Direita x Esquerda: Ecos da Revolução Francesa no Palco do Brasil Contemporâneo

Por Luís Laércio Gerônimo

A política está intrinsecamente ligada ao ser humano, pois como seres dependentes e imperfeitos, necessitam da organização e da coletividade para se completarem, é daí que surgiu o conceito do animal político “Zoon Politikon” do filósofo grego Aristóteles (384 – 322 a.c), que o utilizou pela primeira vez em seu livro intitulado “Política”.

Para este filósofo, é através do convívio entre seus pares e exercitando a política de forma ética e justa através da virtude, que o indivíduo se realiza plenamente alcançando a felicidade (eudaimonia), tanto no campo individual, quanto no coletivo, na condição de cidadão na cidade-estado (Pólis). O filósofo escreveu sua obra observando os debates políticos efervescentes da sua época — polarização entre democratas e oligarcas, que colocava em lados opostos, grupos com distintos interesses.

O termo polarização tem dominado o meio político brasileiro nos últimos anos, mas você sabe o que isso significa? Segundo o dicionário houaiss da língua portuguesa, a palavra polarização significa o ato de se concentrar ou se dividir em extremos opostos.

Essa aplicação prática na política contemporânea e a disputa pelo poder, tem causado um “racha” na sociedade brasileira, colocando em cada extremo, grupos antagônicos que abandonaram a dialética e se digladiam como se estivessem num coliseu na Roma antiga.

Rótulos como direita, esquerda e centrão, estão em alta no vocabulário atual do brasileiro e até mesmo símbolos nacionais, como a “Bandeira verde-amarela”, passou a ser símbolo identitário de determinado bloco político, onde é ostentada com orgulho, não por ufanismo, mas por analogia a determinado político.

Com a polarização em alta, tem se tornado habitual as pessoas alinharem seus posicionamentos como de direita, de esquerda e centro, mas de onde e quando é que surgiu tais terminologias?

Pois é, em relação às palavras-totem: direita, esquerda e centro, a origem desses termos é surpreendentemente banal: tratava-se simplesmente da forma como os deputados se posicionavam nos assentos da Assembleia Nacional da Revolução Francesa de 1789. Nada mais trivial.

Naquela época, os partidários do rei sentavam-se à direita do presidente da Assembleia, onde defendiam a manutenção dos privilégios da aristocracia e do clero, ou seja, a classe dominante; daí surgiu o termo direita.

Já os favoráveis à derrubada do “Status quo”, ou seja, a ordem vigente, sentavam à esquerda.

Foi nessa configuração espacial que nasceu a lógica que hoje domina o debate político brasileiro — como se tivesse sido inventada aqui.

A polarização política sempre existiu, e é até salutar, num processo democrático, entretanto, o que se percebe no Brasil contemporâneo é que essa divergência tem se desdobrado em um extremo no mínimo curioso: “somos animais, sim — mas políticos, nem tanto”!

Em tempos outrora, o debate nacional era pautado e sustentado na retórica e na oratória, todavia, na paradoxal marcha evolutiva da sociedade, esse debate transformou-se numa arena emocional, em que a disputa vale mais do que o entendimento. A retórica agora cede lugar ao discurso de ódio, de revanche, de segregação. Cada lado dos extremos, alimenta-se da convicção de que o outro não é interlocutor, mas inimigo.

E a dialética — que antes era sustentada na argumentação e no raciocínio lógico, pouco a pouco está sendo suplantada por um forte discurso político, imbuído de linguagem inflamada e carregado de emoção. Este discurso apelativo, ganhou um componente de peso: as mídias digitais.

Entretanto, vale ressaltar, como diz o dramaturgo grego, Sófocles: “Nada grandioso entra nas vidas dos mortais sem uma maldição”, infelizmente, junto com as mídias digitais, vieram também as “fake news”, que de maneira deliberada e intencional, tem o poder de acirrar demasiadamente os ânimos e mitigar ainda mais o já fragilizado espaço do diálogo.

Vamos compreender melhor esses termos e como se deu sua aplicação prática, no contexto europeu, especificamente na França do final século XVIII (século das luzes).

A concepção do termo direita, referia-se a aristocracia e ao clero; nesse grupo encontravam-se os defensores da ordem tradicional (valores éticos, morais e religiosos). Muitos acreditavam (ou faziam questão de dizer que acreditavam) no direito divino dos reis, a base teológica e política da monarquia absolutista.

Inspirados pelos ideais de Jacques Bossuet (1627–1704), bispo e teólogo francês, sustentavam que o poder vinha de Deus, não do povo. Era Deus quem escolhia o governante; contestá-lo era quase contestar o próprio Deus.

Até hoje vemos ecos dessa mentalidade no conservadorismo brasileiro, atribuindo-se a determinado político uma missão messiânica, escolhida por Deus.

Essa escalada transcendental da direita, demonstra uma dependência do aspecto divino, onde religião e política continuam a caminhar de mãos dadas como se fossem inseparáveis.

Já o que se entende por esquerda naquele contexto, era um bloco formado pela baixa e média burguesia, e tinham como bandeira de luta, romper com essa lógica mística e afirmar que o poder legítimo vem de baixo — do povo, e não do céu.

No meio desse confronto, existia a Planície — ou Pântano — grupo de moderados que se movia conforme o vento político, ora inclinando-se à direita, ora à esquerda. Em outras palavras, simbolizava o bloco pragmático que equilibrava a Assembleia.

Não é mera coincidência, que esse comportamento do grupo de moderados francês do século XVIII, encontre paralelo direto no atual centrão brasileiro: que atualmente é uma força flexível, essencialmente pragmática, que mantém o sistema funcionando e, simultaneamente, o controla por dentro.

E no Brasil, como se dá essa conjectura?

O Brasil herdou esse mapa europeu, mas, infelizmente, não herdou o debate histórico que o originou. Aqui, direita e esquerda tornaram-se identidades emocionais antes mesmo de serem projetos políticos.

A direita brasileira, é favorável à redução da intervenção do Estado na economia, ao livre mercado, a propriedade privada, a manutenção de políticas conservadoras e a manutenção do “status quo”, além disso, é representada como a guardiã dos valores conservadores — cristãos, morais e éticos. Porém, na tentativa de agregar e agradar diferentes tradições religiosas, aplica esses valores de forma rígida, punitiva e moralmente segregadora, totalmente desprovida de empatia.

E justamente por essa ausência de sensibilidade, somada à vontade cega de executar esses princípios, acaba por segregar e desqualificar diversos grupos sociais, atropelando a dignidade de pessoas reais e contrariando a própria máxima cristã de “amor ao próximo”. Desdobrando-se dessa forma num tribunal informal onde possui plenos poderes para julgar e sentenciar quem vive ou pensa de modo diferente, ferindo e ignorando a pluralidade tão presente no território brasileiro.

A esquerda, por outro lado, tem como bandeira de luta: a intervenção estatal na economia, políticas públicas voltadas à minoria, garantia de serviços públicos e políticas progressistas.

Apesar desse clamor por emancipação e transformação, frequentemente a esquerda se vê envolvida em dissensões internas — que fragmenta e expõe as fissuras do bloco, gerando insatisfação recíproca que se converte em vigilância mútua.

É nisso que dá, quando o purismo se impõe ao pragmatismo; tem-se como consequência, a mitigação da própria ideia de unidade transformadora.

Atualmente a esquerda brasileira sustenta-se fortemente em apenas um nome, quase um “ponto de convergência”. É como se fosse um exército de um homem só. Isso demonstra o peso de uma liderança, mas também a fragilidade estrutural de um movimento que se construiu ao longo do tempo, no entanto ainda é carente de sucessores, e mais ainda, de pôr em prática uma política voltada à pluralidade interna e continuidade orgânica. Essas fissuras e lacunas, acendem a esperança da direita.

Quanto ao Centrão, muitas vezes rotulado de neutro e omisso, talvez represente, paradoxalmente, o território mais racional — o espaço da mediação. Mas, essa racionalidade está longe do “meio-termo virtuoso” de Aristóteles e mais próxima do realismo de Maquiavel.

O equilíbrio aristotélico tem como meio-termo: a virtude, a ética e a razão, que juntas conduz à teleologia do bem comum; o Centrão, ao contrário, é atraído pelo relativismo, move-se mais por interesses e conveniência, do que por princípios.

Em outras palavras, é o “fiel da balança”, não por ser prudente e virtuoso, mas porque sabe pesar o poder, e inclina-se sempre para o lado que melhor o sustenta. Funciona metaforicamente como uma biruta, que muda de direção conforme o vento, no caso do centrão — o vento político.

No entanto, o verdadeiro problema brasileiro não é existir direita, esquerda ou centro. O problema é termos esquecido por completo a essência e a teleologia da política aristotélica: que é o debate racional e lógico, em busca de uma convivência virtuosa, justa e feliz para os cidadãos. Hoje, infelizmente, discordar é ofender; dialogar é fraqueza; ponderar é traição.

A polarização no Brasil, transcende da área política e ganha contornos místicos, endeusando algumas figuras paternalistas, criando uma espécie de religião civil, com invocação de marchas, caminhadas e cultos públicos, semelhante às antigas cruzadas.

Nessa histeria coletiva não há espaço para defender ideias: defendemos territórios emocionais. E, enquanto isso, a política — que deveria ser construção coletiva — transforma-se em espetáculo de fúria moral.

Aristóteles lembrava que a cidade só existe quando o diálogo é possível. O Brasil, ao que parece, anda a testar os limites dessa possibilidade. Se queremos um futuro menos incendiado, talvez seja hora de revisitar a história: compreender por que a direita invocou Deus, e por que a esquerda se levantou contra o sagrado e por que o centro sempre oscilou entre as tensões.

Mas para isso, se faz necessário que os cidadãos abandonem a letargia intelectual, que os impede de pensar por si mesmos e a vagar por ideologias externas.

Por fim, não se trata de escolher lado. Trata-se de reaprender a conversar, de fugir da condição de menoridade e ousar a saber. O que o Brasil precisa não é unanimidade — é maturidade política.

Sobre o autor

Luís Laércio Gerônimo, é natural de Pão de Açúcar-AL, graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Sergipe, possui diversas pós-graduação na área das ciências humanas, como Filosofia, história do Brasil, Teologia e Gestão Pública. É mestrando em Educação pela Universidade Autónoma Assunção no Paraguai.

É escritor, com 02 livros publicados: “Meus devaneios” (2023) e Jaciobá Origens (2024), onde narra a genesis do município de Pão de Açúcar-AL.

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