Na terra do Sal e do Sol: retratos do crime da Braskem em Maceió

Livro conta histórias de moradores afetados pelo afundamento dos bairros na capital alagoana

por Theo Sales – Colaborador

Em 2021, enquanto produzia minha primeira reportagem sobre o afundamento dos bairros, me deparei com uma senhora que fazia sua caminhada diária. Era Dênia, uma antiga moradora do Pinheiro. Há mais de 40 anos vivia com sua família em uma pacata rua com chão de paralelepípedo, onde restavam apenas três outras casas com moradores. O cenário parecia de Chernobyl: construções em ruínas e a vegetação tomando conta do bairro.

Três anos mais tarde, em 2024, voltei aos bairros para escrever meu trabalho de conclusão do curso de Jornalismo, sobre o crime socioambiental da Braskem. Meu objetivo era coletar relatos de moradores afetados pelo afundamento. Fui à mesma rua que havia visitado em 2021, em busca de saber como Dênia estava. Imaginava que a encontraria caminhando na rua, como fazia todos os dias. Surpreso fiquei ao encontrar sua casa também fechada por tijolos e cimento. Aquela senhora que resistia em meio às ruínas também teve que abandonar seu bairro.

Naquela casa, morava uma família de 6 pessoas, cheias de memórias daquele lugar. Essa é a história de Dênia, mas também de Elisa, de José Geraldo, de Jackson, de Marluce e de cerca de 60 mil pessoas que foram forçadas a deixar seus lares.

Desde a década de 1970, os riscos da mineração de sal-gema eram conhecidos. Os tremores começaram em 2018, mas a tragédia havia sido anunciada há décadas. O ecologista José Geraldo Marques já alertava para os riscos na instalação da fábrica no Pontal da Barra, um santuário ecológico entre a Lagoa Mundaú e o mar. Chegou a ser ameaçado de morte e teve que se exilar de Alagoas por sua oposição ao projeto de exploração da salgema.

Ao voltar pra Maceió na década de 80, o professor se instalou no bairro do Pinheiro com sua esposa. Foi lá que construíram a casa e a família. Lar em que viveram por 40 anos e criaram seus três filhos. Era a casa 241 da Rua Jornalista Augusto de Vaz Filho. Ficava no final da rua, com uma visão privilegiada para uma de suas grandes paixões, a Mundaú.

“Tive que abandonar a minha linda casa no Pinheiro. Mandei a minha família primeiro e fiquei com a minha biblioteca. Levamos o essencial, chorei muito com essa despedida. Chorei até não poder mais. Um dia, pedi um táxi e fui embora, para nunca mais voltar”, desabafa o ecologista. Segundo conta, seus filhos foram os que mais sofreram.

Marluce Silva nasceu no dia 27 de dezembro de 1956 na Rua Albuquerque Lins, na casa número 203. Nasceu no mesmo quarto em que dormia até aquele dia — a única diferença é que não há mais ali a cama onde veio à luz. Foi lá que criou seus quatro filhos. Criou também Seu Sebastião e Dona Menininha, seus pais. “A gente tem que criar eles também”. 67 anos na mesma casa. Na mesma rua. No mesmo bairro. Onde ainda vivia com seus irmãos. Os poucos sobreviventes da Albuquerque Lins no bairro do Farol.

Sua vontade era de continuar na casa em que nasceu e cresceu. “Só ia sair daqui quando morresse. Mas não é como a gente quer, é como os homens querem.” Dona de olhos claros penetrantes e um bom humor indissociável, Marluce compara o bairro com outros lugares pelo mundo. Como o deserto do Saara: vazio e sem vida. Um Farol no meio das sombras. Ou ainda, a Faixa de Gaza, pois só restam escombros e as pessoas se escondem com a esperança de um lugar para viver.

Busquei registrar essas histórias e de outras pessoas afetadas pelo afundamento dos bairros em meu TCC, que se tornou o livro “Na terra do Sal e do Sol: Histórias do maior crime socioambiental urbano do país”, uma singela contribuição para manter vivas as memórias dos bairros e seus moradores, além de denunciar as consequências dos crimes da Braskem. 

O livro está disponível para leitura neste link.

Casa em que Dênia morava com sua família.

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