Em entrevista a Revista Alagoana, Thiago conta sua trajetória e inspirações como mascareiro
Texto de Lu Melo com supervisão de Bertrand Morais
Quem nunca usou ou tem referências de máscaras? O acessório possui diversos significados. Alguns arremetem à saúde pública, em que foi utilizada para a proteção da vida em meio a COVID-19; para outros, elas são símbolos de ocultação da verdadeira persona de um indivíduo.
Mas para Thiago, as máscaras não são tristeza ou falsidade, mas, sim, uma forma de unir e celebrar a tradição cultural alagoana com jovens e população. Pois, máscaras também fazem parte de uma cultura mascareira, seja nos bailes da idade média aos desfiles carnavalescos de rua.
Thiago Souza é brincante de Cambindas, idealizador do Bobo Gaiato e mestre em sociologia pela Universidade Federal de Alagoas. Na infância, sua vontade de produzir as tradicionais máscaras vieram com os bobos que passavam na rua, mas na fase adulta, após a morte do precursor da cultura mascareira em Porto de Pedras, Mestre Gilberto, seu propósito se torna ainda maior: mostrar para Alagoas que o Litoral Norte do Estado não é apenas um ponto turístico, mas um epicentro cultural rico e vivo.
Em entrevista à Revista Alagoana, Thiago Souza nos mostra a força da juventude de manter as tradições culturais vivas, pelo seu próprio exemplo, o legado do Mestre Gilberto e sobre o projeto Bobo Gaiato.
R.A.: Como foi seu despertar de interesse pela cultura popular da região em que você nasceu e cresceu?
Posso dizer que esse despertar veio em dois momentos distintos. O primeiro ainda na infância, com o Boi de Carnaval, as máscaras e o próprio bobo, manifestações que sempre estiveram presentes na minha formação cultural. Todo o meu ciclo de amizades e familiares tinha alguma ligação com elas. Minha avó, por exemplo, cantava peças de [folguedos como] Baianas e de Cambinda enquanto fazia os trabalhos domésticos, e eu cresci ouvindo isso. Foi daí que, já na adolescência e início da juventude, me encantei pela Cambinda da cidade, principalmente pela musicalidade tão marcante. O segundo momento veio na vida adulta, quando meu envolvimento ganhou um propósito muito claro: Fortalecer minha comunidade e meu território a partir da valorização das nossas manifestações. Passei a atuar como agente cultural, articulador. Foi nesse processo que nasceu o Bobo Gaiato e a minha integração às Cambindas. E em tudo isso há um fio condutor: o Carnaval. Sempre foi ele que me mobilizou com mais fervor.
R.A.: Você também está presidente do Conselho Estadual da Juventude (CONJUVE). Como pautar o protagonismo jovem com a cultura local?
A juventude é a força que mantém a cultura viva, mas muitas vezes não é convidada a assumir o protagonismo. No CONJUVE, buscamos justamente criar espaços de decisão e participação, conectando os jovens com a sua própria história e com as ferramentas para transformá-la. A cultura local é estratégica nesse sentido: gera pertencimento, autoestima, renda e amplia horizontes. Tive a alegria de articular a criação do espaço de representação do segmento “Juventude da Cultura Popular” dentro do Conselho, que hoje é ocupado pela FOCUARTE. Isso é simbólico, mas também prático: mostra que a juventude da cultura está presente onde as políticas são discutidas.
R.A.: Você é a continuação do legado do Mestre Gilberto. Após 5 anos do falecimento do mestre, como ele ainda influencia o seu imaginário?
Mestre Gilberto continua vivo na forma como penso e crio. Depois de sua partida, senti que tinha uma nova missão: manter o seu legado não só na lembrança, mas no movimento prático, no compartilhamento do saber-fazer mascareiro. Cada vez que idealizo um projeto, que visto a máscara ou que mobilizo a comunidade em torno da cultura, sinto a presença dele.
Ele deixou sementes que florescem em novas gerações, e sou muito feliz por isso. Hoje, além da inspiração, tenho também a alegria de conviver com sua família, de ter nela amizade e aconchego. É algo muito bonito.
R.A.: Em uma entrevista para nós [Revista Alagoana], você estava erguendo uma integração cultural para a população do Litoral Norte do Estado. De 2021 para cá, o que mudou no seu território?
De lá para cá, muita coisa mudou. A cultura popular tem conquistado mais reconhecimento, ainda que os desafios sejam grandes. O Bobo Gaiato se tornou um vetor importante, reunindo diferentes manifestações em projetos diversos. Também houve uma aproximação maior entre cultura e turismo, o que fortalece a economia local. Hoje já não falamos de cultura apenas como tradição: ela também é futuro, identidade coletiva e economia criativa. Um exemplo é a primeira edição da Festa do Bobo, realizada agora em agosto, com apresentações culturais de Alagoas e Pernambuco, oficinas, exposições e lançamento de livro. Esse movimento mostra que nossa atuação vai além do bloco de carnaval. Estamos presentes o ano inteiro, com ações efetivas no território.
R.A.: Por fim, você pode nos falar sobre os próximos passos pro seu futuro e do Bobo Gaiato?
O futuro é de continuidade e expansão. Quero seguir brincando, criando e fortalecendo o diálogo entre tradição e inovação. O Bobo Gaiato cresce como coletivo, como brincadeira cultural e também como proposta de economia criativa para a juventude da nossa cidade. Os próximos passos são consolidar projetos de formação, ampliar a circulação das nossas máscaras e ideias e levar a arte dos bobos para além das divisas de Alagoas. Mas, acima de tudo, o compromisso é manter nossa memória viva e pulsante, porque o futuro da cultura popular depende da coragem de reinventar sem jamais perder a essência