Texto de Anna Sales
Fim dos anos 90. As luzes projetadas entre o claro e o escuro das luminárias de cerâmica produzidas por Jorge Vieira lhe lembravam a fotografia. O interesse estava presente, mas esse ainda não seria o seu começo. Apenas 16 anos depois, provocado por um amigo fotógrafo, é que decidiu se lançar no mundo da fotografia. Passou mais um ano estudando e em 2015, começou a praticar. Desde então, Jorge Vieira não parou mais. Hoje ele realiza o FOTOSURURU, que é o maior encontro da Fotografia Alagoana, além de promover a Oficina FOTOgrafando POESIA.
Inspirado pelos contrastes temáticos das pinturas de Caravaggio, pela linguagem documental humanista de Celso Brandão e Nair Benedicto, além da abordagem de cena e desenho das imagens de Guy Veloso e Miguel Rio Branco, Jorge Vieira gosta de fotografar pessoas no cotidiano e nas mais diversas manifestações populares.
Ele não esconde que isso é o que mais lhe encanta na fotografia: “O que mais me motiva na fotografia é a pessoa, o ser humano, e suas histórias. No geral, gosto de fotografar gente, mesmo que seja em um projeto com viés mais artístico, e me atrai também a possibilidade de revelar histórias a outras pessoas que comumente não teriam contato com aquele conteúdo. Encanta-me o recurso artístico da fotografia, que provoca seus observadores a pensar e poderem mudar suas atitudes.”
Dentro dessa temática do ser humano, Jorge Vieira gosta de dizer que “O próximo projeto é o que vai me emocionar mais”. Mas, o fotógrafo citou dois projetos já realizados que mexeram bastante com suas emoções: ““Vaqueiro” (2018) mexeu bastante comigo. Foi um projeto documental onde abordei a vida do Gerson, um tradicional vaqueiro tirador de leite, da zona da mata alagoana. Esse projeto foi selecionado em edital da SECULT/AL e foi à exposição no MISA (Museu da Imagem e do Som de Alagoas).
Outro trabalho que também posso citar é o “Pinheiro – bairro de vidas rachadas” (2019), feito em parceria com os fotógrafos Arthur Celso e João Facchinetti, sobre os dramas existenciais dos moradores do bairro do Pinheiro, atingidos pelos problemas geológicos provenientes da exploração de salgema por parte da Braskem. As fotos resultaram numa exposição realizada nas ruas centrais de Maceió, e num mini doc.”.
“Me sinto mais próximo do assunto que fotografo, numa relação sem rodeios, sem dispersão”
Boa parte dos trabalhos de Jorge Vieira está em preto e branco. Para ele, o P & B é uma linguagem de composição e não apenas uma opção cromática para a imagem. Quando há uma fotografia com cores, estas são, necessariamente, a ferramenta que fazem os os elementos da imagem dialogarem, ou completam o sentido da foto. Jorge diz que “enxerga” a cena em P&B, já que o desenho da fotografia estava antes mesmo da câmera entrar em ação.
Sobre a fotografia alagoana, Jorge Vieira diz que vivemos um bom momento, mas com muitos desafios pela frente. Nos últimos anos, com a ocorrência de workshops, expedições fotográficas, oficinas, mobilizou-se mais estudos e práticas que desenvolveram a qualidade do que fazemos hoje. Provocou, também, o encontro regular de fotógrafos que se engajaram mais no movimento fotográfico do estado, deixando a fotografia alagoana mais dinâmica.
“Gosto de dizer, sempre, que fotografamos com a nossa bagagem, e não com a câmera”
Para aqueles que gostam e querem ingressar no mundo da fotografia, mas se sentem inseguros em relação ao material, Jorge Vieira deixa esse recado: “Gosto de dizer, sempre, que fotografamos com a nossa bagagem, e não com a câmera. Esta apenas registra o que fotografamos, ou desenhamos, através dos olhos. Quem escreve a imagem é a visão de mundo que construímos. Então, para quem está começando, digo que não se preocupe demasiadamente com equipamento, mas atente para o Olhar, para o que lhe atrai a atenção, e como se pode se expressar, com legitimidade, a abordagem única que só a individualidade pode resultar. Então, o que lemos, o que assistimos, e tudo o mais que vai se constituindo a nossa construção de ser, é o que vai ser externado na fotografia que realizarmos. Por fim, conheça as técnicas, o suficiente para rejeitá-las quando a criatividade pedir passagem, especialmente quando a liberdade poética quiser fazer parte da construção da imagem.”