Coluna de Kessiane Lopes
Expoente da chamada literatura distópica, “1984”, de George Orwell, suscitou, ao longo dos anos, um sem-número de reflexões sobre política, filosofia, antropologia, psicologia, psicanálise, tecnologia, sistema de classes, sexualidade, amor, controle da mente, lealdade e linguagem.
Além desses temas, a obra também nos faz refletir acerca das ideias de direito e de justiça e alguns de seus desdobramentos: direito à informação, à privacidade, liberdade de expressão e democracia.
A estória é protagonizada por Winston Smith, que trabalha no “Ministério da Verdade” e cuja função é, basicamente, alterar fatos e informações escritas em quaisquer meios de comunicação que estejam em desacordo com a narrativa oficial do Partido.
“1984” ratifica que todos os regimes totalitários utilizam, como principal arma de controle e dominação do povo, a manipulação da informação ao gerar e modificar, intencionalmente, notícias, dados e até mesmo fatos históricos com o fim de alinhá-los às suas ideologias.
Assustadoramente atual, a obra nos remete ao poder deletério das fake news e como ele adquiriu contornos mais fortes com a popularização das redes sociais.
Apesar de não ser algo novo, a disseminação de notícias falsas ganhou destaque sobretudo, nas eleições presidenciais de 2016 dos Estados Unidos.
De lá pra cá, observou-se que as fake news são uma ameaça real à democracia – mesmo àquelas já consolidadas – pois foram capazes de influenciar de forma contundente no resultado do processo eleitoral daquele país.
Trazendo para a recentíssima História, a Ciência trava uma batalha diária na guerra contra as informações falsas acerca da vacina e de outros métodos de prevenção à COVID-19.
Vivemos no paradoxo da informação: ao tempo em que os meios de se informar são multiplataforma e estão cada vez mais acessíveis, assistimos à enxurrada de falseamento da realidade, o que tem tornado a população gravemente desinformada.
O ponto principal do problema reside na velocidade e na escala que as fake news alcançam: antes, era necessário sentar-se para assistir a um telejornal ou folhear uma revista ou um jornal impresso.
Hoje, a “informação” chega em grupos de aplicativos de mensagem e em outras redes sociais, geralmente enviada ou postada por alguém por quem você tem muito respeito e carinho e, obviamente, aquela pessoa não estaria mentindo para você.
Esse fenômeno está diretamente ligado ao da “pós-verdade”, que parte do princípio de que não há fatos incontroversos ou inquestionáveis, mas apenas versões e narrativas.
As evidências (até mesmo as científicas) são suplantadas por crenças: as quais ganharam um nome curioso – “fatos alternativos”.
Diante desse cenário, vemos não só a democracia em risco; mas também a liberdade de pensar para além do que está oficialmente posto.
Democracia e liberdade de expressão e de pensamento são interdependentes: uma não existe sem a outra.
Ao contrário do que se propaga, o mundo não enfrenta problemas atuais, mas sim agravamento de problemas antigos.