Mateus Borges: “Em algum nível, o Cassius e Sonny é o disco que eu sempre quis fazer”

O novo álbum da Cães de Prata, projeto comandado por Mateus, é um convite para a imaginação

Por Anna Sales 

“Sempre fui mais compositor do que pessoa de banda ou instrumentista. Acumulei algumas composições durante os anos e, muito por frustração com projetos anteriores, senti que aquele era o momento de organizá-las em algo só meu, com um nome que fizesse sentido para mim e que também pudesse ser uma forma mais rápida e viável de lançar o que eu quisesse lançar. Mas todos os processos foram sempre bastante coletivos — brinco que é uma política de porta giratória: a banda é quem está comigo naquele momento, ou quem eu sinto que faz mais sentido para aquele álbum ou aquela música.”, conta Mateus Borges, músico e criador da Cães de Prata.

A Cães de Prata surgiu como o nome do projeto de gravação de Mateus, durante as primeiras gravações do EP Fitas P/ O Terceiro Filme, lançado em 2020. Em agosto de 2021, foi lançado o Nocaute. Um disco com composições que, segundo Mateus, levaram muito tempo, mas gravado de um modo muito intuitivo, rápido, no calor mesmo. 

” O segundo álbum, o Cassius e Sonny, vem de um longo processo que começou em 2021 mesmo. De coletar diversos cacos de gravações, de aprender a samplear as coisas de maneira grosseira, de aprender a produzir no Ableton e de buscar uma outra experiência de forma mesmo com a composição, com o que eu queria à nível de timbre. Depois ainda chamei o Igor Peixoto, o Reuel Albuquerque, o Matheus Miranda, o Fellipe Pereira e a Ivana Fontes, cinco músicos de mão cheia, para improvisar por cima das bases. Em algum nível, o Cassius e Sonny é o disco que eu sempre quis fazer.”, conta o músico

A Revista Alagoana entrevistou Mateus Borges sobre os processos de produção do disco. Leia a seguir: 

RA: Percebi que cada disco da Cães de Prata conta com diferentes músicos. Como foi feita a escolha dos integrantes para Cassius e Sonny? E como foram as escolhas para os anteriores?

Mateus: Acho que as escolhas para o Cassius e Sonny foram uma reação às escolhas feitas para o Nocaute, o álbum de 2021. O Nocaute é tocado pelo Igor [Cavalcante], pelo João [Gomes] e pelo Fellipe [Pereira], 60% da banda Azul Azul: foi um modo de criar a partir de uma dinâmica de banda que já existia no palco, só que a serviço de um outro som e de um outro contexto de estúdio. O Nocaute é um disco soturno e seco, com muito violão e guitarra, cheio de negações, meio que produzido por nós quatro e com os toques essenciais do Thomas Schaeffer que trabalhava no estúdio na época. Já o Cassius e Sonny é um processo que segue sozinho fechado todo comigo até uns 85% do disco. Passei dois anos construindo as camadas de samples por baixo das demos com a minha voz. Igor [Peixoto], Reuel [Albuquerque] e Matheus [Miranda] são três queridos que gostaram do Nocaute e com os quais sempre tive muita afinidade de tocar música e conversar potoca. Tocamos juntos como Cães de Prata abrindo o show da Marinho ano passado e trazê-los para essas músicas foi muito natural quando chegou esse momento final do Cassius e Sonny. 

RA: As composições que estão neste novo disco foram compostas em pouco mais de 2 anos. Qual foi a primeira e a última a serem compostas?

Mateus: A primeira música foi “Cassius e Sonny (ii)”. Existia uma versão diferente dela em 2018 ou 2019 que acabou ficando de fora do primeiro EP da Cães. Encaixou perfeitamente em uma das bases e acho que é a favorita do Chase, que ajudou na parte final da produção. As outras todas foram compostas em 2021 e acho que a última foi “Cai o Pano”, provavelmente.

R.A: Você falou que ‘em algum nível, o Cassius e Sony é o disco que eu sempre quis fazer’. Por que? 

Mateus: Sempre quis fazer um disco a partir de colagens e sempre quis fazer um disco menos comportado. Acho que em alguma medida o Cassius e Sonny alcança isso. O Nocaute tinha algumas referências no Jards e no Wilco que foram importantes. Esse aqui confesso que não saberia nem por onde começar a buscar um ponto de partida. Algo do Lambchop mais recente, talvez, ou uns discos-colagens que um pessoal de São Paulo como a Juçara tem feito e que entram na cabeça de gente de um jeito ou de outro.

R.A: Qual das faixas é sua ‘queridinha’? E qual você acha que o público irá gostar mais? 

Mateus: Gosto muito de “Pequeno Satã”. Tenho certeza que nunca farei outra música assim, mesmo que reaproveite algo dos procedimentos do Cassius e Sonny em outros lançamentos. Sobre o que o público vai gostar, não penso muito nisso. Talvez “Cassius e Sonny (ii)”, já que essa podia ser uma faixa mais letárgica do Nocaute. Me lembra “Abissal” daquele disco, numa chave menos derrotista e tudo.

Para os músicos, as queridinhas são: 

Igor Peixoto: Um Alvo Fácil Entre As Ruínas

Reuel Albuquerque: Assim Tocamos John Wayne

Fellipe Pereira: Cassius e Sonny (ii)

Matheus Miranda: Dentro do Baile Roxo

R.A: Como foi o processo de composição destas faixas e a escolha para entrarem no álbum?

Mateus: Escrevi todas no violão, com exceção de “Cai o Pano”. Depois as levei para o computador só com a voz e saí construindo as camadas. Por fim, o pessoal improvisou por cima das bases durante uns 4 ou 5 dias e eu gravei as vozes oficiais por cima. Descartei muitas versões das músicas: “Assim Tocamos John Wayne” era algo bem mais eletrônico no início, com uma ponte meio truncada que acabei cortando. “Um Alvo Fácil Entre As Ruínas” tem partes que estavam espalhadas em várias músicas e acabei selecionando as melhores para criar aquele trajeto até o final. Acho que talvez só “Tanto Tanto Tanto” e “Cassius e Sonny (ii)” não tenham tido no mínimo três versões, sendo sincero. Ficaram de fora duas canções que não consegui resolver por enquanto, e que também não consegui fazer encaixar nessa proposta de álbum – “Névoa-Nada” e “Duzentos Lumes no Assoalho”. Tenho terminado só as músicas que tenho certeza que quero gravar, por falta de tempo mesmo. Mas tenho muito rascunho errático por aí, álbuns abandonados.

R.A: Qual foi sua sensação ao ver o disco finalizado?

Mateus: Alívio. Parecia que não ia acabar nunca e olha que nem tenho HD assim para tanto arquivo do Ableton. É um processo sempre difícil, também: faz tanto tempo que escrevi e foi no meio da pandemia. Agora já lancei tudo desse período. 

R.A: Como você definiria Cassius e Sonny?

Mateus: Zero ideia. Deve ter seu charme pra alguém.

R.A: De onde surgiu o nome do projeto e do álbum?

Mateus: Cães de Prata vem de “cães pequenos de prata e latão”, lá da primeira música que escrevi sabendo que queria lançá-la como algo solo. Acho bonito, fácil, meio que oco de um jeito bom. O nome do álbum tem uma origem um pouco mais larga, acho – queria centrar nesses dois personagens a energia do disco. Esse lance se espalhando para todos os cantos e transbordando sem início e sem fim das faixas me fazia mais jogo com essas duas figuras de centro. Elas atravessam o álbum como se chegassem perto de uma narrativa, mas se recusassem a ela. 

R.A: O que você espera que as pessoas sintam ao ouvirem o disco?

Mateus: Raiva incontrolável, espero que mordam a própria mão ou abracem um poste. 

R.A: Qual papel a música tem em sua vida?

Mateus: Eu não seria funcional sem música. Durmo com música, acordo com música. Irrito meus amigos com música todas as horas do dia, igual relógio. O Tom Waits diz que a gente ama a música, mas quer mesmo é que a música ame a gente. Acho que é por aí.

OUÇA “CASSIUS E SONY” NA SUA PLATAFORMA PREFERIDA

https://linktr.ee/caesdeprata 

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