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Texto de Lícia Souto

Em março, mais precisamente dia 27, o mundo celebra o Teatro. O palco, os risos, os aplausos, as lágrimas, Deus e o Diabo. As cortinas fecham, mas o show tem que continuar.

Conversamos com os atores e diretores Jadir Pereira e Aldine de Souza, que já dividiram o mesmo palco e hoje compartilham as vivências desse universo. Falamos sobre espetáculos, pessoas, histórias e pandemia; confira aqui a segunda parte da reportagem ‘Compartilhando a cena’.

Nove meses. O mesmo período de uma gestação, foi esse o tempo que levou para construir e dar vida ao espetáculo “Os que vêm de longe”, dirigido por Jadir Pereira. “Recordo-me que fizemos muitos jogos teatrais, assistíamos a vídeos de refugiados (o espetáculo abordava essa temática), discutíamos sobre, aguçamos o nosso sensorial, nossas lembranças afetivas…tudo isso sem texto. Depois de um período Jadir foi trazendo o texto e o mais bacana foi ler coisas, ações e falas que foram criadas no processo dos jogos teatrais, nas discussões, nas experimentações através de muito improviso… Tinha tanto do que a gente construiu no texto que o encaixe do corpo (ações do personagem) / voz (interpretação do texto) foi muito perfeito, sem dificuldade. Era genuíno! Neste espetáculo faço uma congolesa que está grávida. O meu maior desafio nesta peça foi sentir que realmente estava grávida, com um barrigão, prestes a dar à luz e fazer com que o público acreditasse que eu era uma gestante.”.

Do outro lado da cena, a atriz, professora alagoana e uma das fundadoras do Centro de Pesquisas Cênicas (Cepec), Aldine de Souza, compartilha algumas de suas experiências no universo do teatro.

Ainda comentando sobre a peça, a atriz relembra a sensação de alívio e dever cumprido ao perceber que conseguiu emocionar as pessoas com a história. Ela acredita que a forma com que Jadir conduziu o processo contribuiu muito para o resultado, “Os que vem de longe” é uma criação totalmente humana, de olho no olho, de muita escuta, toque e empatia.

“Já os processos do espetáculo do meu CEPEC são um pouco mais racionais. Sempre fazemos, independente do espetáculo e sua temática, estudos sobre o corpo do ator para cena. Acreditamos que de todos os elementos que fazem a maquinaria teatral ganhar vida, o mais importante é o ator e sua principal ferramenta é seu o corpo. Portanto, todos os trabalhos, no âmbito profissional do CEPEC, têm sempre o corpo do ator muito vivo, presente em cena.

Devido a isso, o processo de criação sempre parte dos estudos de Rudolf Laban sobre os fatores de movimento e suas qualidades, além de estudarmos e praticarmos a fundo as articulações, nossas superfícies, nosso torso e tônus. Tudo isso resultou em espetáculos onde o texto ou roteiro realmente ficou em segundo plano. “Caneco” é um espetáculo, por exemplo, que não possui linguagem verbal, apenas linguagem corporal. Em 2018, fizemos nosso primeiro espetáculo de Dança Teatro. Intitulado “Lugar Comum”, levamos em torno de dois anos de muito processo e discussões até a estreia. Gostamos mesmo de fazer essa imersão nas ações físicas dos nossos intérpretes criadores para poder alcançar um resultado corporal satisfatório.”, explica.

Para Aldine, o processo de imersão para interpretar um personagem será sempre muito particular e implicará diretamente em qual CIA teatral estará inserida, qual diretor vai assumir o norte do espetáculo, qual teatrólogo será aplicado aos estudos e práticas.

Assim como seu colega de palco, Jadir, a vivência com o teatro também chegou muito cedo para a atriz, seu primeiro contato com a arte teatral foi aos 12 anos. Aldine traz de volta uma infância – e parte da adolescência – em São José dos Campos, interior de São Paulo.

A arte sempre esteve muito presente na escola em que ela estudou. Certo dia, enquanto a jovem passava por um mural na escola, viu um anuncio de um Festival Estudantil que aconteceria na capital, e aquilo capturou a atenção dela. Em pouco tempo, ela juntou alguns amigos e falou sobre. Ela relembra que eles acharam divertida a oportunidade de ir à São Paulo. E assim foi. Mesmo sem experiência, Aldine escreveu sua própria peça e se lançou. “O engraçado, que relembrando hoje, percebo que a nossa esquete falava muito da minha história. Retratei nela a vida de uma nordestina que iria para o sul conhecer sua família…mostrei alguns hábitos e palavras que foram bem cômicas… alguns fatos já tinham acontecido comigo, enfim! Ensaiamos no contra turno de nossas aulas. Lembro que escrevi, dirigi, fiz cenário, figurino e sonoplastia. Fomos ao evento, nos apresentamos e ficamos em terceiro lugar, foi incrível! Fiquei tão ligada ao fato de ir à São Paulo que não li que haveria premiações.

Ganhei como melhor atriz…eu, uma criatura de 12 anos que nunca tinha feito nada de teatro na vida! Quando lembro, sinto a sensação até hoje…as pessoas me abraçando, me parabenizando e eu não entendia nada! Era tudo novo para mim! Quem me entregou a medalha da premiação (Sim! Teve até medalha!) foi a professora Márcia. Ela me disse que eu tinha acabado de ganhar um curso de iniciação a arte teatral em um projeto dela juntamente com o Teatro Municipal de São Paulo. A partir daí iniciei os estudos e práticas. Márcia realmente mudou minha vida e fez eu saber o que queria fazer para sempre…quando vim para Alagoas, acabei perdendo o contato com ela. Depois do ensino médio, entrei na UFAL e iniciei licenciatura em teatro e também formação do ator pela Escola Técnica de Artes. Participei de algumas companhias teatrais até que em 2013 criei a minha em parceria com Claudemir Santos.

Sobre a melhor parte e a mais difícil a respeito da atuação, Aldine responde: “Acredita que nunca parei para pensar nisso? Estou aqui pensando no que irei responder? Porque sempre pensei na arte teatral como um todo, sabe? Não apenas na atuação. Mas acredito que a melhor parte seja a concepção do personagem. Estudar, praticar, insistir, fazer e refazer. Isso me fascina, me motiva a querer permanecer no espetáculo e doar toda minha energia para ele. Talvez a parte mais difícil seja reapresentar o espetáculo e manter a mesma energia ou até mesmo maior do que a estreia do mesmo.”, diz a atriz.

Para ela, no teatro, as novas temporadas tem que vir com evolução, tem que ter uma crescente, seja na atuação, no ritmo, na estética… é difícil! Criar algo é difícil, requer total dedicação de todo o elenco e equipe, mas somar ainda mais e evoluir isso é mais desafiador ainda, é mais difícil.

E reinvenção tem sido, desde o ano passado, a palavra para muita gente, depois que o mundo inteiro foi surpreendido pelo coronavírus. Alguns setores da iniciativa privada lançaram editais e investimentos para o setor cultural, a exemplo do Itaú, com o Edital ‘Arte como Respiro’, assim, muitos artistas puderam levar, através do digital, suas produções para mais pessoas. Aldine, então, inscreveu a peça ‘Lugar Comum’, e algum tempo depois, recebeu uma ligação de um dos curadores do edital sinalizando que o material havia sido aprovado e eles iriam se apresentar no Palco Virtual.

“No dia da exibição do nosso videodança no “Palco Virtual” do Itaú Cultural, estava eu e Claudemir Santos. Foi um dia muito marcante para nós. Pudemos trocar com outros artistas e perceber que, realmente, eles apreciaram nossa arte, respeitaram ela e a compreenderam independente de como e por quem era feita. Isso nos chamou muito a atenção. Sinto que o fazer teatral alagoano necessita mais dessas vivencias mais empáticas, sem um certo pré-julgamento. Percebo que, na grande maioria das vezes, vamos ao teatro já armados, com um conceito pré definido do que iremos assistir. E sempre me perguntei: Por que fazer isso? Pra que? Isso, nem sempre acontece, mas quando acontece é desnecessário! É um ato que vai ao contrário da real função da arte. E ter, naquela noite, pessoas com um currículo tão vasto e pesado, com os pés no chão e ouvidos e olhos mais abertos do que a boca para receber a sua arte, a nossa arte alagoana, foi sensacional, foi ímpar! Aprendemos muito com isso.

Lá ressaltamos que a videodança surgiu em parceria com a produtora audiovisual Bagaceira. Falamos também que, na verdade, “Lugar Comum” primeiramente é um espetáculo de dança teatro que é apresentado em locais públicos e periféricos. Foi perguntado no bate papo como se deu o processo de criação, então, explicamos sobre a importância do estudo dos movimentos de Rudolf Laban e como precisávamos de Émille Durkheim e Lacan para contextualizar as relações e o comportamento do indivíduo que vive em sociedade. “Lugar Comum” trata-se disso.”, explica Aldine.

Os primeiros momentos da pandemia foram de bastante desespero para a atriz. Após o primeiro decreto de quarentena em março de 2020, ela começou a ver os meses se passando… dois, três, quatro… e aí as coisas foram apertando. Manter um espaço cultural sempre foi difícil, mesmo em tempos normais, porque, segundo ela, o povo alagoano não tem o hábito de consumir – e muito menos pagar – pela arte. Eles decidiram manter o espaço por conta própria, mesmo que levasse metade de seus respectivos salários, eles ficaram firmes na decisão, porque o Cepec representa um sonho concretizado pelo qual eles sempre lutaram, naquele momento não seria diferente.

Em junho, Claudemir surgiu com uma ideia de fazer algo. Foi aí que veio a intervenção online “JANELA” que retrata as fragilidades humanas em um período de isolamento social, mas precisamente em uma pandemia provocada pelo Covid-19. Ao longo de todo processo, os diálogos que foram facilitados pelos aplicativos do computador (Zoom e/ou Meet), trouxeram à tona palavras que instigavam ainda mais a humanidade nos envolvidos. Empatia, liberdade, compaixão, inquietação, olhar e desejos, foram elas.

Em novembro, eles conseguiram reabrir o espaço. Já vinham acompanhando as fases e novos decretos, então já tinham feito um planejamento. Não só um planejamento na produção, divulgação das novas turma, mas também nos preparativos e adaptações da estrutura do espaço e da metodologia das aulas. De acordo com Aldine, tudo foi pensado para garantir a segurança dos alunos e professores. “Estamos sempre tentando inovar, com novos cursos, novas turmas… mas a pandemia realmente dá uma freada nos nossos objetivos! Temos muitos projetos e parcerias para colocar em prática, porém estamos com mais cautela para a efetivação deles. É lamentável tudo isso. A pandemia acaba, de certa forma, atrapalhando nossos objetivos artísticos e financeiros, por se tratar de uma empresa”.

Além dessa organização, a Lei Aldir Blanc surgiu para desafogar ainda mais. Segundo a artista, a lei trouxe uma certa estabilidade nos três meses que ela abarcava. Eles foram contemplados com cinco projetos, o que foi importante para manter a contabilidade em dia, pagar e valorizar a equipe de atores e impulsionar a prática artística.

Para Aldine, o teatro é mais que uma profissão, é sua casa. É o acalanto. É o suor. É sua leitura preferida. São as lágrimas de alegria e de tristeza. É onde ela grita seu mantra artístico: “Existir, Insistir e Resistir”. É o lugar para onde sempre quer voltar: “se fizer sol, eu quero me esfriar na sombra da porta do Teatro… se chover, quero estiar no camarim do Teatro. Foi no Teatro que escutei o melhor som da minha vida inteirinha…os APLAUSOS! Ah os aplausos…não há explicação. Ele é o fim do espetáculo e o começo de um novo ciclo, de uma nova apresentação, de uma nova temporada…tudo isso ao mesmo tempo. Os aplausos são lindos, faz o artista estar vivo e a plateia levantar.

O Teatro me mostra quem eu sou e me faz voltar para minha própria essência quando me perco. E olhe, que uma coisa que o artista mais sabe fazer é se perder! É preciso se perder para criar. É preciso se perder para indagar se é realmente isso que eu quero ser? É preciso se perder para entender e se achar ARTISTA. Para mim, Teatro tem que sempre ser escrito com T maiúsculo. Ele é grande. É importante. Ufa…nossa! Eu escrevi isso numa tacada só, viu? Sem mentira nenhuma! Ah! Já ia me esquecendo: Teatro é intensidade. Você embarca nele e não sabe onde ele vai te levar, você só quer ir. Acho que você já ouviu falar: ”Teatro tem porta de entrada mas não tem de saída. Cuidado!” Pior que é isso mesmo! Cuidado! É difícil sair. E se você tem alma de artista…xiiii…lascou! Tu sofre, come o pão que o diabo amassou mas não consegue fazer outra coisa na vida senão almejar subir sempre no queridinho Teatro de Arena, no respeitado Deodoro, no grande Gustavo Leite… não importa o tablado, na verdade! Já era! Teatro para mim é tudo isso e mais um pouco. Teatro faz e sempre fará o meu sangue ferver. Sou apaixonada por ele e ponto final.”, finaliza.

E para concluir, a atriz escreve um recado que considera importante frisar sempre: CONSUMAM ARTE ALAGOANA, GALERA!

Mesmo com as adversidades do momento, as cortinas não estão fechadas. Os grupos que compõem o maior evento afro-percussivo de Alagoas, a Festa das Águas, subiram ao palco centenário do Teatro Deodoro, este mês, para gravar as tradicionais apresentações que homenageiam Iemanjá e a cultura afro-brasileira. Os grupos se dividiram em cinco dias de gravações, cumprindo o protocolo sanitário, no palco Deodoro, com o apoio da Diretoria de Teatros do Estado de Alagoas (Diteal).

 

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