Na Amanhecer no Sertão, o quadrilheiro encontra acolhimento, reconstrução e afirmação de um corpo que dança, resiste e se cura em meio à cultura junina.
Texto de Esmeralda Donato com supervisão de Bertrand Morais
O mês de junho desperta memórias afetivas, cores e sons que tomam conta do corpo e da alma. Para quem vive a tradição das quadrilhas juninas, ele vai muito além das festas: é um verdadeiro ciclo de vida, marcado por ensaios intensos, renúncias pessoais e um amor incondicional à cultura popular. É nesse compasso que conhecemos Billy, dançarino da Quadrilha Amanhecer no Sertão e figura ativa no movimento junino alagoano.
Mais do que um corpo que dança, Billy é um corpo que resiste — que transforma sua história em potência. Filho de uma mulher solo que lhe ensinou valores como honestidade e respeito, ele também carrega o orgulho LGBTQIA+ e da condição de pessoa vitiligo, como expressões da própria beleza.
Entre passos coreografados e o pulsar da identidade, Billy nos convida a refletir sobre duas datas comemorativas vizinhas, neste mês de junho: o Dia Nacional do Quadrilheiro Junino (27/06) e o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+ (28/06). Em entrevista à Revista Alagoana, ele compartilha motivações, afetos e batalhas que moldaram sua relação com o amor próprio e com a arte de quadrilhar, revelando a força de quem dança com o coração. Confira:
R.A.: Para além do Orgulho LGBT+ e de ser quadrilheiro, quais outros aspectos da sua vida que você se orgulha?
Billy: Penso automaticamente na minha família, na minha mãe. A superação de um divórcio, ainda jovem, com pouco mais de 30 anos, criando dois filhos com honestidade e integridade. Nunca nos faltou nada, especialmente amor. Cresci cercado por valores como respeito, compaixão e honestidade. Não há orgulho maior do que ter sido criado com tanta dignidade.
R.A.: Quais as motivações que te fazem “amanhecer” todos os dias sendo quadrilheiro há mais de uma década?
Billy: Meus pais se conheceram dançando quadrilha, no fim dos anos 70. Na infância, eu acompanhava concursos e festas juninas escolares. Esse espírito quadrilheiro sempre viveu em mim, mas foi em 2012 que senti, de fato, a magia de pertencer ao movimento. A dança me libertou, me fez querer mais. E o acolhimento da Amanhecer, desde o início, me fez sentir parte de uma nova família. Mesmo quando penso em parar, entendo que esse lugar é parte de quem eu sou.
R.A.: As pessoas dizem que o amor à quadrilha é tão grande que supera muitos desafios. Isso faz sentido pra você? Já se questionou sobre esse amor?
Billy: Já sim. Junho começa meses antes, com ensaios, organização financeira, renúncias pessoais. Deixamos de estar com a família, com amigos, para nos dedicar à cultura. Somos mães, pais, estudantes, profissionais, pessoas que se desdobra para manter viva a tradição. Ser quadrilheiro não é só dançar: é carregar o nome do grupo, da cidade, do estado, e honrar quem nos apoia. É amor com responsabilidade.
R.A.: Como é o seu processo de cultivar o amor próprio, sendo uma pessoa LGBT com vitiligo?
Billy: No começo, foi difícil. O vitiligo mexe com a autoestima. Eu temia o olhar e o julgamento das pessoas. Mas percebi que precisava, primeiro, me enxergar. Fui atrás de informações, segui influenciadores com a mesma condição, e isso virou a chave. A aceitação veio rápido, junto com o cuidado. No início, muitos profissionais focavam em “reverter” as manchas, não em me orientar sobre como cuidar da pele. Mas quando encontrei os certos, tudo mudou. Hoje, amo minhas manchas, me vejo como uma obra de arte. E esse entendimento ninguém me tira.
R.A.: Como você se imagina daqui a 10 anos, vivendo esses três contextos que conversamos aqui?
Billy: Com a maturidade vem a segurança. A cada dia me sinto mais confiante para viver minhas particularidades e inspirar quem está ao meu redor. Espero, até lá, influenciar mais amor próprio, mais aceitação e mais valorização da nossa cultura. Viver, pra mim, é isso: se entregar de corpo e alma ao que faz a gente ser quem é.