O rock produzido em Alagoas carrega identidade, crítica e paixão e neste Dia Mundial do Rock, quatro bandas mostram que o gênero segue vivo, reinventado e plural, com vozes que atravessam o tempo, os palcos e as margens.
Em um ritmo diferente de todos os outros, o rock se reinventa a cada riff, se ramifica em subgêneros e evolui com o tempo, sem nunca perder a essência. Atemporal e inquieto, o estilo conquista fãs de todas as idades, gêneros e classes, atravessando gerações com mensagens que seguem atuais, contestadoras ou emocionais.
De maneira múltipla, viva e pulsante, Alagoas domina um grande palco quando se fala em rock. São bandas que arrastam anos de estrada, artistas que desafiam padrões, novos nomes que chegam com fôlego criativo, todos movidos por uma paixão que vai além do som. O rock feito aqui carrega identidade, experimentação, atitude e uma vontade genuína de comunicar algo ao mundo.
Neste 13 de julho, Dia Mundial do Rock, celebramos a cena local destacando artistas que constroem essa trajetória com coragem, criatividade e muito som, reconhecendo aqueles que fazem da música uma linguagem de existência.
Artehfato: 17 anos de estrada com história, presença e voz
Com quase duas décadas de estrada, a Artehfato se firmou como uma das principais bandas de rock autoral em Alagoas. A banda, que hoje é liderada pelos vocais de Laís Lira e Del Cavalcanti, trilhou uma trajetória marcada por decisões fundamentais que fortaleceram sua identidade.

A virada do cover para o repertório autoral foi, segundo Laís, um momento decisivo para a banda. “Quando começamos a nos entender enquanto banda autoral, sentimos a necessidade de nos comunicar com o público através das nossas próprias palavras, reflexões e vivências, em diálogo com o tempo em que vivemos. Essa decisão reacendeu a chama, nos deu gás. Mesmo diante das dificuldades que existem para artistas independentes, essa virada foi fundamental”, relata. A escolha de compor e apresentar músicas próprias, embora desafiadora por exigir maior esforço para encontrar espaços para shows, tornou-se essencial para que a Artehfato se mantivesse viva e relevante.

Sobre o público e os espaços onde o rock acontece hoje, Del observa que a mudança geracional impacta diretamente o cenário. “Hoje, os bares que recebem shows de rock contam com um público formado por pessoas na faixa dos 30 e 40 anos, que cresceram ouvindo rock. Esses espaços, porém, são mais estruturados, com uma proposta diferente do que existia antes, mais gourmetizada e menos focada em shows autorais”.

Underground, gutural e necessário: o som-brado da I’m The Storm
Entre riffs cortantes e letras afiadas, a I’m The Storm constrói um som denso e urgente, marcado pela fusão entre o groove metal e o thrash, subgêneros que trazem velocidade, peso e complexidade técnica. A banda aposta em composições autorais cantadas em português, com letras que provocam reflexão e desafiam a indiferença.

O heavy metal, no entendimento da I’m The Storm, é mais do que estética: é linguagem crítica, é forma de existir em oposição ao comodismo. “Com toda certeza o metal ainda é um grito político, social e existencial. Contra a opressão, contra a imposição religiosa, contra a homofobia, contra o fascismo que vem ganhando força e saindo do esgoto”, afirma Léo. Em tempos adversos, o som pesado continua sendo trincheira.

Fora do mainstream, a banda encontrou no underground o lugar ideal para existir com autenticidade. “Nossa comunidade é dentro do underground. E sinceramente? Estamos felizes com isso. Claro, quem quiser colar e ver nosso show ou ouvir nossa música será bem-vindo! Mas somos muito felizes dentro da nossa comunidade! Somos a contra-cultura! E estamos exatamente onde deveríamos estar!”

Metal com alma: a jornada de Daniela Serafim pela cena alagoana
Se há algo que o tempo ensina a quem vive o rock com entrega é que disciplina e presença valem tanto quanto talento. Daniela Serafim carrega essa consciência depois de quase uma década de estrada, seja no vocal de bandas como a MonsterSide ou nos inúmeros palcos que já dividiu com ídolos e amigos. Para ela, a maior conquista até aqui não foi um troféu ou uma grande plateia, mas as conexões verdadeiras que a música proporcionou. “Conheci pessoas incríveis, amigos de mais de 16 anos com quem ainda compartilho ideias e experiências. Isso é o que mais me marcou.”

Daniela reconhece que, apesar dos avanços, a cena ainda é marcada por desigualdade de gênero. “Quando comecei, em 2009, eu não sabia me impor. Passei por situações constrangedoras. Hoje, me porto de forma mais firme, não aceito as coisas como são. E vejo que muitas mulheres na cena também passaram a se posicionar”, relata. Para ela, resistir é parte da presença feminina no rock e é também parte da força que alimenta seu trabalho.

Manter a identidade sem medo de ousar é algo que ela leva para todos os projetos dos quais faz parte. Com parceiros que compartilham da mesma abertura estética, Daniela defende a liberdade de experimentar sem perder a essência. “A banda é feita pelas pessoas. Quando há sintonia, inovar se torna natural”, diz. E é justamente essa entrega sincera, vulnerável e potente que faz da MonsterSide, e de Daniela, uma presença marcante na cena roqueira alagoana.
Do colégio para os palcos: AL-101 e a juventude do rock alagoano
O que começou como uma apresentação escolar em 2019 virou banda, amizade e propósito. A banda AL-101 nasceu nos bastidores de uma peça musical, quando os integrantes ainda estavam no colégio. Com o tempo, especialmente após a pandemia, o grupo passou a circular mais ativamente pela cena local, se apresentando em bares, eventos e festas. Sempre levando a essência que os uniu: o rock.

Mais do que manter vivo um gênero, a AL-101 representa uma geração que escolheu continuar um legado. Jovens tocando rock em um cenário dominado por outros ritmos é, por si só, um gesto de resistência e afirmação. “É uma sensação de missão cumprida. A gente sabe que está transmitindo essa energia do rock para várias faixas etárias, e isso é muito rico”, afirma Clara.

Essa consciência se estende para além do som. A AL-101 percebe as limitações do mercado cultural e fala com clareza sobre o que falta para que bandas novas possam florescer. Valorização financeira, visibilidade, incentivo público e abertura dos espaços privados são alguns dos pontos citados. “Eventos gratuitos, com boa estrutura, apoio da Secretaria de Cultura e da prefeitura, ajudam a divulgar o trabalho. E bares e restaurantes também podem colaborar, abrindo espaço para bandas novas.”, aponta Clara.

Para a AL-101, o Dia Mundial do Rock não é apenas uma celebração simbólica. É um lembrete de que a música pode ser resistência, identidade e liberdade. “O rock é um gênero com muita expressividade. Os solos, os drives, os arranjos… tudo nele é carregado de sentimento. É quase como se fosse arte em forma de liberdade. E muitas vezes, é justamente essa liberdade que nos protege”, resume Clara.
