Beto de Meirus não é apenas o mais antigo seleiro de Pão de Açúcar, no Sertão alagoano. É poeta de cordel, escultor, carnavalesco, músico e, nas próprias palavras, um “escravo do amor”.
Recentemente, aos 87 anos, resolveu transformar uma tradição que costuma causar pena em motivo de alegria: inaugurou sua própria lápide e comemorou o aniversário com uma festa dentro do cemitério.
A sepultura já traz seu nome e a data de nascimento; o espaço reservado para a partida, ele garante, ficará em branco por muito tempo.
“Vou quando Deus me chamar”, disse Beto, sempre com bom humor. O túmulo, esculpido por suas mãos, é um autorretrato em pedra do artesão, com retratos dos filhos, esculturas que lembram os pais e folhetos contendo suas poesias e rimas.
A celebração, realizada no dia 7 de abril, reuniu amigos, familiares e curiosos da região. Teve bolo, parabéns, conversa e risadas, e até o tradicional disparo de bacamarte, arma curta muito usada em festejos populares do Nordeste.
“Eu fiquei famoso, agora todo mundo quer me conhecer. Quando eu morrer, já estão todos convidados para o enterro”, brincou.
A obra levou um ano para ficar pronta. Cada detalhe foi pensado por Beto, que carrega no ofício as marcas do pai, o mesmo que doou o terreno onde hoje fica o cemitério. Foi a influência paterna que o guiou primeiro ao trabalho com couro e à poesia; ao longo da vida, ele somou funções e ofícios, mantendo e reinventando tradições sertanejas: seleiro, trovador, pintor, seresteiro, cordelista e bacamarteiro.
Autodenominado “Escravo do Amor”, alcunha nascida de um verso que pegou de imediato, Beto é pai de 11 filhos e hoje trisavô. Carrega também a queixa do desamor vivido: “Fui tão romântico, amei intensamente, me entreguei por completo e, hoje, não tenho um amor”, confessa, com a mesma poesia que despeja em suas rimas.
Celebrado por sua comunidade como um mestre das tradições, Beto ainda espera o reconhecimento oficial que, segundo quem o conhece, lhe cabe por direito. Enquanto isso, segue fazendo arte com as próprias mãos, inclusive a última casa que construiu para si, e convidando todo mundo para a festa que, garante, terá lugar marcado.