Hélton Santos*

Não faz muito tempo que a luta das pessoas negras por igualdade de direitos e reconhecimento social de suas identidades culturais ganhou uma data oficial para celebrar. Ainda que os movimentos sociais e políticos afro-brasileiros já celebrassem Zumbi como símbolo de luta e Palmares, maior quilombo em extensão territorial já existente no Brasil, como símbolo de resistência desde os anos de 1970, foi somente em 2011 que se instituiu o Dia Nacional da Consciência Negra (lei n° 12.519, de 10 de novembro de 2011) como parte de um conjunto de ações afirmativas e políticas públicas voltadas para a população negra do Brasil.

Com essa oficialização, dois aspectos da história dos movimentos negros brasileiros devem ser destacados. Primeiro, sua desvinculação com o 13 de maio, data conhecida pela assinatura da Lei Áurea em 1888, como garantia de liberdade e igualdade de direitos entre senhores de engenho e ex-escravizados. A assinatura desta lei sem um projeto de sociedade no qual as demandas da população negra estivessem inseridas produziu muito mais a acentuação das desigualdades sociais do que a integração digna dessas pessoas no novo cotidiano que começava a ser desenhado. Como Carolina Maria de Jesus relata nas memórias de seus diários, o negro sonhava com um “Brasil para os brasileiros”.

Em segundo lugar, a instituição do Dia Nacional da Consciência Negra como parte de uma crescente pressão para a inclusão dessas demandas no âmbito das políticas públicas e de um novo projeto nacional de sociedade mais democrática, contribuiu não só com a promoção da memória social das lutas do povo negro, como abriu certas arestas na história oficial contada por certa elite branca.

Também fruto dessas lutas, o ano de 2024 traz duas novas conquistas para celebrar: a lei n° 14.759/2023, que institui o dia 20 de novembro como feriado nacional em comemoração ao Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, e a lei n° 7.133/2017, sancionada no último dia 13 de novembro, que institui e celebra o dia 1º de agosto como Dia Nacional do Maracatu.

O maracatu, que remonta ao período de um Brasil colonial escravista no qual o povo negro foi privado não só de seus direitos como também de sua própria humanidade, representou, naquele momento, uma das estratégias singulares e criativas que permitiu a preservação e transmissão de tradições e saberes da cultura e religiosidade afro-brasileira. Através da orquestração de sons, ritmos e instrumentos percussivos, vestimentas e encenações públicas, os negros festejavam e reverenciavam seus deuses ao mesmo tempo em que lutavam pela preservação de uma sabedoria ancestral trazida de suas terras natais em África.

Como manifestação tradicional da cultura afro-brasileira, o maracatu foi amplamente difundido pelas casas de axé na antiga capitania de Pernambuco, da qual Alagoas fez parte até 1817. Algumas décadas depois de sua emancipação política, as mudanças na dinâmica social alagoana que visavam favorecer a modernização do comércio local deram início a um processo de periferização violenta do povo negro, como aponta o economista e mestre em sociologia alagoano Paulo Victor de Oliveira. Um processo que culminou com um episódio de absurda violência articulado por milícias ligadas ao Estado e que ficou conhecido posteriormente como Quebra de Xangô de 1912.

Nesse contexto, os maracatus (ou cambindas) tornaram-se ferramentas importantes de luta e resistência, uma vez que, através deles, os negros conseguiram dar continuidade às suas atividades religiosas e culturais e ocupar espaço e prestígio públicos. De modo particular, os maracatus tornaram-se parte importante da cena carnavalesca de Alagoas, como relatam alguns jornais importantes da época – não sem grandes descontentamentos por parte das elites locais.

Ainda que Alagoas não tenha consolidado uma memória dessa manifestação afro-brasileira, como o fez Pernambuco, sua história deve reverência a grandes nomes, como os mestres Celestino, Dão, Belarmino, Benedito, Manuca, Geraldo, e aos maracatus Cambinda Velha, Cambinda do Porto, entre outros não nomeados pelos jornais e documentos históricos. Essas referências apontam para a resistência do povo negro alagoano mesmo tendo sofrido duras perseguições, antes e depois do episódio de 1912. Se esses grupos foram desaparecendo com a morte de seus mestres ao longo dos anos, isso se deve a outras dinâmicas sociais, mas não por eles terem cedido à luta.

Atualmente, a tradição dos maracatus nos carnavais alagoanos e no cenário cultural de modo geral tem sido retomada pelos grupos percussivos que, mesmo sem vínculo direto com as casas de axé – com exceção do Maracatu Nação Acorte de Alagoas, dirigido pelo Doté Elias -, fomentam a reinserção desse ritmo nos espaços públicos e comunitários como forma de festejar uma tradição que também é nossa e de lutar por uma memória pouco lembrada.

O Maracatu Baque Alagoano, sendo um dos mais velhos dessa retomada e ainda em atividade, tem buscado suscitar a valorização do maracatu em Alagoas desde sua fundação em 2007. Acompanham nessa jornada os maracatus Coletivo AfroCaeté, Maracatod@s, Maracatu Iyá Dandara, Maracatu Raízes da Tradição, Batuque Yá, Maracatu Ganga Zumba, Maracatu Axé Zumbi, Maracatu Novaurora, Maracatu Baque Mulher Maceió.

Assim, celebrando o 20 de novembro desse ano, já antecipamos as comemorações do 1º de agosto como dia do nosso maracatu alagoano que é de festa e de luta.

*Hélton Santos, psicólogo e coordenador do Maracatu Baque Alagoano.

 

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