Mestra Graça: Economia criativa costurada ao turismo de uma cidade no alto sertão alagoano

Costureira, bordadeira e empreendedora, Mestra Graça transmite e transforma o seu saber em geração de renda na cidade dos cânions do Velho Chico

 

Texto de Esmeralda Donato com supervisão de Bertrand Morais

O bordado é mais do que ponto, linha e tecido: é herança, é afeto, é resistência silenciosa costurada por gerações, especialmente por mãos femininas. Nas tramas delicadas de cada peça bordada, habita uma memória coletiva que atravessa o tempo, preserva culturas e transforma vidas.

Em Olho D’Água do Casado, no alto sertão de Alagoas, a cidade virou atração e rota turística devido às formações rochosas no Rio São Francisco, com lindos cânios e importantes sítios arqueológicos de tirar o fôlego. Com agulha e linha, Mestra Graça viu além e, através do bordado, movimenta a economia local e fortalece laços entre mulheres que bordam juntas suas histórias. À frente de uma associação com mais de 20 bordadeiras, ela transforma sua arte em cultura viva e desenvolvimento social e econômico. Somado a isso, também fabrica deliciosos licores, artesanalmente, de sabores da terra como, Caju, Umbu-Cajá, Murici, entre outros.

Em alusão ao Dia Mundial do Bordado, celebrado em 30 de julho, a Revista Alagoana entrevistou a mestra que compartilhou sua trajetória, os desafios e as alegrias de bordar a própria história ao lado de outras mulheres. Confira:

R.A.: Como o bordado entrou na sua vida? Você se lembra da primeira peça que bordou?

Graça: O bordado entrou na minha vida quando eu era bem pequena, tinha 9 anos. Minha avó era bordadeira e minha mãe, costureira. Eu cresci observando, aprendendo com elas. Minha avó me ensinou os primeiros pontos. Depois, uma bordadeira que foi fazer o parto da minha mãe também me ensinou mais um pouco. Eu bordava por curiosidade, só pra aprender mesmo, porque minha profissão sempre foi a costura. O bordado veio como uma semente que ficou ali guardada e só germinou anos depois.


R.A.:
Em que momento percebeu que o bordado poderia também movimentar a economia local?

Graça: Quando começou o movimento turístico na minha cidade, eu pensei: o turista precisa levar algo que represente Olho D’Água do Casado. Foi aí que me veio a ideia de transformar o bordado em produto local. Criei um projetozinho pra qualificar bordadeiras, porque eu já fazia as peças costuradas. Então comecei a ensinar outras mulheres a bordar. A ideia era unir a cultura que vinha da minha avó com uma nova geração de mulheres que poderiam gerar renda com isso.

R.A.: Como a comunidade reage às criações bordadas que saem do sertão alagoano para outros cantos do Brasil?

Graça: No começo, pouca gente acreditava. As pessoas só enxergam valor quando veem que dá certo, que dá retorno. Mas com o tempo, as peças começaram a ganhar visibilidade, a gente foi convidada para eventos, feiras… Hoje, onde a gente passa, quem vê nossas peças se encanta. As pessoas reconhecem que ali tem história, tem cultura, tem qualidade. Isso foi fortalecendo a autoestima da cidade também, porque a arte do bordado começou a ser reconhecida como algo sério, bonito e rentável.


R.A.:
Como você enxerga o bordado: mais como arte, ofício ou linguagem?

Graça: O bordado, pra mim, vai muito além da geração de renda. Ele é uma forma de expressão, de fortalecer laços, de manter viva a nossa cultura. É difícil até encontrar uma só palavra que defina o que o bordado representa. É gratificante, é gratidão, é encanto, é poder. É um universo inteiro costurado com significado.

R.A.: Como funciona a associação que você lidera? Quem são essas mulheres que te acompanham?

Graça: Nossa associação hoje tem cerca de 20 mulheres. A maioria são bordadeiras, mas também temos quem costure ou produza peças artesanais. Cada uma faz sua produção e recebe pelo que produz. Ninguém paga mensalidade. A associação é mantida pela própria força de trabalho das mulheres. Já formei grupos em outras comunidades, inclusive em assentamentos, com apoio do MST. Hoje, além da associação, também atuo com grupos independentes e oficinas em outros municípios.


R.A.:
Que transformações você já viu acontecer na vida das mulheres que passaram por esse trabalho coletivo?

Graça: Muitas mulheres que hoje vivem do bordado antes não tinham nenhuma renda. Algumas nem se viam como capazes de criar algo bonito, valioso. Hoje elas produzem, recebem, vendem, se sentem valorizadas. Tem gente que já sustenta a casa com o que ganha. E não é só o dinheiro, é o convívio, o aprendizado, o empoderamento. O bordado dá isso: dá autonomia, dá confiança, dá orgulho.

R.A.: Você vende peças para fora de Alagoas. Como é esse processo? Já teve alguma surpresa com o reconhecimento do seu trabalho fora do estado?

Graça: Já levei nossos bordados para feiras em São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraíba, Ceará… Nosso trabalho circula pelo Brasil. Participo da rede de economia solidária e também temos peças em lojas, inclusive em shopping, aqui em Maceió. Uma vez levei para a feira da Reforma Agrária e o pessoal já ia direto procurando nossas peças. Isso mostra que o que a gente faz tem valor, tem identidade. Hoje nosso nome já é conhecido fora daqui.

R.A.: O que você gostaria que as pessoas sentissem ao vestir ou usar uma peça bordada por você?

Graça: Eu quero que sintam a qualidade e o cuidado. Que percebam que aquela peça tem história, tem gente por trás, tem cultura. Que saibam que não estão comprando só um produto, mas um pedacinho da nossa terra, da nossa luta e da nossa criatividade. É isso que a gente vende: cultura e bem-estar. Uma peça bordada aqui leva um pouco de cada mulher que a produziu.

R.A.: Que legado você espera deixar para Olho D’Água do Casado e para as futuras gerações de bordadeiras?

Graça: Quero deixar como legado o resgate das nossas origens, mostrando que é possível empreender com a própria cultura e viver disso com dignidade. Aqui temos um sertão rico, não só em paisagem, mas em saberes e criatividade. Quando incluímos nossa identidade nos produtos que criamos, estamos gerando renda, acolhendo o turista e, ao mesmo tempo, fortalecendo quem é daqui. O que desejo é que no futuro as pessoas tenham segurança para trabalhar com o que amam, sem depender apenas da venda da mão de obra, mas vivendo bem do que constroem com as próprias mãos.

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