Mãe teatral: a importância do teatro alagoano ao lado do papel materno

Em entrevista para a Revista Alagoana, Aldine Souza destaca a resistência da cena no estado e conciliação da carreira com o seu papel mais importante: de mãe.

 

Entrevista de Lu Melo sob supervisão de Bertrand Morais

 

Basta as falas, iluminação e uma grande plateia para que o show comece! De peças originais a adaptações literárias, do pé no chão ao fantasioso. O teatro é uma das maneiras mais clássicas de entretenimento na humanidade.

 

Em cima dos palcos, o artista do teatro sai de uma atuação “contida” de produções audiovisuais e se debruça em não se limitar, incorporando a vida daquele papel. A improvisação do roteiro, o exagero intencional nas expressões faciais e nas características corporais de seus personagens são importantes para a formação do profissional e na autenticidade do meio artístico. 

 

Em Alagoas, as artes cênicas se encontram em uma constante batalha com o público e com os órgãos governamentais, que carecem de reconhecer a importância das apresentações. Porém, há quem se concentre na fomentação da cena teatral e na formação de novos atores no estado.

 

Em entrevista para a Revista Alagoana, conversamos com Aldine Souza, atriz formada na Escola Técnica de Artes (ETA) e fundadora do Curso Livre de Teatro do CEPEC, projeto que realiza peças de teatro e oficinas de produção teatral com alunos da graduação em Alagoas. Ela destaca a resistência da cena no estado e conciliação da carreira com o seu papel mais importante: de mãe. 

 

R.A.: Você se tornou mãe nos últimos meses. Como tem sido lidar com a maternidade e a vida profissional?

 

Assim como toda a minha vida artística, tento ao máximo lidar com os novos desafios. A chegada da maternidade após 20 anos de ofício teatral me deu certas habilidades e experiências para manejar o ser produtora, professora, diretora e atriz. Entender que uma rede de apoio é essencial para eu poder executar minhas funções com calma, clareza e segura de que minha bebê está sendo acolhida é crucial.

Créditos: Acervo Pessoal

 

Retornei ao trabalho após minha filha fazer três meses de vida. Tivemos, neste retorno, ensaio de nossa turma da Residência Artística de Teatro. Estamos fazendo nela uma obra de Shakespeare, o clássico Romeu e Julieta. Lembro-me da insegurança de estar alí na sala de aula, a falta que fez não poder ter minha bebê nos braços e, principalmente, um certo tremor com uma frase que vira e mexe latejava em minha mente: “eu ainda sei fazer isso?” Foram dias e dias em casa condicionada apenas em trocar fralda, ninar, dar de mamar e focar integralmente no meu bem maior que é a minha filha. Mas essa pergunta foi respondida logo nos primeiros minutos de aula com uma empolgação efervescente de voltar à rotina de trabalho, conduzindo um elenco e fazendo algo que amo! Saí desse retorno renovada. Foi sim uma injeção de ânimo quando percebi que ali, dentro do meu trabalho, existia a Aldine além de mãe, a Aldine Artista.

 

R.A.: O CEPEC é um dos, senão, o maior pilar de sua carreira. Quais são os desafios e as bonanças de fazer um centro de pesquisas cênicas em Maceió? 

 

Algo positivo em ser uma das fundadoras do Centro de Pesquisas Cênicas é poder ter um espaço de convergência de conhecimento e realizar os nossos desejos artísticos, dividindo nossa verdade teatral com mais pessoas e estudando possibilidades cênicas de mãos dadas. Sempre falo “Ninguém faz Teatro Sozinho!”; ser e ter equipe nas artes é fundamental para não desanimar no caminho. 

 

Com as turmas do nosso Curso livre de Teatro, materializamos muitas ideias e desejos artísticos. Pude realizar sonhos de infância de montar clássicos como “As Aventuras de Pinóquio”, fazer um espetáculo com espelho d’água que foi “A Gota D’água de Chico Buarque”… além de ter a consciência que estamos impulsionando o fazer teatral na cidade empurrando mais pessoas para o ofício, fazendo elas se apaixonarem pelo teatro e, principalmente, fomentar a formação de plateia. O teatro precisa e deve estar sempre cheio. É para isso que ensaiamos e estudamos tanto um texto, o praticamos por meses a fim de levá-lo da melhor forma possível para o olhar do público que nos prestigia.

 

Mas há um outro lado. É difícil demais viver de arte. Não é impossível, é difícil. A jornada é dura, machuca, fere. Infelizmente o alagoano não vê a arte como algo crucial para a vida. Então, trabalhamos ao dobro, fazemos nosso teatro, materializamos nossos espetáculos e o produzimos levando para todos os quatro cantos da cidade no intuito de lotar a nossa casa e disseminar nosso ofício. Os aplausos nos alimenta, somos artistas e continuamos persistindo, existindo e resistindo. 

 

R.A.: Você realizou o espetáculo de sucesso “As Criadas” ano passado. Como foi planejar esse projeto que fala sobre sensualidade e mistérios?

 

“As Criadas” era um desejo íntimo. Trabalhar com Jean Genet sempre foi uma vontade do Centro de Pesquisa Cênicas. Já tínhamos levado a obra para os palcos com o Curso livre, mas queríamos algo mais profissional. Então, mergulhamos nessa produção de cabeça e trouxemos ideias para espetacularizar ainda mais a obra e torná-la mais chamativa para o público. Por isso a sensualidade vem em primeiro plano. Claro, sem deixar o contexto e o real motivo do texto de Genet de lado. Foram cinco meses de um processo árduo, com ensaios constantes e longos, nos debruçamos inteiramente nesse drama francês com o objetivo de surpreender aqueles que fossem nos assistir. Foi uma experiência incrível e positiva: três dias com um público caloroso em plena casa sagrada do artista alagoano, o Teatro Deodoro. Retornaremos em outubro, através da Lei de Incentivo Cultural Aldir Blanc, porém agora em Penedo. Estou bem ansiosa para voltar a dar vida a Claire e amadurecer ainda mais meu personagem e a montagem que tanto o meu amado CEPEC investiu e acreditou. 

 

R.A.: Qual é a sua percepção da cena teatral de Alagoas em comparação com a região sudeste, por exemplo, onde você esteve?

 

Infelizmente o eixo Rio – São Paulo é ainda o mais latente no quesito arte, mas não é o único. Acredito que os produtores de arte do nordeste brilham cada vez mais em suas terras e também fora delas. Ocupando mais espaços nas produções de fora. 

 

Não é fácil, mas é um fato que vem crescendo nos últimos tempos. Pensando em produção artística em Alagoas, há muito o que se trabalhar e amadurecer. O público precisa entender que ser atriz/ator é um ofício como outro qualquer que merece respeito, estudo e remuneração adequada. Acredito que aos poucos a quantidade de perguntas como “Tem cortesia?” ou as exclamações exageradas de “Nossa! Esse ingresso está muito caro!” estão diminuindo. Devagar, mas indo, o público alagoano vai se educando artisticamente, consumindo mais teatro de gueto, de pesquisa, de assuntos mais densos e dramáticos… mas sim, a comédia, o musical, o teatro infantil sempre serão produções com casas mais cheias. Uma realidade não tão concreta no sudeste, por exemplo, onde há mais incentivo à arte e ao artista.

 

R.A.: Você acha que o teatro em Alagoas ainda vive e persiste?

 

Créditos: Acervo Pessoal

O teatro alagoano é uma jóia rara que sempre é ilustrada por aqueles que acreditam, com unhas e dentes, neste ofício árduo. Ser ator e atriz machuca a alma quando nos encontramos em um espaço onde não há empurrões para se fazer o que deve ser feito por nós, artistas. Nesses últimos 12 anos, nossa terra vem germinando arte. A galera do teatro vai só aumentando. Percebi o surgimento de novos grupos, novos espaços artísticos, há mais incentivo à produção local e, até mesmo, o público vem se inovando. Vejo sempre novos lares de olhos observando o palco. E o artista alagoano é forte, valente e continua sua caminhada de pés descalços e coração aberto, independente se haverá chuva ou um sol brilhante. Ele não para. Ou você se junta a ele ou você se senta para aplaudi-lo. Ele resiste, insiste, persiste e se reinventa! Jamais será fácil. Mas estamos aqui. É difícil parar um artista.

 

Somos pássaros soltos. Não há gaiolas que nos prenda pois sabemos exatamente a grande emoção que é ter o vento forte soprando em nossos rostos toda vez que as cortinas se abrem.

VIVA O TEATRO ALAGOANO!. 

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