A Revista Alagoana conversou com Rita Lins, para entendermos o compromisso da arte bonequeira com contação de histórias na seara inclusiva, educativa e transformadora nos baixinhos
Por Maryana Carvalho com supervisão de Bertrand Morais
Quando se é criança, uma das primeiras coisas que se aprende é falar. Depois, a brincar; a brincadeira da imaginação. Os bonecos se tornam marionetes nas mãos pequenas daquelas que criam histórias e dão vida aos personagens inanimados. Neste Dia das Crianças e da Leitura, a Revista Alagoana entrevistou Rita Lins, ou Ritoca, como é conhecida artísticamente.
Atriz, roteirista, produtora cultural, artista plástica, bonequeira, arte-educadora e contadora de histórias, seus projetos unem arte cênica, visual e artesanato, aproximando a educação da expressão artística. Para Rita, a arte contribui para o desenvolvimento da leitura – não apenas da escrita, mas também da leitura do mundo. Ao manipular bonecos e contar histórias, a criança aprende a ouvir, imaginar e compreender o que a cerca. Na entrevista, Rita fala sobre o papel da oralidade, da arte bonequeira e da contação de histórias na formação de novos leitores, especialmente, os mirins.
R.A: A contação de histórias é uma forma de transmitir conhecimento. Como você enxerga essa tradição na era digital, especialmente quando o público infantil está cada vez mais imerso nas telas?
A contação de histórias é uma arte ancestral que atravessa o tempo, ela ensina, encanta e aproxima pessoas. Na era digital, essa tradição não se perde, mas se transforma. As telas podem ser novas janelas de encantamento, desde que a tecnologia esteja a serviço da sensibilidade. O essencial continua o mesmo: a conexão entre quem conta e quem escuta, o brilho nos olhos, a imaginação que desperta. O contador de hoje é uma ponte entre o humano e o digital, mantendo viva a magia da palavra em qualquer cenário.
R.A:. Como a leitura ajuda no desenvolvimento cognitivo das crianças?
Ler é muito mais do que juntar letras, é abrir janelas para o mundo. Quando uma criança lê ou ouve uma história, ela exercita a mente, a imaginação e o coração. A leitura ajuda a pensar melhor, a falar com mais clareza, a sentir com mais empatia. Cada página lida fortalece o cérebro e desperta novas formas de ver a vida. Por isso, ler com uma criança é um ato de amor e de construção de futuro.
R.A: Quando se é criança, há uma facilidade em criar histórias, especialmente por meio de bonecos e bonecas que ganham vida como personagens imaginários. Qual a importância desse processo na infância e de que forma ele pode influenciar na vida adulta?
Quando uma criança dá voz a um boneco, ela não está apenas brincando, está criando mundos. Nas mãos pequenas, o boneco ganha alma, fala e sentimentos. É ali que nasce a imaginação, o afeto e o desejo de transformar. Brincar de inventar histórias é o primeiro passo para aprender a sonhar acordado. E quem aprende isso na infância, leva para a vida a coragem de criar, reinventar e se expressar com o coração.
R.A: Partindo desse princípio, você também trabalha com o Teatro de Mamulengos, arte manual que dá vida a bonecos. Muitas vezes, o primeiro contato da criança com a narrativa não é por meio de livros, mas sim da voz. De que maneira a experiência sensorial de assistir a arte do mamulengo ganhar vida, com seus gestos, vozes e texturas, cria na criança uma curiosidade de buscar as páginas de um livro?
O mamulengo fala antes das letras. Sua voz brinca no ar, suas cores dançam nos olhos da criança. Ali, no movimento do boneco, nasce o primeiro encantamento pela palavra. Antes de ler, a criança escuta e é nessa escuta que o livro começa a germinar. O boneco vive, fala, ri e a criança quer saber mais. Então, um dia, ela abre um livro e reconhece ali o mesmo sopro de vida que ouviu no mamulengo. E assim, o que começou como brincadeira vira caminho. A voz do boneco se mistura à voz da imaginação, e a criança descobre que pode ser autora também. Cada história que ela ouve, cada boneco que ganha vida, é uma semente plantada no coração.
Mais tarde, essas sementes florescem em palavras, desenhos, sonhos e livros. Porque o mamulengo ensina o que há de mais bonito: Que toda história nasce do encanto e que quem escuta com o coração, um dia, também aprende a contar.
R.A: Você também trabalha com Acessibilidade Cultural. Como a contação de histórias e o Teatro de Mamulengos podem ser mais inclusivos para diferentes públicos? De que forma prática você pensa e executa a acessibilidade em seu trabalho?
Nosso teatro não é só para ver ou ouvir, é para sentir com o corpo e o coração. Cada boneco que ganha vida, cada gesto e cada palavra, é pensado para que todas as crianças e pessoas possam participar. Temos Libras, audiodescrição, texturas para tocar, espaços acessíveis… tudo para que ninguém fique de fora.
Além disso, meu trabalho também se conecta à sustentabilidade. Os mamulengos que confecciono nascem da reciclagem e da reutilização de materiais, preservando a consciência ambiental e mostrando que a arte pode transformar não só pessoas, mas também o que seria descartado. Assim, cada boneco carrega uma história dupla: a do personagem que representa e a do gesto de cuidar do planeta através da criação.
Acredito que a verdadeira magia da história acontece quando todos — de diferentes idades, corpos e modos de ver o mundo — conseguem se encontrar nela, imaginar, rir, sonhar e criar juntos.
R.A: De que forma a arte pode se tornar uma ferramenta de expressão, pertencimento e transformação nesses contextos?
A arte é uma ponte que nos conecta com nós mesmos e com os outros. Com cada história contada, cada boneco que ganha vida, podemos expressar o que sentimos, imaginar mundos e compartilhar sonhos. Ela nos faz sentir que pertencemos, que nossas vozes importam e que todos têm espaço para criar. E, aos poucos, a arte transforma, muda olhares, desperta empatia e nos lembra que somos capazes de inventar, sonhar e agir. Porque quando todos se encontram na história, todos se tornam protagonistas da própria vida.
R.A: Por fim, neste Dia Nacional da Leitura e das Crianças, que mensagem você deixaria para educadores, artistas e famílias sobre a importância de cultivar o hábito da leitura desde cedo, não apenas com livros, mas com voz, gesto e imaginação?
No Dia Nacional da Leitura e das Crianças, lembramos que ler vai muito além das páginas de um livro. Ler é ouvir, sentir, imaginar e criar. É a voz que dá vida às histórias, o gesto que transforma um boneco em personagem, a imaginação que constrói mundos inteiros.
Educadores, artistas e famílias: sejam portas e janelas para a leitura. Contem histórias, escutem os sonhos das crianças, brinquem com palavras, sons e cores. Cada história compartilhada é uma semente plantada de curiosidade, de empatia, de criatividade e de amor pelo saber. Cultivar o hábito da leitura é, acima de tudo, cultivar o encantamento pela vida. Porque crianças que ouvem, sentem e imaginam hoje, serão adultos capazes de sonhar, criar e transformar o mundo amanhã.