a Cultura no Estado, e não somente através de projetos e editais a níveis estaduais, mas principalmente municipal: “A cultura é necessidade básica para a formação do ser humano e isso deve acontecer do micro ao macro na sociedade. Parece utópico, mas não é! Tudo parte da vontade e da mobilização de quem, de fato, pode ajudar. É muito importante gerar uma formação de plateia, porque o artista precisa de público e as pessoas amam arte, elas só não a tem ao seu alcance efetivamente.”, finaliza.
Ao analisar a carreira, a atriz e poetisa reconhece que na profissão que ela e tantos outros artistas escolheram seguir, tem espaço para todas as criações, mas não tem oportunidade para todos. Nesse caminho, o artista bate em várias portas e leva muito não também, para ela, isso mudou um pouco a partir do momento em que ganhou mais visibilidade no perfil do Instagram. Mesmo assim, oportunidades de crescimento financeiro para viver só fazendo o que ama, ela, como tantos outros, ainda não teve. Mas para Vitória é sobre continuar procurando os espaços e ocupando, sobre acreditar nos sonhos e principalmente correr atrás deles. “Tenho músicas na gaveta só esperando a hora de gravar e lança-las. Tenho muitos planos para o futuro e estou procurando formas de fazer acontecer, permaneço com minha rotina de escrita, quero muito lançar meu livro e voltar aos palcos. Tudo isso ainda vai demorar um pouco, porque envolve mais que a minha vontade, envolve tempo, dinheiro e muito trabalho. Mas estou confiante que aos poucos tudo vai se realizar.”
Se pudesse dizer algo para a Vitória Rodrigues de dez anos atrás, ela diria que continue acreditando, que vai demorar um pouquinho, mas aos poucos as coisas vão fazendo sentido. Nada vai vir de mão beijada, isso é certo, mas continue colocando os tijolos no alicerce porque só assim a construção do sonho vai tendo base e ficando segura para ninguém derrubar. Tem muita gente cruel no mundo, mas as de bom coração sempre vão estar ao seu lado te ajudando. E acredite no amor, porque ele existe.