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Nathália – Olá Jaiane! te recebo na Revista Alagoana com um abraço e com a alegria de te ver por aqui, de passar essa semana conversando contigo. ultimamente eu estive pensando bastante nas diferentes formas de escrever e de me relacionar com a escrita ao longo do tempo. sinto que mudei e muita coisa na minha escrita mudou junto. como é pra tu a tua relação com as coisas que escreve, e como é tua relação com a escrita, o ato de escrever? 

Jaiane – A minha relação com a escrita nunca foi linear, embora tome raízes numa linhagem: os caminhos pelos quais passei (e passo), os encontros que vivi (e vivo), os percursos de uma história que compõem isso a que chamamos vida; “minha vida”. Às vezes, é de uma estranheza imensa parar e pensar simplesmente: o que foi de um jeito, poderia ter sido de outro; aquela lembrança tão especial poderia não ter ocorrido se eu não tivesse decidido seguir por aquela rua, naquela tarde de sábado iluminada pelo sol (o contrário também é válido: aquela tristeza não teria surgido se eu não tivesse feito isso ou aquilo). Mas aconteceu, é palpável. Tudo que eu criei ou que me fez do jeito que eu sou, aconteceu, chegou até mim, afetou-me, fez-me provar do amargo e do doce, fez-me sentir, fez-me indignar. Eu não sei explicar muito bem o que está por trás desses encontros, preciso deixar na cota dos mistérios da existência, das conexões. Gilberto Gil canta em “Esotérico”: “porque mistério sempre há de pintar por aí”. Por mais que estas palavras encontrem fôlego na esfera do abstrato, elas também são bem palpáveis, tateáveis, simples: minha escrita é movida pela minha existência neste mundo, por tudo que afeta/toca o meu corpo, os meus sentidos, seja no plano exterior seja no interior. Viver é sempre estar em relação com outros corpos: uma pessoa, uma árvore, uma palavra, um livro, uma pintura, uma angústia profunda, o mar, o céu (que observo agora enquanto escrevo, além da janela aqui de casa, imenso, que já me ajudou num outro momento em que as palavras me fugiam), uma canção, uma flor, uma formiga, o som dos passos do meu pai pela casa, o cajueiro, a dança, a raiva de que o mundo seja tão injusto e desigual para as mulheres (e para muita gente)… Não há limites. Eu gosto de me pôr em movimento através da palavra (ou de colocá-la em movimento, chamá-la para dançar – literalmente). Há momentos em que simplesmente leio o que escrevo e gosto. Há outros, em que leio o que escrevo e não sei se gosto tanto. E ainda outros em que releio e penso: poderia ter escrito isso desse outro modo. São (quase) infinitas as possibilidades. Mas sempre estou aberta às viagens, a esta viagem, a reinventar-me. Em alguns momentos, eu e a palavra precisamos de descanso (essa coisa tão preciosa nos dias corridos, quase sem tempo, de hoje); afastamo-nos, por um tempo, uma da outra, a fim de nos (re)conhecermos melhor; entramos em atrito. Quando, enfim, retorno à escrita, é como se tivesse encontrado o que já sabia conhecer tão bem, mas que estava perdido de mim. Tudo precisa de tempo, porque acontece no tempo (e já diz um provérbio português: “O tempo não respeita o que é feito sem ele”). Confesso, também, que, às vezes, sinto preguiça de escrever: pura e simplesmente preguiça – embora escrever seja uma das coisas que tanto amo neste mundo; confesso que, às vezes, sinto medo da palavra, desse poder do dizer, do que ela me propõe. Aí me desafio a ter coragem. A estar presente e fazer isso. É uma alegria este encontro contigo, Nathalia, de poder sentar no sofá de casa, olhar além da janela, e investigar essas possibilidades de respostas (tantas) às tuas perguntas sensíveis e cuidadosas. Está aí a força dos encontros, dos afetos (ah, pode me chamar de Jai). Há uns tempos, escrevi (talvez se torne uma série de poemas mais adiante, quem sabe):

Receitas do escrever

Para

escrever

é 

preciso

catar

 

galhinhos

 

&

 

acender

    o

 

fogo

que

resista

aos 

excessos

 

que se

reinvente

e que

do

meio 

da 

  água

faça nascer:

da mais

ínfima

    faísca

à  dança

o

FOGO

de 

dar 

a

volta

por cima

de

saltar

o

arado

e de

retornar

bem

dentro

da 

boca

do

FOGO

Nathália – achei tão lindo e tão forte quando tu disse que tua escrita é movida pela tua existência neste mundo. também acredito nisso, na poética em tudo (ou quase-tudo) ao redor: como se a gente que escreve fosse recolhendo esses fragmentos das coisas que escutamos, fazemos, vivemos. acredito que também se tenha um resquício (necessário) de invenção na criação literária, como um gosto de ficção no meio da vida. acredito em escrever quase como uma segunda pele, a gente se vestindo de outra. como tu recolhe esses fragmentos teus da vida na tua poética?

Jaiane -Como separar a vida da literatura (ou o contrário)? Os encontros e conexões mais bonitas, que eu presenciei (e vivi), entre pessoas e esses dois universos de linguagens tão próprias deram-se justamente pela impossibilidade de desentranhá-los; como se a matéria de uma precisasse da substância da outra para existir. A vida precisa da literatura tanto quanto a literatura precisa da vida. Não falo só do que está encorpado na palavra, falo também de uma parte da poesia, da literatura, que tece o mundo ou pelo menos o modo como nos relacionamos com ele. Como eu poderia escrever se eu não existisse? se a escrita não fosse movida por esta minha existência? Parece meio óbvio dizer isso, mas não é; é apenas uma outra chave, um outro caminho de entendimento. “Esquadros”, da Adriana Calcanhotto, começa: “eu ando pelo mundo prestando atenção/em cores que eu não sei o nome”. Talvez, criar, escrever, reelaborar seja um pouco como (re)descobrir os nomes dessas cores. Eu vou vivendo, caminhando pelo mundo, afetando-me, sentindo(-me), destroçando-me, reconstruindo-me, reparando-me, e atentando-me à presença da outra/do outro. Tudo isso, em algum momento, pode se tornar palavra ou ideia. É meio natural. Às vezes, eu me proponho escrever sobre tal coisa: um texto que sintetize uma passagem, um processo de transição, por exemplo (porque viagens muito me interessam). O que venha a nascer, dessa proposição, não vai ser uma cópia de um fato ou um instante deste mundo, da minha vida, mas vai se fazer outro mundo, outra vida. A gente recria. Estou sempre me (re)criando e parindo mundos diversos. Noutras vezes, a escrita surge com alguma urgência, necessidade. Porque algo me impactou e escrever é uma forma de não se calar, pode ser quase como gritar e dar voz a dores e a coisas secretas ou coisas que estão estampadas na nossa cara, mas que a gente precisa de um texto que nos aponte o caminho para poder percebê-las. Ou até a escrita vem se achegando, como uma vontade prazerosa, leve, de vento nos cabelos e calor no corpo. E eu vou (re)montando esses pedaços, que já foram (re)montados infinitas vezes por aquelas e aqueles que nos antecederam, de infinitas formas. Eu me desafiei a nunca mais me calar, por isso escrevo. À medida que sigo caminhando, vou me inscrevendo no mundo e o mundo vai se inscrevendo em mim. Eu duvido que o nosso olhar seja isento de ficção. O modo que cada pessoa tece seu universo particular se utiliza habilmente da ficção. Um modo de olhar, de ouvir, de sentir (e existem tantos) são também modos de ficcionalizar. Eu posso entender um mesmo fenômeno e recontá-lo de modo divergente ao que você escolheu recontar. E mais: posso focar em um ponto diferente de uma trajetória, que nem sequer chegou a afetar-lhe. O modo que eu respondo a estas perguntas é também ficcionalizar. O ato de  ficcionalizar é algo natural às pessoas, embora haja aquelas que fazem dessa ação um caminho mais consciente, pelo qual vão recriar a palavra, esculpi-la (ou seja qual for a matéria). 

Nathália – jai, achei tão bonito isso que você falou nesse final sobre as formas de ficcionalizar as nossas vidas, nosso cotidiano. acredito em como contar e recontar uma história implica também em inventar novas versões dela, porque nunca é a mesma história, é sempre outra. tu percebe se há alguma marca disso na tua escrita? quais os modos como tu escreve com esse ato de ficção nas tuas criações literárias? 

Jaiane- Estamos sempre em movimento, né? Literalmente, sobre o solo do mundo, ao movermos nosso pé, que carrega o nosso corpo: estamos caminhando. Essas histórias também caminham conosco e põem-se em movimento dentro e fora de nós. Se há algo que tenho aprendido é que, não importa o percurso geográfico que façamos, as distâncias que percorramos, as nossas histórias (e as que guardamos em nós) nos acompanham. Não são roupas que podem ser retiradas no final de um dia cansado e postas, mesmo que ainda sujas, sobre os cabides. Elas podem ter as manchas que tenham ou estarem sujas e deixarem rastros do jeito que for, não podemos nos despir delas. Mas elas são matérias de reinvenção. Por exemplo, quando uma mudança acontece em nossa vida (e acontecem várias mudanças o tempo todo), ela se dá de modo tão natural que, de repente, nem percebemos aquilo como mudança no instante que acontece, porque é como se fosse tão natural como as ondas que sabemos que vamos encontrar se formos ao encontro do mar. Nós somos outras(os) o tempo todo (?). Estamos sempre nos “outrando”. Como poderia ser diferente com as narrativas que nos habitam? Todo esse movimento para dizer que sim: nossas histórias se movimentam conosco, no nosso passo, no nosso ritmo, no movimento natural do nosso corpo pelo mundo. E, por isso mesmo, naturalmente, tornam-se outras, transformam-se, viram peixes procurando caminhos no fluxo do oceano. E porque, também, essas histórias, essas palavras, nunca são as nossas – mesmo quando são – ou, ao menos, nunca são só nossas. E que nada seja nunca uma coisa só, que a palavra não seja uma coisa só. A palavra se faz outra a cada novo encontro. A minha escrita é um terreno de reinvenções. É por onde caminho. Fiquei pensando nisso agora com a tua pergunta. Porque há coisas que não elaboramos antes de escrever, mas que perguntas como as que tu me fez trazem a possibilidade de tentarmos elaborar. Se eu trago alguma coisa do mundo (do mundo que me circunda) ao encontro com a palavra, nesse encontro, do ritmo, do olhar, do ouvido, dos sentidos ali, em movimento, moldando aquele tecido, no momento que isso acontece, a coisa parece se desdobrar em mil e uma camadas (Sherazade?) e já habitar esse território que é ficção mas que é também real. Se eu vivencio, por exemplo, uma situação que me deixa indignada, chateada ou com muita raiva, como ler notícias que denunciam violências constantes contra o corpo da mulher, aquilo talvez possa se remontar num canto e numa dor que não é só minha. A ficção talvez tenha esse poder de dar espaço pra todo mundo. Não sei. Se eu escrevo movida por alguma cena da minha vida, talvez essa cena seja protagonizada por outros elementos que não estavam presentes anteriormente, no dito mundo real. Parece sempre um processo de um limiar. De se pôr sobre essa linha, de estar sempre à beira.  

Nathália – uma das coisas que mais me encanta nesse ofício de lidar com a palavra e olhá-la de frente, nos olhos, é justamente a possibilidade de que a mesma coisa se diga de várias formas diferentes. até a possibilidade do silêncio e do não-dizer é um jeito de escrever também aos ruídos e aos sussurros. tem dias que tudo é berro e grito. como aparecem as marcas de sonoridade e da oralidade na tua escrita, da voz e da entonação? tu costuma ler teus textos em voz alta? 

Jaiane- Eu sempre leio os textos que escrevo em voz alta. Leio e releio (incontáveis vezes) para poder prosseguir com sua tessitura. Vivo esse processo tanto com os textos poéticos quanto com os demais textos que escrevo (até os que são frutos de minhas pesquisas acadêmicas, que se pautam na própria literatura). Sou movida por esse ritmo, por essa cadência, que vou criando (e também) descobrindo no ato da escrita. É um processo de ouvir já natural ao meu processo de escrever. E isso não ocorre somente em função de querer trabalhar a sonoridade no texto (claro que se move por isso também), mas porque eu sinto alguma necessidade de aproximar-me do texto, fazendo com que esse ritmo se inscreva em mim também. Porque sempre é um ritmo diferente, novo (por mais antigo que seja). E não existe som, sem silêncio (e vice-versa). A gente tem de aprender um pouco daquilo de, às vezes, não deixar as palavras criarem tantos labirintos (tenho aprendido muito disso): de deixar o abraço ser o que é e dizer tudo que pode (sem mais); de permitir-se (de)morar dentro de um olhar sem precisar dar tantas justificativas para si e para o mundo (quanto é, como é, nosso olhar dentro do olhar do outro? – fiz essa pergunta um dia e ainda sigo com ela); tocar a mão de outrem com afeto; mergulhar a mão na água corrente e deixá-la ali por um tempo (por quê? pra quê?)… É um silêncio que não cala. Pelo contrário. É um silêncio que fala, urge; que pode falar mais do que um longo discurso eloquente. E recriar o silêncio na matéria da palavra é quase um paradoxo. Porque palavra precisa ser entoada, para ser ouvida. Mas o silêncio se refaz nela, dentro daquele universo ficcional: seja nas vigas de um(a) poema ou nos corredores porque passam as personagens. O silêncio se (re)faz no ventre da própria vida. E tem dia que, se eu não gritar, eu engasgo. Tem dia que o grito é a força motriz. Escrever não é só uma coisa. Há que se permitir gritar.

Nathália – Não pude deixar de notar (e de me identificar) quando tu fala dos dias em que há preguiça de escrever. tem dias que também me sinto assim. parece que às vezes exige tanto da gente, do nó na garganta, do peso do corpo. nem sempre escrever é leve ou catártico e eu acho que a preguiça é até necessária. não consigo escrever muito por muito tempo. sinto como se fosse um esforço quase físico mesmo, há um trabalho constante nessa coisa de escolher uma palavra. tem vezes que me deixa terrivelmente exausta e quase consigo prometer a mim nunca mais escrever de novo, mas eu sempre volto. tem vezes que me sinto até repetitiva de só escrever sobre as mesmas coisas. como é pra tu Jai, tu sente que há algum tema que se repete nos teus textos? e como é pra tu quando retorna à escrita?

Jaiane – Escrever é (quase) sempre um risco; se pôr à beira de um precipício. É preciso coragem. Muita coragem. Essa força vai se tornando mais natural a nós depois de um tempo, que talvez não mais percebamos que ela está ali, pondo-nos em movimento. Durante esses dois anos de pandemia, em que o mundo virou de ponta cabeça (tanta coisa ainda engasgada, em processo de maturação: as dores, as perdas), mantive uma relação complicada com a escrita (e também com a leitura). Uma falta de vontade de escrever, embora algo em mim sempre me impulsionasse a voltar. Mas meu corpo simplesmente não reagia, não se movia a isso. Enquanto o interior clamava por isso, pelo retorno, o corpo travava, cansava. Meu corpo estava envolto por uma espécie de ressaca. Muita coisa engasgada. Muita. E permaneci entregue a essa inércia por um longo tempo. Cheguei a achar que não fôssemos mais nos sintonizar, que eu fosse me perder totalmente da escrita. Essa não era qualquer preguiça. Era outra coisa. Era como se uma cratera tivesse sido aberta e eu estivesse perdida lá dentro. Como encontrar caminhos quando o corpo não se move? A sensação é que iria cada vez mais afundar. Escrever é também escrever com o corpo. Aprendi a respeitar o tempo, a deixar fluir. Fui voltando aos poucos, recuperando vontades. Talvez a gente precise se perder um pouco, às vezes, para depois se achar. Algumas pessoas, talvez, pensem que escrever é um ato ininterrupto, incessante, sem freios. No seguinte modelo: quem escreve, escreve sem parar. E talvez a relação com a escrita seja assim para algumas pessoas (e que bom). Mas, às vezes, eu e a escrita precisamos de tempo (como o tempo de que carecem todas as relações). Outras vezes, a preguiça que sinto é daquelas corriqueiras. O corpo precisa disso. Os versos abaixo, parte de um poema que escrevi há um tempo, talvez dialoguem com o que tenho descrito:

quem acena de tão longe 

nesta manhã de domingo junino chuvosa?

é a mesma que

de mão em mão

escala minhas montanhas 

tão pedregosas

às vezes me perco

num dos corredores 

escuros e laqueados

mas depois 

(no depois do sofrimento)

reencontro a chama 

que salta fogo ao espírito

retorno

escavo

escalo

À guisa desses movimentos

a caixa de papelão 

que me serve 

de palco grandioso

es

ta

ba

cou-

se

meus pés

seguiram

o giro

sem precisar

preocupar em

martelar um 

novo palco

Ufaaa. 

Se a gente não se põe em jogo, no mundo (“vivendo e aprendendo a jogar”, como cantou a Elis Regina), a gente cala muita coisa dentro da gente. E o corpo cobra, gera consequências físicas disso. Escrever é um ato físico. Acho que eu danço em torno de alguns temas que reaparecem naturalmente nos meus textos. Vou dançando, e dançando e, de repente, deparo-me repetindo passos de antes. Mas também retornam de outro modo, né? Talvez, alguma coisa mude, mesmo que sutilmente, naquele passo, naquele movimento. E talvez ainda aquele movimento seja necessário de ser repetido para chegarmos a algo (não me pergunte que algo, porque não sei). Pausa: minha mãe me trouxe um afago em forma de suco (rs). Talvez, entendamos depois. São muitos “talvezes” (rs). Retornar à escrita é:

meus 

cabelos 

caminham

à força

do vento. 

liberdade

não é mais

palavra 

vazia

mas

     sensação

corpo.

 

[…]

 

Nathália -Jai, adorei esse poema que tu me mandou das receitas do escrever e do fogo. é lindo! essa coragem de dançar na beira de um incêndio é coisa bonita demais mesmo. Também não pude deixar de reparar na visualidade do teu poema, e como tu brinca com os silêncios e os buracos. me conta um pouquinho desse processo e de como tu vai compondo a forma do teu texto? quais as escolhas que tu faz do momento de quebrar um verso naquela palavra e naquele local específico?

Jaiane- O poema é um corpo aberto a todos os nossos sentidos. À medida que me relaciono com o mundo através desses caminhos, que vou tomando consciência da existência deles e sensibilizando-me a isso, teço relações parecidas quando imersa na escrita de um poema (ou de outro texto). Se sinto necessidade de ler em voz alta para compor o ritmo do poema e para que ele, também, se entranhe em mim, preciso me deixar levar por esse ritmo, por esses espaços, esses movimentos das palavras, seus percursos, as faces e fases (quase infinitas) do tema em elaboração, para recriar visualmente (de vários modos possíveis) essas travessias. A partir desse olhar com cuidado, com sutileza, vou quebrando os versos ou mantendo-os dentro de alguma inteireza. É um exercício intuitivo de olhar mesmo (assim como tudo na vida). Tudo isso guiada pelo ritmo que se constrói ali no ato mesmo. É algo de estudo, de pesquisa, de leitura, mas especialmente intuitivo, natural, que se faz naquele instante. É a coragem, Nathi, de dançar na beira de um incêndio (gostei desse teu dizer assim). Não tem uma fórmula (ao menos, eu não a encontrei rsrs).

Nathália – Esse teu cuidado com a escrita é muito bonito de se ler, Jai. tanto no jeito como tu constrói as camadas de sonoridade nos teus textos, lendo pra si mesma em voz alta, como no modo como tu cria as composições na quebra dos versos, me parecem formas muito tuas de se relacionar com a escrita como se fosse um outro corpo vivo. me pergunto o que acontece quando se decide encarar esse outro corpo ainda desconhecido da escrita na nossa frente: tu se lembra de quando começou a reparar que esse ato, de escrever, seria também teu? tu tem alguma lembrança do momento exato em que precisava da escrita? 

Jaiane- Um outro corpo vivo e em movimento. Dançando à beira do incêndio. Senti que precisava da escrita no momento exato em que não sabia como tecê-la. Ou como desfazê-la. A vontade de escrever sempre me foi algo muito natural. Ela simplesmente surgia nos momentos em que procurava modos de dizer as coisas e, muitas das vezes, não encontrava. Ou encontrava, mesmo que não fosse o modo que gostaria naquele momento. Escrever, a princípio, sempre foi “fácil”, imaginativo e criativo para mim. Se, no 9º ano do Ensino Fundamental II, o professor Cícero solicitava que escrevêssemos um texto dissertativo-argumentativo toda quarta-feira, não me faltava meios de dizer as coisas, fosse o tema que fosse, tivesse textos norteadores ou não. Os gêneros diversos, solicitados pela escola, faziam-se espaço para minha imaginação se soltar, deslanchar. Uma criatividade que despontava em mim no momento da escrita, quando era chamada/convocada a, como se já morasse aqui dentro (e mora, mas eu não sabia muito disso na época). Era um território em que me sentia segura. Por mais que houvesse mil e uma questões em que me sentia insegura e inexperiente, na escrita estranhamente eu me sentia segura, em casa, ao mesmo tempo que me percebia à beira… Sempre me vi em busca. Mas sentia (e talvez sinta) também que, mesmo por todas essas vias, ainda não sei se sei tecê-la. Se sei dançá-la com a coreografia que gostaria de encenar (não é sempre outra coreografia?). Enquanto isso, decidi que seguirei pela vida, (re)inventando-me na e a partir da palavra, ensaiando percursos. Talvez mais para mim do que para outras pessoas. Talvez sem motivos e sem dispor de respostas. Sou só eu dançando; dançando com a escrita – esse outro corpo (meu?). Para uma menina tímida, que tinha medo de decepcionar o mundo e a todos(as), a palavra era um meio (inconsciente) de mantê-la viva e de se saber potente e independente. Sabe a alegria que é encontrar esse corpo desconhecido e milenar e ao mesmo tempo sentir que sempre o conheceu, que sempre habitou aquele corpo, como se mil e uma palavras sempre tivessem te habitado? Quando se decide encarar esse outro corpo ainda desconhecido na tua frente, acontece revolução. Eu decidi confiar na minha escrita. E é por isso que a mulher que sou e me (re)faço é corpo que segue a linha traçada pela própria escrita, é talvez a própria escrita. É de tanto dançar e de pôr-me à beira desse incêndio, que a coragem veio e não foi mais embora. Tudo que me desafia, me movimenta. Talvez pareça meio épico dizer (e talvez seja mesmo épico), mas sinto a escrita como algo que sempre esteve comigo, parte da minha existência, do que sou. Algo que nunca me deixou, que sempre permaneceu.

Nathália – Tenho pra mim que a paixão pela literatura é dessas que nos carrega pelos braços, que toca o corpo inteiro. sinto como se não fosse possível fugir dessa vontade (de escrever). quero muito te ler contando um pouco de como começou tua relação com a escrita. me conta? 

Jaiane – Gostei muito da imagem que pintastes: a literatura como um corpo vivo, que nos carrega pelos braços, que toca nosso corpo inteiro. Quais seriam os contornos da face da literatura se ela assumisse a forma de um único corpo humano? Eu consigo visualizar alguns traços. Mas a literatura já assume a forma de tantos corpos, né (que seria triste enquadrá-la somente em um, mas é bom imaginar)? Ela é o meu, o seu, o do nosso vizinho mais chato e ranzinza, o da “Aprendizagem ou o livro dos prazeres”, da Clarice, o do cajueirão aqui do quintal de casa, o da criança que agora brinca no recreio da escola, o rosto de uma baleia, daquela pessoa que morre injustamente no meio da rua e, também, daquele que mata; é a face da pessoa amada… Foi assim que começou minha relação com a escrita, quando eu comecei a olhá-la a fundo e a querer ver mais. Quando vi, já estava envolvida nessa rede. Não lembro qual foi o primeiro texto que escrevi nem a primeira palavra que desenhei sobre o papel. Infelizmente, não recordo qual foi a primeira letra que aprendi a delinear lá no pré-escolar. E como, dali, ela foi moldando-se, formando-se. Porque ali foi um dos começos (afinal, ao longo da vida são [e serão] tantos…). Lembro de ter escrito uma carta maldosa, por volta dos meus 12 anos, para atingir uma pessoa com quem uma vez briguei. Lembro um pouco da sensação de querer fazê-la se sentir do modo que eu me sentia naquele momento: ferida. Pondo uma lupa sobre esse fato agora, é um pouco o que faz a literatura: fazer a outra/o outro sentir algo/alguma coisa. Era um ensaio, talvez. Lembro de inventar narrativas na escola e de achar elas muito bonitas e boas, porque gostava do processo de imaginar, de tentar criar realidades diferentes baseadas no que eu vivia (porque eu não sei se, mesmo imaginando, conseguia sair totalmente do que me rodeava). Recordo que houve uma fase, na adolescência também (como assim já saí da adolescência?!), em que adorava ler os diálogos entre as personagens. Li muitas peças de teatro nesse período. E comecei a escrever minhas próprias peças com dramas adolescentes e diálogos quase intermináveis. Ao longo da vida, os poemas (ou “as poemas”, como nomeia Nina Rizzi) vieram ao meu encontro. Eu nem sei te dizer com precisão o modo em que fui me enredando neles(as) e inteirando-me deles(as). Mas, quando comecei a estudar Letras (Língua Portuguesa e suas respectivas literaturas), pelos encontros e conexões que vivi nos espaços da UFAL, aproximei-me ainda mais dos versos, das histórias que contavam, da musicalidade, da visualidade, da narratividade e de como é possível recriar isso, numa infinidade de modos (afinal, nossa literatura é fruto de uma longa trajetória), através da palavra. A minha relação com a escrita começou onde eu (re)começo, naquele momento em que as cortinas se abriram, em que a flor desabrochou, em que um olhar tocou o motivo da minha saudade, em que eu toquei o caule e as folhas do cajueiro… A sensação é de que a escrita já estava em mim há muito tempo, até mesmo antes de aprender a escrever; decantando; até o momento de pôr-se à luz. Talvez, isso seja ficcionalizar um pouco os processos, além de sentir (porque sempre senti muito), mas isso não é também o que faz uma poeta/uma escritora? A literatura/a escrita nunca saiu de mim, nem mesmo quando eu seguia em direção contrária:

PEQUENINA-gigante,

tentando conter-me

enquanto no palco

o narrador 

a não perceber

anunciava

… 

a mim

Nathália – tu falou da literatura como um par de olhos e eu viajei muito nisso. talvez sejam mesmo, e penso que os olhos estejam mais fechados do que abertos. acho que a gente escreve pela insistência de que se abram os olhos, de piscar a vida um pouquinho. eu gosto de pensar nessas formas possíveis e impossíveis de fazer alguma coisa com a palavra e acho que até hoje tudo o que escrevi foi só pra tentar: sentir o corpo, abrir os olhos, ver uma lágrima, pousar um calafrio. quando tu me disse ali que talvez a escrita seja também um jeito de fazer algo despertar no outro, eu também fortaleço essa tua voz porque acredito que a escrita é sempre endereçada, ainda que não se saiba pra quem ou pra onde. eu já tive costume de escrever cartas e por vezes as entregava em aniversários, em datas comemorativas. sou praticamente uma acumuladora de destinos pra coisas não-ditas. de vez em quando eu mando num endereço. me conta um pouquinho dos teus endereçamentos, de alguma vez ou alguma história em que tu escreveu pra algo/alguém em específico? tu acha diferente escrever algo como um segredo teu e escrever algo sabendo que será lido por outra pessoa?  

Jaiane- Além de estar a todo tempo me inscrevendo no mundo, não sei se sei viver sem escrever e endereçar palavras (ou seja lá qual for a linguagem) às pessoas que vivem ao meu redor, com quem estabeleço (ou não) conexões. Claro que, num sentido mais amplo, isso está implícito: estamos, o tempo todo, em movimento e, mesmo que indiretamente, endereçando-se a algo ou a alguém. Não que eu fique me atendo, nesse caso, ao que a pessoa vai achar das minhas atitudes e ações, é mais como se fosse um processo natural das coisas acontecerem e até inconsciente (na maior parte das vezes). Estar no mundo implica endereçamentos calculados ou não-calculados. Até porque calcular não significa alcançar o resultado desejado, isso foge de qualquer tentativa de controle. Isso acontece um pouco com o processo de escrita. Ao escrever, eu tenho a minha impressão, sensação, leitura do próprio texto que escrevi. Volto ao texto, releio e releio de novo, faço modificações. E, mesmo se quisesse me agarrar à ínfima ilusão de que tenho algum controle sobre esse ato, quando o texto chega ao encontro da leitora/do leitor, entra num processo de expansão, desdobra-se. Eu traço alguns percursos, vou até certo ponto, mas os caminhos que o texto cria na pessoa que lê vão além de quaisquer projeções. Ontem, à tarde, ouvi a canção “Oh My Love”, de John Lennon.  E, agora, a associo a esse par de olhos fechados (ou abertos) pertencentes a esse bicho chamado Literatura. Par de olhos que nos mira de frente, que não tem medo de encarar, que olha fundo em nossos olhos como se, num gesto só, lesse e entendesse tudo que ansiamos por esconder e, ao mesmo tempo, dar a perceber, em busca daquela sensação de se sentir abraçado (porque dentro de um abraço entendemos tudo; tudo fica às claras). A literatura é um endereçamento? A canção entoa “My eyes are wide open” (“Meus olhos estão completamente abertos”) e, num outro momento: “I see the wind, oh, i see the tress/Everything is clear in my heart” (“Eu vejo o vento, oh, eu vejo as árvores/Tudo está claro em meu coração”). Talvez um pouco como o olhar “nítido como um girassol”, do Alberto Caeiro. Talvez pensar a literatura como esse par de olhos torne as coisas mais palpáveis, escancarem-nas à nossa frente. Há os devaneios, as coisas que se derivam das leituras, mas há o palpável, o que se põe diante dos nossos olhos, mas que nem sempre visualizamos (com atenção). Eu já escrevi pra pessoas, momentos, lugares, sensações, que depois percebo não pertencerem só a mim (e pertencem?). No fenômeno da reelaboração, aproximam-se do ritmo que rege a vida de outras pessoas (conhecidas ou não conhecidas). Posso endereçar a algo ou a alguém, mas depois talvez vá se direcionando a novos destinatários. Eu tenho tentado manter um caderninho onde anoto mais soltamente pensamentos, devaneios, besteiras, citações, alegrias, tristezas, enfim, tudo o que eu quiser, sem a pretensão de destinar a uma leitora/ou leitor. Nele direciono coisas a mim. Meus eus do futuro (talvez, quem sabe) me lerão. E, claro, a experiência de escrita é outra, é diferente. E é até difícil explicar como se dá, porque é algo de outro fluxo, de outra frequência (embora não se separe totalmente). Quando escrevo pensando na possibilidade de que outras pessoas lerão, entro num fluxo que talvez seja de uma conversa com a leitora/leitor (um pouco como se dá entre a gente aqui e agora, embora nem sempre as/os tenha em mente), uma conversa que presume a presença de outra persona além de mim. Em textos que direciono especificamente a uma pessoa, lugar, sensação, parte, a princípio, acho, desse movimento de conversa, em alguma esfera, com essas interlocuções. E, daí, como a gente não consegue controlar, estende-se – um pouco como o movimento de estender um tapete? Ou como esse par de olhos – meio flutuante – que nos mira de perto ou a certa distância.

Nathália – outra paixão que eu acho que também tem a força de carregar a gente pelos braços é a da leitura. às vezes até sem perceber a gente carrega esses pedaços de encantamento por uma outra escrita também nas nossas. quais têm sido os livros ou escritores/as que tem te acompanhado nos últimos tempos?

Jaiane – Leitura e escrita sempre caminham (para mim) juntas, entrelaçadas. “Menina bonita do laço de fita, qual é teu segredo pra ser tão pretinha?” foi uma frase que sempre me acompanhou ao longo da vida. Guardei essa frase, na memória, de uma primeira leitura que fiz no 1º ano do Ensino Fundamental. Lembrava dessa frase que fazia parte de alguma história, que li com meus colegas e minhas colegas e a tia Mônica (quando estava aprendendo a ler), no livro didático. Só mais tarde, já na adolescência, descobri que fazia parte da narrativa “Menina bonita do laço de fita”, da Ana Maria Machado. Foi a primeira vez na vida que a literatura se fixou em mim. Sem muitas elaborações, meandros, ela naturalmente só foi ficando. Essa é uma das magias da literatura: ficar, só ficar, fazendo tão parte da gente, que a gente nem se dá conta, de imediato, da atitude que ela tomou. Só se dá conta com o tempo. Essa história foi um dos meus primeiros deslumbramentos. Admirava a sagacidade daquela menina em inventar as respostas mais mirabolantes e inusitadas para a pergunta do coelho, que, por admirar a cor da pele da menina, queria saber a fórmula para ter a cor da pele igual a dela. Eu, secretamente, sentia vontade de, um dia, ser tão esperta igual aquela menina do laço de fita, de saber inventar tantas histórias bacanas e cheias de reviravoltas para as pessoas. Falo dela aqui, porque ela é precursora de todos os encontros literários vindouros. Nos últimos tempos, acompanham-me/caminham comigo ao longo dos dias: Clarice Lispector (desde sempre) – as crônicas de “Aprendendo a viver”, os contos que ela escreveu, “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres”; os poemas de Wislawa Szymborska (encontro-me nos poemas dela ao mesmo tempo que me reencontro com o cotidiano); “Aquela água toda”, de João Anzanello Carrascoza (livro especial para mim, que trouxe poesia aos meus dias); “Caderno-goiabada”, de Nina Rizzi (tantos rituais, passagens e reencontros vividos nessa leitura); a tetralogia de “A amiga genial”, da Elena Ferrante (como é viver a complexidade das relações?); “Cadenza”, uma canção composta por Marcelo Marques (escuto com frequência, para me lembrar do que só ela diz do jeito que diz: “só danço se meu pé não pensa”); os poemas e as pesquisas sobre o amor, de Lari Nolasco (especiais demais…); “Sinto-me livre para fracassar” – isso que Hilda Hilst um dia disse tornou-se quase que um mantra para mim (encontrei-me com ela dia desses, convidei para ficar); os contos que minhas e meus estudantes do 6º ano do Fundamental II criaram (sabia que vão publicar “livretinhos” de contos?); as canções de Caetano Veloso que tanto entoam os meus dias (um dos poetas mais amados de minha vida); a escrita de minha mãe (que movimenta também meus interesses atuais de pesquisas acadêmicas e de vida); a escrita de bell hooks (amor, potência, movimento, vida)… São tantas e tantos que leio, que me fazem sentir compreendida. E que, também, me trazem desconforto, impelem-me a buscar…

Nathália – também acredito mais nisso da literatura que fica e faz marca na gente. é muito bonita a forma como a gente se dá conta dessa hora do encantamento, em agarrar uma paixão finalmente como sendo nossa. pelo que tu me contou, tu tem lido bastante poesia, e eu também. ultimamente pouco tenho lido e talvez penso que tenha relação com o fato de que nada escrevo em prosa, basicamente. Como é pra tu, Jai, tuas experimentações na escrita são mais próximas da poesia do que da prosa, ou tu escreve em prosa e poesia? 

Jaiane – As minhas experimentações – presentes, no agora – têm transitado dentro do espaço-tempo da poesia. Narrativas me movimentam muito, no âmbito da inventividade, da jornada, da leitura também. Pessoas próximas a mim já me disseram que sou uma criatura muito narrativa (e que sou poesia). Fico pensando no que essas palavras significam. Minha pesquisa na graduação circundou em torno de contos, por exemplo. Neste lugar de dentro (dentro dessa floresta sinestésica, de várias árvores, gumes e cores), de quem está em floração com a literatura, a poesia tem me puxado e movimentado por diferentes caminhos, me incitado a contar histórias em sua matéria. É como, talvez, encontrar passagem numa janela (um portal antiquíssimo) em que a linguagem do mundo atravessa, chega até mim, e, olhando de longe, acena. E eu aceno de volta. A poesia como a possibilidade de (re)criar imagens que me deslocam. No entanto, a prosa me apetece e está comigo quando me penso no mundo como uma pessoa também ensaística. De todo modo, seja qual seja o cenário, a poesia se entrelaça à prosa, atribuindo-lhe outras propriedades. Estou aqui para experimentar. Acho que estou descobrindo os caminhos e o que desejo de fato. Fiquei curiosa para saber: qual o primeiro encantamento/paixão literária de que você se recorda? (sou curiosa e fico com vontade de saber sobre tu também). 

Nathália – Não pude deixar de reparar em como achei bonita em uma das respostas que tu escreveu aqui quando me falou da necessidade urgente da palavra em ser entoada, e esse é um dos modos de recriar o silêncio. me peguei pensando que há também diferentes modos de lidar com os próprios intervalos e silêncios da escrita: os momentos em que nada se escreve, em que nada se diz. como é pra tu lidar com as passagens e as pausas entre a escrita e a não-escrita? 

Jaiane – Honestamente, eu tenho dificuldades em lidar com o silêncio. A nossa relação (minha e do silêncio) não é das melhores e talvez não seja um exemplo a ser seguido (rsrs). Desentendemo-nos com frequência. O silêncio não se mede por tempo e espalha-se pelo ar, implica o não saber, a falta de respostas e a dúvida (quase) eterna acerca de quando os mistérios vão, finalmente, se desnovelar, se vai haver um desfecho para determinada questão a qual seu coração espera muito que se esclareça, que seja resolvida. O silêncio se faz desse modo, porque ele não nasce do mundo das coisas ditas, entoadas, ele é a linguagem das coisas não-ditas, do que está por trás e não na superfície das coisas. São as coisas que, talvez, nunca cheguem à superfície e isso (me) amedronta, principalmente, quando queremos que elas saiam do campo das incertezas e sejam ditas diretamente, sem tantos melindres. As pausas entre a escrita e a não-escrita implicam o não saber quando vou voltar, quando talvez eu queira apressar as coisas e nem sequer ir embora, nem sequer parar (parar pra quê?). Não temos uma relação ideal (eu e o silêncio), porque eu não tenho facilidade em simplesmente esperar, deixar o silêncio ser o que é, porque ele vai continuar existindo independentemente do meu querer. Acho que passei muito tempo calada e agora sinto receio de que o silêncio prolongue sua estadia mais do que o necessário. Para o bem e para o mal, a vida já me mostrou, várias vezes e de diversas formas, que eu não tenho muito controle sobre nada, que o silêncio faz parte, que o silêncio sempre diz. O silêncio não cala. O silêncio é  dor, mas o silêncio também é amor.

Nathy, foi muito bom e especial me ver pelas tuas palavras, na textura delas, enquanto descobria, a partir dos meus processos, no que escrevia em resposta às tuas perguntas, um pouco mais sobre mim. Nesses entremeios, pude, também, aproximar-me um pouco do que vi de você, do seu olhar e da sua sensibilidade no mundo em cada palavra aqui escrita. Você é singular e, certamente, poesia. Esta foi uma semana que se estendeu por alguns meses, que depois se transformaram em anos. Nesse meio tempo, aconteceram tantas coisas e, com certeza, teria respondido coisas diferentes se determinadas perguntas me encontrassem em fases distintas de minha vida. Mas quem pode prever como seria (acho que eu posso)? Fui à Campinas-SP, voltei, agora estou em Craíbas-AL (de novo). De lá até aqui, passei por três empregos, apresentei meu TCC – foi um longo e bom tempo escrevendo-o, passei no mestrado em Estudos Literários pela UFPE… Afora mil e um sentimentos, sensações, emoções, pulsações, frustrações, histórias, movimentos naturais da vida…

Muchas gracias, Nathy, pela partilha desta semana – sem tempo – que se estendeu em meses e anos de nossas vidas.

antes da gente ir, me conta aqui onde podemos encontrar mais do teu trabalho? (se tu tiver locais onde escreve/publica textos, se tiver livros à venda onde é possível adquirir, formas de te encontrar por aí, como instagram, site, etc) 

O primeiro livro que publiquei foi escrito a quatro mãos – um dos frutos da minha conexão e parceria bonita de vida com a poeta Lari Nolasco – e chama-se “Algodão doce”, publicado pela editora “Ipê amarelo”. O “Algodão doce” pode ser adquirido tanto através do link abaixo quanto diretamente comigo ou com a Lari.

Algodão doce – Editora Ipêamarelo (editoraipeamarelo.com.br)

O link a seguir dá acesso ao meu perfil no instagram: Jaiane Beatriz (@jaiane.beatriz) | Instagram. Lá, posto, vez ou outra, algumas das minhas palavras, anotações, sonhos, conjecturas, besteiras, momentos e movimentos de vida…

Alguns(algumas) poemas meus foram publicados nas seguintes revistas virtuais:

“Ruído Manifesto”: Quatro poemas de Jaiane Beatriz – Ruído Manifesto (ruidomanifesto.org)

“Felisberta”: felisberta – revista de poesia (wordpress.com)

Abaixo, também, disponho o link da minha monografia (foi uma alegria gigante escrevê-la): 

O mundo, de repente, de outro jeito: uma leitura do olhar e do ouvir em Paz e Travessia, de João Anzanello Carrascoza (ufal.br)

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