Texto por Bertrand Morais
João Lemos é madeira forte, é
cedro que tem brilho e sorte.
Nenhum mal o faz temer, pois o
bem sempre está com você.
Esse é um trecho de ciranda autoral (2020) do próprio citado nele, que aos 27 anos e, especialmente, ao longo de 2021, vem deixando um enorme legado de salvaguarda da cultura popular alagoana. O nome dele é João Victor Lemos Viana, mas não estranhem caso o ouçam como João da Serraria (em alusão ao atual bairro de Maceió residente); a capa da Revista Alagoana do mês de dezembro é João Lemos.
Jornalista que tem em seu pandeiro um objeto de trabalho, facilmente pode ser confundido como um folião numa roda de conversa com mestras, mestres e brincantes nas inúmeras visitas que ele faz mensalmente. Entre assuntos históricos, religiosos e de salvaguarda, João consegue adquirir um respeito dos mais velhos à medida que parece falar a “mesma língua” de todas e todos os presentes, apesar de uma comumente diferença de idades e gerações.
Quando a conversa é esgotada, chega a hora do som do pandeiro ocupar espaço no silêncio com canções que remetem a costumes e tradições rememoradas em frações de segundos; a folia, é claro, está garantida. Para João Lemos, a distância nunca foi um grande problema para reunir a cultura popular, mas se a tecnologia veio para encurtá-la, nasce então em 2019, o Grupo Valoriza Alagoas no Whatsapp ou Zap, que também serviu de título para músicas autorais, ganhando a categoria de “melhor álbum de 2020” do Prêmio Notáveis da Cultura Popular.“Meu sonho passa a ser em presenciar, um verdadeiro intercâmbio virtual cultural entre mestras, mestres e artesãos das variadas regiões do estado, onde com um celular na mão de cada um, eles possam interagir entre eles quebrando barreiras geográficas” e acrescenta “daí passei a estimulá-los a possuírem um aparelho digital para que o Valoriza Alagoas pudesse fazer sentido”.
Deu tão certo que com a chegada da pandemia, o Valoriza Alagoas não era mais suficiente e nasce o Focuarte. Falaremos mais dele adiante.
Nascido na região central de Maceió em meio à fé católica, desde muito jovem seu contato com serviços eclesiásticos esteve muito próximo. Vinculado ao Apostolado da Oração, periodicamente percorrera as ruas do bairro da Levada e circunvizinhos para ir de porta em porta na casa dos paroquianos. Por vezes, esses eram pessoas de idade avançada, onde exigira dele um sensível e habilidoso contato para adquiri-los confiança e estima.
A vivência e devoção cristã de João Lemos instigou-o a produzir uma obra literária como desdobramento de seu TCC, de título “A Matriz das Graças: História e a importância do Templo para o lugar”, de 2020. O livro narra o crescimento de um dos bairros mais antigos e tradicionais de Maceió na perspectiva de sua igreja matriz, a de Nossa Senhora das Graças. Na obra, é possível encontrar protagonismo humano e geográfico de uma localidade literalmente ‘levada’ ao esquecimento e miséria, se não pela boa vontade de pessoas como João em lumiar os fatos históricos e transformadores.
No último mês de fevereiro, fui convidado para acompanhar o ensaio daquilo que seria mais um legado deixado por João Lemos em 2021: a gravação do segundo disco denominado ‘É madeira forte’. Ao lado de três grandes mulheres de Coqueiro Seco no coral, foram feitas canções agrupadas por Frevo, Baianado e Ciranda, trazendo melodias carregadas de identidade local e exaltação de nomes conhecidos e anônimos com igual relevância para a cultura popular alagoana. A banda e seus integrantes também são da querida cidade às margens da Lagoa Mundaú, assim como onde foram os ensaios.
Além de jornalista, João Lemos também é escritor, cantor, membro da IOV-Brasil, Academia Alagoana de Cultura, União Brasileira de Cantores, Academia Arapiraquense de Letras, Academia Internacional de Literatura e Poetas Além do Tempo, do Focuarte e brincante do Guerreiro São Pedro Alagoano em Maceió.
Criação do Fórum Permanente da Cultura Popular e do Artesanato (FOCUARTE)
“Estávamos comemorando a chegada do novo ano de 2020 (…). Diferente de tudo que já vivemos até hoje, nos deparamos com um vírus letal, milhões de vidas ceifadas, sonhos cancelados e trancados em casa (…) assim, reunidos e preocupados com a atual situação [de pandemia], formado por João Lemos, Vânia Oliveira, Sérgio Nascimento, Josefina Novaes, Gisela Pfau, Lailla Brito e Cláudio Antônio criamos o FOCUARTE”, relembra Josefina Novaes para a revista Focuarte 01/21.
Em um ano e meio de Focuarte quanta coisa vem acontecendo – artesãos têm ido expor seus artesanatos em feiras nacionais e mestres têm ganhado títulos de patrimônios vivos – só para citar alguns exemplos.
O Valoriza Alagoas já não era mais suficiente por não atender de forma plena as demandas de mestras, mestres e artesãos, como também houve a necessidade de um atendimento amplificado para jornalistas, brincantes, secretários de cultura, entre outros ramos da sociedade civil. Daí a necessidade de um órgão de difusão anual de fazedores culturais do estado e seus feitos.
Uma das primeiras grandes ações remotas do Focuarte foi fazer o mapeamento cultural de associados via google formulários. Até o atual mês de dezembro, já são quase 240 participantes do grupo no WhatsApp nos mais variados segmentos culturais e regiões do estado. Entre os nomes mais comunicativos é preciso destacar: Mestra Cícera Leite do Reisado de Viçosa, Mestra Chica do Guerreiro de Penedo, Mestre Biu e Mestre Zé do Guerreiro campeão de Anadia, Mestra Traíra do Mané do Rosário de Coruripe, Mestre Elias do Guerreiro Aza Branca de Arapiraca, entre outros grandes nomes.
O mapeamento cultural resultou em uma revista eletrônica e física com as informações colhidas e reunidas nela, tendo como diretor e editor João Lemos.
Já como ações presenciais tiveram a 1ª Conferência de Líderes Regionais, em 13 de fevereiro, ocorrida no bairro do Pontal da Barra, em Maceió. Um verdadeiro intercâmbio cultural e regional com direito a incursão pelo complexo lagunar mundaú de catamarã ao som de muita folia advinda de numerosos instrumentos e cantorias dos presentes.
E em novembro, houve a 5ª Assembleia Geral Ordinária com integração de delegações de todas as regiões do estado, reunindo cerca de 800 pessoas em seu pico, por volta do meio dia, no povoado Cadoz, cidade de Coqueiro Seco. Momento de empoderamento para fazedores culturais, onde tiveram lugar de fala e local de apresentação de seus grupos e artesanatos assegurados. Por fim, o ano jubilar da Chegança Silva Jardim, da mesma cidade, se despedia em festa.
Entre outras entregas, uma segunda revista física foi apresentada pelo Focuarte, sob direção e edição novamente de João Lemos, com reportagem especial escrita pelo jornalista que vos escreve, onde você confere clicando aqui.
Difícil a missão descrever todas as ações positivas e transformadoras que o Focuarte vem desempenhando, mais ainda detalhar a trajetória de um dos nomes mais promissores ao desenvolvimento da cultura popular em Alagoas. Entretanto, encerro com uma frase do jornalista Edberto Ticianeli sobre João Lemos:
“João Lemos não é dos que se contenta em “saber” a história. Adota uma práxis que o leva também a “fazer”. É comum vê-lo empunhando espada em defesa da cultura tradicional, tal qual um “Mestre” enfrentando um “Rei” em um Reisado”, trecho em prefácio do livro A Matriz das Graças, de autoria do próprio a quem se refere ao fragmento.
______________
Deseja fortalecer o jornalismo independente e contribuir para que a nossa Revista alcance cada vez mais pessoas?
Assine a Revista Alagoana no Catarse, uma plataforma segura de financiamento coletivo para projetos independentes.
Ou se preferir, colabore com a quantia que desejar através da nossa chave pix: revistaalagoana@gmail.com