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Alagoas no YouTube: a produção de vídeos de alagoanos no estado e fora dele

Texto de Lucas Barbosa

Fim de tarde. Pouco barulho, sol se pondo. É o horário perfeito. A rotina do trabalho, que já lhe é familiar, dita os movimentos: acende a lâmpada, ajusta a intensidade da luz. Fecha a janela. Prepara a câmera – do celular ou não – para o uso. Regula o foco. Checa o cenário ao fundo. Um pouco bagunçado, mas tem seu charme. Na cozinha, bebe um copo d’água. Sem sede, checa-se no espelho. Agora, o roteiro. Foi escrito há um tempo, mas nunca se sabe; melhor reler. Tudo ok. Senta-se e começa a gravar. O frio na barriga lhe chega, mas é bem-vindo. Hora do show. Esse é um típico vlog. Feitos simples, mas repetidos por inúmeras pessoas. Não só no Brasil, como no mundo. Tudo isso graças a uma plataforma de vídeos online: o YouTube. O número colossal de usuários da plataforma chega a quase dois bilhões de pessoas. Só no Brasil são aproximadamente 70 milhões. Não é de se surpreender que, com tanta gente, mais e mais produtores de conteúdo nasçam no berço do que é, hoje, sinônimo de sucesso entre empresas digitais.

Entretanto ter visibilidade como um produtor de conteúdo é pra poucos. Fama, então, nem se fala. Há vários canais no YouTube com milhões de inscritos, outros com algumas centenas de milhares. Muitos não chegam nem a mil pessoas. Mas números são apenas números, e o sucesso é bem relativo; muito mais se tratando de algo que você gosta de fazer. Por isso que é comum ver canais que não tem o intuito de crescer, mas sim o de entreter; tanto o público como quem cria o conteúdo. E, em Alagoas, tem de tudo. Canais com milhões ou com poucos milhares. De vlogs a videoclipes. A produção de vídeos para o YouTube em Alagoas é diversificado, indo desde canais que criam conteúdos voltados para a estética, como é o caso do canal Duda Guimarães, com pouco mais de 12 mil inscritos, até canais como o MrPoladoful, com mais de cinco milhões de inscritos, que foca em vlogs e gameplays (um formato onde alguém joga um jogo e pessoas o assistem). E não importa o tamanho, todos se divertem fazendo o que gostam.

Um exemplo é o Canal TJM (Tudo Junto e Misturado). Ele foi criado por Arnaldo Júnior, atualmente estudante de jornalismo na Universidade Tiradentes (UNIT), em Maceió. O canal surgiu em 2014, no município de Cajueiro. De conteúdo, tinha esquetes, entrevistas, pegadinhas, quadros de humor e paródias. É um canal modesto, com mil e setecentos inscritos. E como conta o próprio criador, “produzia porque gostava de gravar. Era um meio de divulgar as besteiras que eu e meus amigos fazíamos”. A criatividade é um fator decisivo em canais como o TJM, devido a sua proposta de produção de conteúdo. Criar uma cena de humor não é tarefa fácil. O público também pode ser exigente.

Não dá para agradar todo mundo, ainda mais se tratando do YouTube, que abrange todo o tipo de usuário imaginável. O cuidado de acertar a piada – e não desagradar a muitos – é requisito. Mas há mais empecilhos, mesmo que não tão fáceis de observar para quem não é um youtuber.No canal TJM, assim como todos os outros canais na plataforma, há restrições impostas sobre o conteúdo produzido. Assim como qualquer empresa, o YouTube determina as regras sobre o que os canais podem ou não podem produzir. Elas incluem linguajar impróprio, conteúdo adulto e/ou sexual, incitação ao ódio, etc. Quando um vídeo quebra essas regras ele perde a monetização, significando que ele não mais renderá dinheiro para seu criador. Além disso, há o “strike” (do inglês, pancada), que é uma reivindicação de direitos autorais. Em casos graves, o canal é totalmente excluído e o usuário perde o direito de usar o YouTube.

Todos esses problemas podem, de fato, dificultar a criação de conteúdo. Há também a forma que esse conteúdo é criado. Fazer um vídeo aleatório, sem roteiro ou tema, muito menos um objetivo, é um tiro no próprio pé. Sem foco, há poucas chances de um vídeo se tornar relevante ou, pelo menos, atrair as pessoas; afinal, cada vídeo é uma “vitrine” para o canal em si. Mas há uma exceção: quando a espontaneidade e simplicidade unem-se ao carisma, há uma chance de tudo dar certo. Ainda mais se o conteúdo for criativo.

CRIATIVIDADE E CARISMA: CHAVES DO SUCESSO

Thiago Santos, de Arapiraca, é dono do canal Garoto Espacial, com pouco mais de 100 mil inscritos. Mas esse não é seu primeiro canal. Ele tinha um canal menor, desde 2012, onde postava vídeos aleatórios. Um desses vídeos era, por exemplo, um gato correndo. Só um gato correndo. Esse vídeo não tinha quase nenhuma visualização. O canal em si tinha entre 30 e 35 inscritos – e só não se sabe mais dele porque, atualmente, não é mais usado. Os vídeos em si nem podem ser mais vistos; foram todos privados.

Em setembro de 2016, resolveu tentar de novo. Dessa vez, se organizou. Quis fazer do jeito certo. A primeira coisa a se fazer era pensar em qual nome pôr em seu novo canal. Pensou em batiza-lo com o próprio nome, mas não foi o único que teve essa ideia. Com dezenas de canais chamados Thiago Santos, decidiu pôr um diferente. Havia lido recentemente a sinopse de um livro chamado “Luzul, o Garoto Espacial”, escrito pela brasileira Lúcia Pimentel Góes. Aquele nome ficou na cabeça. Logo ele, que amava as belezas do universo! Não a toa havia pintado, na parede do quarto, uma enorme nebulosa. Nasceu, assim, o canal Garoto Espacial. O conteúdo do seu canal, apesar do que o nome sugeria, não era sobre as belezas do universo. O que era produzido ia de vlogs a tutoriais de maquiagem artística. Assim como muitos, ele fazia os vídeos por diversão. Sua produção de conteúdo era simples. Como ele mesmo fala, “muitos dos vídeos que eu faço são espontâneos, não planejo muito. Vou lá e faço. Não gosto muito de roteiro. Mas quando eu vejo potencial em uma ideia minha, eu invisto”.

As visualizações de seus vídeos variavam. Algumas vezes eram centenas de pessoas, outras vezes milhares. Mas um desses vídeos foi visto por quase trezentas mil pessoas. É um vídeo de como pintar o cabelo de azul para o carnaval. O próprio Thiago ficou surpreso. Ele confessa que “teve casos onde eu postei um vídeo com a certeza que iria crescer, mas não cresceu. Tem vezes que eu posto um vídeo sem expectativas, até esquecendo-me dele por um tempo. E, da noite para o dia, o vídeo já alcançou mais de um milhão de visualizações”. O vídeo a que ele se refere é o intitulado “fui pintar o cabelo com caneta BIC e olha no que deu”, e a premissa é bem óbvia. Mas a surpresa está nos números. Em pouco tempo, o vídeo chegou a mais de um milhão e quatrocentas mil visualizações. Para um canal pequeno, esses são números enormes.

Mas o sucesso nem sempre está nos números. Exemplo disso é a Tatiane Melo, criadora do canal “tatiplay Moto vlog!”, de Arapiraca. O canal existe desde 2015, mas tem apenas um pouco mais de mil e setecentos inscritos. Quanto aos vídeos, eles variam entre trezentas visualizações e trinta e seis mil. Alcançar números altos nunca foi a intenção. Seu verdadeiro amor – e aquilo que a faz produzir seus vídeos – é mostrar o que ela faz em sua rotina; e, com sorte, deixar as pessoas felizes ao assisti-la. Em seu canal ela ensina a como pilotar motocicletas, grava suas viagens pela cidade e arredores e registra os momentos onde ela está apenas se divertindo no seu dia a dia. Seu último vídeo foi o de um amigo fazendo uma baliza com um carro após conseguir a habilitação. E por mais simples que seja, consegue ter o seu charme. O que conta, quase sempre, é o carisma de quem grava.

Mas nem sempre Tatiane consegue se manter motivada a produzir. Em suas próprias palavras, “eu gosto de gravar, mas não há vídeos novos no canal há um mês. Eu não tenho um computador, e editar pelo celular não é bom, já que diminui a qualidade do vídeo. Tenho fé em Deus que vou comprar um computador até o final do ano, porque não quero parar de gravar e fazer o que gosto”. Os vlogs são maneiras simples de criar conteúdo. Pode ser um bate-papo, uma caminhada, uma viagem ou até mesmo uma ida ao mercado. O que conta é a forma como é mostrada ao público. Com uma boa edição e a criatividade de transformar o banal em divertido, qualquer gravação se torna hipnotizante. Canais como o do Thiago e o da Tatiane se aproveitam desse formato, assim como tantos outros. Por isso que o YouTube, ao oferecer espaço para essas produções, permite que todos possam compartilhar um pouquinho de si na internet.

Mas nem sempre o YouTube é a primeira opção. Eduarda Guimarães, por exemplo, usou a plataforma como um meio mais eficiente de se comunicar com quem já a seguia em outro aplicativo, o Instagram. Ela tem quase quarenta mil seguidores em sua conta, mas viu a necessidade de abranger seu público e criar um conteúdo mais aprofundado. Daí ela criou o canal Duda Guimarães, que funciona quase como uma extensão do trabalho que ela já fazia anteriormente. Seu conteúdo é voltado para a estética, com dicas de maquiagem e cuidados com a pele e cabelo. No Instagram, Eduarda se comunicava de uma maneira mais informal e mais simples, devido às limitações da plataforma. No YouTube, seus vídeos poderiam ser mais abrangentes e mais expositivos, já que permite uma liberdade ainda maior.

Ela conseguiu alcançar dez mil inscritos em seu canal desde que o criou em 2017. Mas devido a não ser seu foco, a maior parte do conteúdo ainda é feita para o Instagram.

No Brasil, poucos conseguiram alcançar um número muito alto de inscritos. Em Alagoas, então, fica ainda mais difícil. A população do estado representa menos de dois por cento de todos os habitantes do Brasil. As probabilidades são baixas. Não a toa grande parte dos maiores youtubers do Brasil venha de São Paulo, cuja população corresponde a mais de vinte e um por cento dos brasileiros. Mas não é porque é difícil que é impossível.

DO TEATRO AO YOUTUBE

Otávio Ugá, alagoano, bacharel em direito, técnico em artes cênicas e diretor audiovisual, é um youtuber de sucesso. Ele estudou em Maceió até 2007, quando se mudou para o Rio de Janeiro com o intuito de se especializar em interpretação para televisão e cinema. Lá, inscreveu-se numa agência de figuração, que o ajudou. Mas, como figurante, não havia como ir muito longe. Após um ano, ele decidiu focar seus esforços em produzir uma grande produção na área do teatro. Junto de um amigo, fundou uma empresa focada em roteirizar, produzir e dirigir peças. Entretanto seus mais frequentes trabalhos foram os de produzir peças de outras pessoas; coisa que não gostava muito.

Em 2010, após várias tentativas de emplacar no cenário teatral, cansou-se de produzir algo que não fosse criação própria. Com um dinheiro que havia juntado ao longo dos anos, comprou todo o equipamento necessário para poder investir em uma ferramenta emergente na produção audiovisual na época: o YouTube. Criou o canal Midday Filmes – o mesmo nome de sua empresa – e começou a produzir esquetes como conteúdo. Seus vídeos não tinham muito destaque, apesar de gostar de fazê-los. Depois de um tempo, o nome do canal mudou para Porca Miséria, e manteve o conteúdo de esquetes. Dessa vez, as visualizações aumentaram. De centenas, foram para milhares. O canal chegou a alcançar trinta mil inscritos. Mas não era o suficiente. O crescimento era lento, e o dinheiro ganho era pouco. Não havia como se sustentar daquela forma. Mas, um dia, tudo mudou.

Em 2012, dois enormes canais emergiram: Parafernalha e Porta dos Fundos. Ambos tinham o mesmo tipo de conteúdo que o Porca Miséria, que era o de esquetes. Seu rápido crescimento contrastou com o canal de Otávio, que havia estagnado. Acontece que em 2013 o Parafernalha havia começado a passar por uma renovação após seu crescimento. O criador do canal, Felipe Neto, que já fazia sucesso no YouTube com seu outro canal (Felipe Neto), estava contratando pessoas novas para melhorar ainda mais a produção do canal.

Otávio viu uma oportunidade nessa renovação e se agarrou a ela. Após uma entrevista de emprego, ele conseguiu entrar na nova equipe do canal. E quando ele demonstrou o que sabia fazer – pois ele já era editor, produtor, roteirista, ator e diretor – não foi uma surpresa ser promovido ao mais novo diretor de esquetes. Um ano e meio depois, Felipe Neto vendeu a Parafernalha, e os novos donos cortaram muitos gastos.

Nisso eles optaram por manter apenas o diretor de esquetes com mais tempo de experiência. Otávio, sendo o que tinha menos tempo, foi demitido. Mas não foi seu fim.

Em outubro de 2015, ele decidiu criar um novo canal. Otávio já havia pensado sobre ele ainda no Parafernalha, mas era apenas uma ideia distante. Agora era hora de dar tudo de si. Decidiu batizar o novo canal de Super 8, e seu conteúdo seria direcionado para o cinema. Começou fazendo listas, a exemplo de seu primeiro vídeo, intitulado de “8 filmaços de estreia de grandes diretores”. Mas devido ao trabalho de ter de assistir oito filmes toda vez que fizer uma lista, decidiu criar novos quadros, como o mais recorrente de críticas de filmes.

E graças ao novo quadro, o canal disparou. Otávio externou sua surpresa, dizendo que “para não deixar um vácuo de conteúdo de uma ou duas semanas ao fazer as listas do canal, comecei com o quadro de críticas de filmes. E, por alguma razão, começou a dar certo. Muito certo. Deu tão certo que as pessoas queriam cada vez mais, e eu fazia cada vez mais. Empolguei-me tanto que as listas quase sumiram. Realmente foi uma surpresa”. Em alguns meses, centenas de milhares de pessoas começaram a assistir seu canal. O canal Super 8, hoje, alcançou mais de um milhão e seiscentos mil inscritos. E cresce a cada dia.

Seja em Alagoas ou pelo mundo afora, o sucesso no YouTube é alcançável por todos.

Não necessariamente o sucesso em tamanho, mas em realização pessoal. Poucos canais alcançam um público grande, e menos ainda conseguem manter sua relevância. A maioria faz os vídeos pois são eles que trazem a alegria tanto para quem produz quanto para quem assiste. O YouTube não é só uma ferramenta, e ser youtuber não é só uma profissão. Às vezes trata-se de realizar sonhos. De produzir algo do qual possa se orgulhar.

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