Igor Rozza fala sobre os desafios, conquistas e sonhos da Companhia de Teatro Camboio de Doido, pioneira em Taquarana e referência na cena cultural alagoana
Por Maryana carvalho sob supervisão de Bertrand Morais
Quando as luzes se apagam e a cortina se abre, o teatro se torna o lugar onde se vê. Corpos viram arte, e a vida real se transforma em história. Basta uma plateia para que o ator use sua força para dar vida a outra personalidade, em um espaço onde a fantasia se mistura com a realidade.
Em Taquarana, no interior de Alagoas, o teatro ganha um novo significado. Além de espetáculo, ele se manifesta como uma ferramenta de resistência e esperança. Nesta entrevista, conversamos com Igor Rozza, ator, dramaturgo, professor de arte, produtor cultural e fundador da Companhia de Teatro Camboio de Doido. Como líder do grupo, ele explica a importância da arte não apenas como uma forma de entretenimento, mas como um agente fundamental na formação de indivíduos e na construção de uma comunidade mais consciente.
R.A: Qual o momento da sua vida que você se apaixonou pelo teatro?
Igor Rozza: Quando eu percebi que as pessoas podiam tirar um tempo da vida delas para me verem no palco. Isso foi realmente mágico e gratificante pra mim.
R.A: Como surgiu a ideia da Companhia de Teatro Camboio de Doido?
Igor Rozza: Eu e um grupo de professores e estudantes da Escola Estadual Santos Ferraz montamos um texto para apresentar no fim do ano de 2006: Camboio de Doido. Percebi que poderíamos fazer isso sempre. Daí o nome de nosso primeiro espetáculo ficou como o nome do nosso grupo.
R.A: A Companhia de Teatro Camboio de Doido é um marco para Taquarana, sendo descrita como pioneira na região. A gente sabe que criar uma base para a arte em um local onde ela ainda não é tão difundida traz alguns desafios. Você pode nos contar quais foram os principais obstáculos que você e sua equipe enfrentaram para se estabelecer?
Igor Rozza: Os mesmos desafios que ainda encontramos hoje. O apoio da rede pública ainda é muito escasso. O grupo é muito lembrado em épocas de campanhas políticas, fora disso sofremos muito com a falta de apoio local. Moramos numa cidade pequena e que não temos um teatro público e nem particular. Quando fazemos apresentações escolhemos a rua, praças, escolas ou espaços alternativos. E por morarmos numa cidade pequena, a grande maioria do grupo precisa trabalhar além do teatro porque não dá pra viver, ainda, apenas de nossos trabalhos artísticos. E ainda enfrentamos o fato de não podermos ser críticos com a política local porque os membros podem sofrer represálias e perderem seus empregos.
R.A: Mas, além disso, qual foi a maior recompensa? O que vocês, como a primeira companhia, viram e pensaram: “Meu Deus, isso aqui valeu muito a pena”?
Igor Rozza: Ver o público de Taquarana fazendo filas para assistirem nossos espetáculos nos deixou muito comovidos. Saber que o público se deslocava para outras cidades de Alagoas para nos assistir também nos encheu de orgulho. Porque o teatro só se consolida dessa maneira: o grupo, o texto e o público. E criamos um público cativo em nossa cidade.
R.A: Você pode explicar o nome da companhia? Qual o significado?
Igor Rozza: O nome faz referência ao primeiro espetáculo do grupo: Camboio de Doido. E também era como o pessoal da cidade chamava a gente: esses meninos são um camboio de doido. Pensamos até em mudar o nome para “Insanos”, mas o saudoso Professor Acioli da UFAL falou que o nome “Camboio de Doido” soava muito mais divertido e chamativo. Acabou que ficou consolidado o nome do grupo “Teatro Camboio de Doido”.
R.A: Além dos palcos, você também atua como professor e coordenador de projetos de arte. Qual a importância do teatro e da arte para estudantes do Ensino Médio e do EJA?
Igor Rozza: O teatro e a arte são ferramentas de emancipação: ajudam a formar sujeitos críticos, criativos, sensíveis e conscientes do seu papel social. No Ensino Médio, ampliam horizontes de futuro; na EJA, resgatam dignidade e pertencimento. Em ambos, cumprem aquilo que é talvez o mais essencial da educação: tocar o humano em sua inteireza.
R.A: O Festival de Teatro de Taquarana (FESTA) e a Semana de Arte são iniciativas que buscam ampliar o olhar sobre o teatro e torná-lo mais acessível. Como você enxerga o impacto desses eventos na formação de plateia e na valorização da cultura local, especialmente em uma cidade do interior como Taquarana?
Igor Rozza: Ambos os projetos são de suma importância para o crescimento e engrandecimento da cultura local. A Semana de Arte mais restrita aos estudantes, mas com alcance em toda comunidade, e o FESTA de alcance na comunidade e também em cidades circunvizinhas. Mas os dois projetos sofrem do mesmo mal: apoio local. A Semana de Arte ainda consegue andar com as próprias pernas porque é um projeto da escola e o município acaba ajudando sempre porque ficaria “feio” não apoiar tantos estudantes. Já o FESTA é produzido pelo Teatro Camboio de Doido, um grupo de jovens que quer fazer o teatro acontecer, então envolve questões políticas e questões de censura. Nas duas edições que conseguimos fazer, trouxemos companhias e espetáculos premiados que já viajaram para outros países como Grupo Imbuaça, Cia dos Pés e Trupe Cangulê de Teatro de Bonecos de Alagoas. Além da valorização de espetáculos e grupos de folguedos de nossa região. O público de Taquarana conheceu o que há de melhor no teatro em nosso estado e sonhamos em trazer mais do melhor em uma próxima edição.
R.A: Espetáculos da sua companhia, como Sonho e Fim do Mundo, têm sido premiados e reconhecidos fora de Alagoas. O que esses prêmios representam para você e para o trabalho da Camboio de Doido?
Igor Rozza: Sonho e O Fim do Mundo são dois espetáculos antagônicos, mas de uma potência muito grande por onde passam. Sonho é um espetáculo de comédia infantil que foge do estereótipo padrão de espetáculos infantis, por acreditar que as crianças são inteligentes. E O Fim do Mundo é um espetáculo adulto que faz uma denúncia em cima de um tema muito sério em nossa comunidade e que segue com impunidade, muitas vezes apoiada por políticos. Frisamos que sem o apoio da Lei Aldir Blanc Estadual através da SECULT/AL estes espetáculos não seriam possíveis. Receber prêmios fora de Alagoas é um aval de que estamos indo pelo caminho certo, mas ao mesmo tempo é muito triste porque sequer fomos convidados pelo poder público para apresentarmos em nossa própria cidade. Já ouvimos de pessoas ligadas à gestão pública que somos “vagabundos” pelo simples motivo de fazermos arte. Ainda esperamos um reconhecimento por parte dos políticos de nossa cidade porque, afinal, estamos levando o nome de Taquarana para outros locais. Não podemos também deixar de reconhecer que tivemos apoio em nossas últimas viagens: para Conselheiro Lafaiete – MG por meio da Vereadora Sthefany e do Prefeito de Coité do Nóia Bueninho, e para Parnaíba, no Piauí, os mesmos e a Prefeitura Municipal de Taquarana. Temos três festivais confirmados para esse ano: MOSTEV em Vitória de Santo Antão – PE, FESTAC em Juiz de Fora – MG e Solos Tucujus em Macapá – AP. E vamos correr atrás de patrocínio novamente.
R.A: Olhando para o futuro, quais são os próximos projetos e sonhos para a Companhia de Teatro Camboio de Doido e para a sua carreira?
Igor Rozza: Estamos pensando em fazer uma grande comemoração em 2026, pois serão 20 anos de Teatro Camboio de Doido. Queremos comemorar com os nossos espetáculos de repertório e montar O Ano em que Matei Meu Pai, projeto que já tem dois anos que tentamos pelas Leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo, mas ainda não deu certo. O futuro que desejamos é cada vez mais teatro em Taquarana e que possamos continuar participando de mais festivais para que mais pessoas nesse Brasilzão conheçam nossa arte. E talvez uma viagem internacional, né?
R.A: No último dia 19 foi Dia do Teatro, qual mensagem você gostaria de deixar para quem está começando na arte?
Igor Rozza: O teatro é uma arte milenar e jamais morrerá enquanto duas pessoas estiverem se conectando, através do olhar, da fala, de gestos… Tanto para quem está começando como para quem já está há um bom tempo nessa arte: que não desistamos nunca de fazer um mundo melhor através do teatro! Somente a arte é capaz de mudar pensamentos e despertar sentimentos profundos que transformam a forma como enxergamos a nós mesmos, o outro e o mundo.