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Do som, a nostalgia: O vinil resiste e continua nos ouvidos e no coração dos admiradores

A Revista Alagoana conversou com colecionadores e vendedores alagoanos – e tem até quem ainda produz vinil!

Por Anna Sales         

Isadora da Hora tem apenas 20 anos. Ela não acompanhou o boom do Vinil. Não viu seus artistas favoritos lançarem seus sucessos. Mas isso não impediu que ela se apaixonasse por ele. Desde pequena, ela ouvia seus pais falarem como funcionava uma vitrola e ficava encantada. Seu sonho era ter uma vitrola, mas anos se passaram sem que ela conseguisse realizá-lo. Em 2021, conversou com uma pessoa que possui um grande acervo e se viu novamente com a vontade de colecionar. Pesquisou e conseguiu: a mãe lhe presenteou com uma vitrola – dando assim, início a sua coleção, com o vinil ‘A Luz do solo’, de Geraldo Azevedo. 

“Toda estrutura do vinil me chama atenção, a forma como ele é dividido por linhas e cada linha ser responsável por tocar uma música é sensacional, sem falar no curioso “pout porri”, que apesar de saber como funciona, até hoje não entendo como é possível. Sua durabilidade também é algo incrível, sempre fico abismada como vinis da década de 50, 60, 70, permanecem intactos. O vinil em si é encantador, é como segurar nas mãos a música, e tê-la pra sempre com você, além dos encartes feitos com maior cuidado que é quase uma arte, com recados de artistas. Ter vinil é carregar a arte na mão”, conta.

E com a coleção se iniciando, começou o processo de garimpar os vinis. Isadora conta que isso não se reduz a chegar e comprar um vinil, sempre tem um momento de conversar, falar sobre como é ter vinis e colecionar, compartilhar artistas que ambos gostam.  E é assim que Jailson Alvim, dono do sebo “Solar Discos”, localizado no Centro de Maceió, costuma se relacionar com seus clientes.

“Sempre é bom conhecer pessoas que gostam de ouvir boa  música e gostam de ler bons livros. Compartilhar essas vivências é muito massa. Opinar e aprender com elas é gratificante. Ser dono de sebo é resistência. Estamos ali, na luta diária, sob o sol, procurando estratégias, meios pra nossa sobrevivência, para avançar e revitalizar nosso espaço, tornando-o mais atraente e digno pra trabalhar.”, comenta Jailson.

Jailson é um grande apaixonado por Vinis. Quando criança, seu sonho era trabalhar em uma loja de discos, pois a música sempre foi presente em sua casa. Seu pai tinha uma radiola em que sempre ouvia os discos e Jailson ficava encantado com o som que saía deles e com as capas.

Anos depois, Jailson conseguiu realizar seu sonho de infância. A Solar Discos começou na época em que ele ministrava aulas de inglês nas escolas públicas do estado. Quando seu contrato estava acabando, ele soube que uma das bancas do Centro estava para desocupar. Então, ele decidiu falar com o dono. No começo, Jailson tinha apenas livros e aos poucos foi levando alguns discos que tinha em casa e estava desapegando, além de outros que comprou com o intuito de revender.

“Para mim, o sentimento de ter a Solar Discos é de felicidade. Cresci ouvindo muita música e queria que outras pessoas tivessem essa experiência. Precisava ouvir quais eram as impressões dela sobre os discos e livros que adquiriam , de que maneira sentiriam. Mantê-lo hoje é uma grande batalha, pois tudo está difícil pra muita gente. Meu público é formado por pessoas bem jovens, que se dedicam em ouvir e perguntar sobre música. O vinil é uma cultura que sempre formará ouvintes. Estudar o som, perceber a importância dele para determinado momento e época é manter viva essa aprendizagem, é manter o vinil vivo pras futuras gerações.”, frisa.

Manter os discos. Foi assim que Caíque Guimarães começou a gostar de vinis. Ele, que já gostava de música e tinha interesse em tocar e compor, teve acesso à alguns discos que eram de sua família. Pegou alguns e decidiu iniciar sua coleção. A primeira compra que realizou foi do disco “VS.”, do Pearl Jam.

“Uma coisa que me encantou bastante foi descobrir que minha família tinha um disco dos Mutantes. Quando eu vi aquilo, meu Deus do céu, ela tem um dos melhores discos nacionais, pois era da minha tia, que tem um gosto musical mais puxado pro rock, para música alternativa. Eu lembro de ter encontrado, além dos primeiros do Mutantes, o da Rita Lee com o tutti-frutti, que são maravilhosos também. Através do vinil, eu conheci mais música nacional, além de que precisa mais paciência, para absorver aquilo com calma. Ele não é uma mídia simples. Tem disco que eu só escuto em vinil, que nunca escutei em nenhum canto, porque aquilo me atrai, me chama atenção.”, relata.

Em 2022, ainda tem vinil sendo lançado

Michel Carvalho cresceu na época em que o LP era mídia vigente. Sua casa era um lugar onde se ouvia muita música. Então, era natural que ele se encantasse pelo vinil. Mas ele foi além, e em 2016, lançou a Quilombo Discos, selo independente da cidade de Delmiro Gouveia, no Sertão alagoano.

Antes do selo, ele já tinha outros, onde lançou álbuns nas mais variadas mídias como CD, CD-r, Fita K7 e também de forma virtual em plataformas de streaming. A Quilombo Discos surgiu  com o aumento da procura de LPs no mercado fonográfico, somado a vontade de trabalhar com a única mídia que ele ainda não tinha produzido, por conta do elevado valor de fabricação. Um edital da Lei Aldir Blanc foi essencial para lançar as primeiras produções da Quilombo Discos.

Michel também é músico e faz parte da banda ‘Ataque Cardíaco’, de grindcore, que existe desde 2004. O disco ‘Vandalism Sessions’ foi o primeiro lançamento do selo e é um compilado de gravações feitas clandestinamente pelo Laboratório de Arte Marginal entre os anos 2005 e 2015. E foi um teste para os lançamentos que viriam a seguir.

“Foi um sentimento de felicidade mesmo, super satisfatório e recompensador! Depois de tantos anos no corre do rolê independente, ver meu disco tocando foi incrível. A sensação que tive foi de ter um antigo sonho realizado. Todos os selos que eu tive eram pequenos e foram criados, inicialmente, para lançar os materiais de minhas próprias bandas e de bandas amigas. Com o passar do tempo, fui entendendo melhor como funciona a dinâmica dos selos independentes e naturalmente fui expandindo a abrangência dos mesmos para outros grupos e artistas parceiros.”.

Os outros lançamentos da Quilombo Discos também valorizam os artistas do Alto Sertão alagoano. Perguntado qual a importância de valorizar esses artistas, Michel responde: “Penso que os artistas da capital têm acesso a uma maior exposição e oportunidades por estarem geograficamente onde o dinheiro circula e onde há uma maior concentração cultural e de pessoas. A superexposição desses artistas da capital, as vezes, acaba ofuscando as demais produções que vem sendo realizadas no interior do estado. Lançar e produzir artistas do interior é uma forma de tentar inverter essa lógica e dar um pouco de visibilidade pra o que vem sendo feito nas entranhas do estado e mostrar que existe uma produção cultural intensa a ser descoberta fora de Maceió.”.

O encanto do Vinil

Perguntamos aos nossos entrevistados “O que mais te encanta no Vinil?”, e eles respondem:

Jailson Alvim

“Vinil é meu ganha pão, minha alegria de acordar e botar um bom disco pra tocar, um disco como o Tábua de esmeralda do Jorge Ben por exemplo,  me dá energia e  alegria para seguir no dia trabalhando com ânimo e conversando sobre música, que é sempre bom. Discos de vinil são como tesouros escondidos. Achar e vender esses tesouros, esses encantos, me motiva, surpreende, me faz acreditar no poder que a música têm de libertar as pessoas, de fazê-las refletir para se organizar e procurar mudar as coisas.”

Michel Carvalho

“Poderia elencar vários motivos pelo qual o vinil me encanta, tais como: a qualidade sonora, a criatividade e ousadia dos projetos gráficos, a arte da capa maior e mais detalhada, a durabilidade da mídia, essas coisas. Mas acredito que o encanto maior vem da mística de parar tudo pra ouvir um disco por completo, sobretudo nos dias atuais onde geralmente as pessoas não conseguem prestar atenção em nada que dure mais de 15 segundos. O momento de parar pra ouvir o disco oferece ao ouvinte uma experiência auditiva, visual e tátil. Existe uma espécie de ritual na audição dos discos, o lance de escolher o que vai ouvir, colocar no toca discos, regular o equipamento, apreciar a arte do álbum numa amplitude legal – pois o aspecto visual é muito importante no contexto da obra – ler as letras, ter acesso a ficha técnica, etc. É uma experiência diferente, exige atenção e entrega.”

Caíque Guimarães

“A perpetuação física da música. Temos a música digital, mas a maioria fica na nuvem, não é uma coisa palpável. Pode até ter uma pasta, fazer o download, mas não é palpável. O CD também ficou ultrapassado e estraga com o tempo. O vinil dura muitas décadas, você pode lavar. A capa é grande, tem suas formas, algumas trazem pôster. Você pode expressar arte nas capas e no encarte de um disco, não só através da música.”.

Isadora da Hora

“Manter o vinil vivo é manter a história viva. Os vinis são eternos, passam gerações e permanecem intactos – dependendo de como você cuide. O vinil nos conecta com a música de forma física, nos coloca dentro de um processo lento, gradativo: colocar a música na vitrola, destravar a agulha, colocá-la lentamente em cima do vinil para não arranhar e ouvir a música saindo aos poucos. Na minha opinião, manter o vinil vivo não é só guardar algo antigo, é sobre nos reconectar com a calmaria, tornar a música uma experiência física, sensorial. É sobre cultivar um modo de viver, apreciar e ouvir a música, é sobre chegar na loja de discos e conversar com o colecionador, criar uma relação especial entre você e o disco achado.”

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