No Dia Nacional da poesia, Giovanna Lunetta reflete sobre poemas e o sentir com as palavras

Escritora desde os 13 anos, Lunetta lançou seu segundo livro, “Chorar é coisa de gente grande” e conversou com a Revista Alagoana

Por Maryana Carvalho sob supervisão de Bertrand Morais

Chorar faz parte da vida. É uma expressão de sentimento que pode vir da alegria, da tristeza ou até da raiva. As lágrimas, muitas vezes vistas como sinal de fraqueza, são uma forma de demonstrar dores que nem sempre as pessoas querem ver ou reconhecer.

Contra essa corrente, Giovanna Lunetta encontrou nesse sentimento algo que vai além: as palavras. E, com elas, afirmou que “Chorar é coisa de gente grande”. Uma ideia interessante, já que muitos ainda acreditam que o choro é um gesto permitido apenas às crianças ou às mulheres.

Filha adotiva, mulher negra e LGBTQIAPN+, a poeta começou sua trajetória na escrita aos 13 anos. Dez anos depois, lançou seu primeiro livro, O Sol Vem Depois, obra que retrata não só seus sentimentos – como o amor, a coragem e o autoconhecimento –, mas também faz uma crítica aos padrões irreais de beleza voltados à branquitude, impostos pela sociedade. Seus dois livros foram premiados pela Lei Nacional Aldir Blanc (PNAB). Além disso, as obras chegaram às prateleiras de uma das maiores livrarias do Brasil: a Martins Fontes, localizada em São Paulo. 

Nesta semana que comemora-se o Dia Nacional do Livro e Nacional da Poesia, dias 29 e 31 de outubro respectivamente, que coincide com a abertura oficial da 11ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas, a Revista Alagoana entrevistou a poetisa arapiraquense. Ela falou sobre sua trajetória, a importância da escrita e sobre o papel do sentir na poesia.

R.A: Primeiramente, eu gostaria de saber um pouco sobre a sua história na poesia. Eu sei que você decidiu ser escritora aos 13 anos, mas qual foi o ponto de partida para que você decidisse se dedicar não só a escrita de modo geral, mas a poesia em si?

Giovanna Lunetta: Acho que minha relação com a poesia nasceu antes mesmo de uma consciência sobre a escrita. Quando decidi ser escritora, aos 13 anos, não foi uma escolha pelo gênero, mas por uma forma de habitar a linguagem. Sempre me interessou esse espaço em que o texto respira, em que o sentimento se transforma em ritmo, imagem e voz.

Com o tempo, fui me aproximando da poesia como quem encontra um modo natural de existir na palavra. Talvez tenha começado por intuição: escrevia assim, me reconhecia nesse movimento, e acabei permanecendo nele. Mas é importante dizer: não compreendo a poesia como um formato. Poema e prosa são estruturas; a poesia, para mim, é uma presença. Ela atravessa o texto e lhe dá alma, vida, potência, independentemente da forma que ele assume. 

 

R.A: Você lançou seu primeiro livro, O Sol Vem Depois, aos 23 anos, dez anos depois de descobrir sua paixão pela escrita. A obra aborda temas como amor, coragem e autoconhecimento, mas também faz uma crítica aos padrões estéticos irreais e voltados à branquitude. Como esses temas se entrelaçam na sua escrita e de que forma essa reflexão sobre estética e identidade surgiu no seu processo criativo?

Giovanna Lunetta: “o sol vem depois”  nasce e se constrói a partir do desejo de me reencontrar comigo mesma e com o que entendo por beleza, carinho e verdade. Ao escrever, ao longo de todos esses anos de muitas descobertas,  percebi que as referências estéticas que me cercavam não contemplavam minha vivência, pois eram pautadas por um ideal de corpo e de cor distante de quem eu sou, até de quem eu passei a desejar ser. Essa consciência me levou a pensar a escrita como um gesto de reconstrução, uma forma de escrever com o corpo inteiro, com a voz inteira. Os temas do livro, como amor, coragem e autoconhecimento, se conectam a essa busca por inteireza. Falar de amor é também falar de identidade, e falar de coragem é se permitir existir fora, questionando certos padrões. A poesia, nesse sentido, se torna um espaço de libertação estética e simbólica, onde posso afirmar minha presença e reimaginar o que é ser e estar no mundo, o que é amar e ser amada no mundo.

R.A: Muitos dos seus textos falam sobre coragem, autoestima e afeto, mas também sobre dor e recomeço. Como é o seu processo de transformar o que vive ou sente em palavras?

Giovanna Lunetta: Meu processo de escrita é muito visceral. Tento não racionalizar o que sinto, apenas deixo que o corpo escreva. Às vezes, choro e escrevo, não espero parar de chorar para começar a escrever. Escrevo rindo, escrevo suada depois de sambar sozinha no quarto. A escrita, para mim, é movimento, descarga, é o choro na hora do choro, a poesia que nasce do corpo quente. Transformar o que vivo em palavra é quase um instinto. Não é um processo limpo nem linear. É fluido, confuso, vivo. Escrevo para entender, mas também para me permitir não entender tudo. Acho que é nesse espaço, entre o sentir e o dizer, que a poesia consegue nascer e ocupar.

R.A: Você é formada em Direito, motivada por causas sociais. Como a sua formação jurídica e o seu interesse por essas pautas (mulher, família, criança) dialogam com o seu trabalho de poeta? A escrita é, para você, uma outra forma de advogar por essas causas?

Giovanna Lunetta: Todas essas pautas me atravessam de um jeito intenso e profundo. Elas me sensibilizam, me encantam, me movem e me indignam em vários níveis e tons diferentes. Aprendi que se luta também através da literatura, da poesia,  que escrever é um gesto político e uma forma de atuar sobre o mundo, aquilo que tem importância, que atravessa nosso olhar e sensibilidade.

R.A: Em seu novo lançamento, “Chorar é coisa de gente grande”, a vulnerabilidade ganha protagonismo. O que te fez transformar o choro, tantas vezes visto como sinal de fraqueza, em um gesto de coragem?

Giovanna Lunetta: Chorar é colocar para fora o que se sente. Acho tão gigante sentir tanto, seja de alegria, medo, tristeza, raiva, paixão, enfim. “Chorar” envolve todos os motivos possíveis, e eu choro por todos eles, pode ter certeza, não há vergonha sobre nenhum desses motivos. Aprendi, comigo mesma, com minha avó Maria Salgueiro Toledo,  que se permitir sentir assim não é fraqueza, é coragem para se bancar, coragem para despencar, para olhar para dentro. Cada lágrima é um gesto de atravessar o próprio sentimento.

R.A: Para você, o que significa “chorar como gente grande”? Que reflexão você espera que seus leitores levem desse livro, em tempos que parecem não deixar espaço para vulnerabilidade?

Giovanna Lunetta: Espero que desejemos sentir tanta emoção a ponto de não desejarmos mais nunca reter, controlar, podar essas dimensões. Que voltemos a transformar espaços públicos em lugares com humanidade, com gente que percebe e sente gente, que respeita e ama gente, sabe? Que se queira chorar de amor, se permita chorar diante dos encontros bonitos, das despedidas, daquilo que dói, daquilo que puxa a gente pra cima. Nosso corpo é feito de água por um motivo, sabe? Chorar é parte disso, é estar viva, uma consequência da vida. 

R.A: Hoje é o Dia Nacional do Livro. Na sua visão, qual é a importância do livro na vida das pessoas, especialmente para quem está descobrindo sua identidade e buscando se conectar com emoções e histórias próprias? 

Giovanna Lunetta: Para mim e para os leitores e as leitoras que eu conheço, o livro é um jeito de se encontrar, também de se perder e de se sentir menos sozinho, de achar que o mundo ainda é um bom lugar para se estar, principalmente, considerando a riqueza da nossa literatura nacional. Um livro pode ser capaz de mostrar que outras pessoas já sentiram coisas parecidas, que outras histórias existem, que a gente pode se reconhecer nelas, mas não só isso: a leitura também permite que a gente acesse fantasias, que a gente descubra paixões novas, formatos outros, viaje para muito longe. Ler é se abrir a muitas, infinitas coisas. É correr o risco de ser atravessado de uma maneira que não se imagina e isso mudar tudo. 

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