Por Luís Laércio Gerônimo
O filósofo empirista do séc. XVII, Francis Bacon, jamais imaginou o que seria séculos mais tarde a era digital, mas descreveu com precisão o cenário que hoje sustenta a influência midiática. Em sua obra Novum Organum (1626), Bacon elencou quatro tipos de ídolos, que em sua concepção serviam de bloqueio e impedimento à mente humana, para se chegar ao conhecimento verdadeiro. São eles: ídolos da tribo, da caverna, do teatro e do mercado.
O mundo é uma aldeia global, totalmente conectada, e nessa conexão a comunicação tem ganhado força com essa nova profissão: influencers digitais. Entre os “ídolos do entendimento” de Bacon, são os do Mercado ou do Foro os que mais se aproximam dos influencers digitais, por apropriarem-se da linguagem para validar informações como se fossem verdades absolutas.
E na era digital a linguagem é produto, estratégia e moeda. Através de uma linguagem fácil e acessível, esses profissionais quebram barreiras entre o emissor e receptor, conquistando milhares de seguidores que passam a cultuar esse ídolo virtual. E isso traz uma imensa responsabilidade, pois provoca em seus seguidores uma espécie de espelho social.
Os influencers, figuras centrais dessa economia simbólica, transformaram a linguagem em mercadoria, em um grande balcão de negócios; diante do poder de autoridade que obtêm dos seus seguidores, muitas vezes se arriscam em trilhar por diversas áreas sem nenhum conhecimento específico, emitindo opiniões, experiências, jargões, que aos olhos e ouvidos dos seus seguidores tornam-se dogmas.
Não se trata apenas do que dizem, mas de como dizem: frases curtas, slogans emocionais, narrativas prontas, códigos que se repetem até virarem verdade aparente. E é aí que mora o perigo, pois o valor está menos na precisão, na exatidão e veracidade dos fatos, mas sim no impacto, na persuasão — exatamente o tipo de distorção da realidade que Bacon identificava como porta de entrada para ilusões coletivas.
Por mais paradoxal que seja, no fundo, não são os ídolos que se constroem: somos nós que os construímos, repetindo padrões antigos sob novas plataformas.
Os ídolos do “mercado” que Bacon conheceu e criticou no passado hoje viraram marketplace de atenção. Likes substituem argumentos racionais; engajamento e popularidade substituem autoridade. A clareza dá lugar à superficialidade, a velocidade à profundidade, ao entretenimento.
Os atuais “ídolos do Mercado” são frutos da construção popular, personagens criados espontaneamente ou fabricados no encontro entre carência e consumo, entre identificação e espetáculo.
Muitas vezes a pessoa real, a que está por trás dessa fabricação, importa menos do que o personagem que a multidão decide enxergar. E, como toda construção coletiva, esse ídolo digital pode ter uma elevação astronômica — mas também pode ser derrubado com a mesma velocidade.
Como dizia o filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso, “a estrada para cima é a mesma para baixo”. Não por acaso, assistimos a ascensões meteóricas e quedas igualmente rápidas. Basta um deslize verbal, uma frase orgulhosa demais ou uma narrativa mal alinhada com a vida real para que um influenciador(a), bastante admirado, possa colapsar diante da própria construção simbólica.
Tomemos como exemplos Babal Guimarães e Hytalo Santos, ambos queridíssimos pelo público brasileiro e com milhares de seguidores nas redes sociais. No entanto, recentemente enfrentam um processo de queda na reputação pública devido ao envolvimento em escândalos. Hytalo Santos e Babal Guimarães ilustram muito bem como o desalinhamento entre quem se é e quem se encena pode ser devastador.
O fenômeno dos influencers digitais revela algo mais amplo: estamos consumindo comunicadores que dominam o jogo das palavras, mas nem sempre o sentido delas. A influência digital depende da aparência de autenticidade, da repetição de virtudes e da produção de personagens moralmente convenientes.
A performance importa mais do que o conteúdo. A imagem supera a coerência. O palco substitui o pensamento.
Mas vale ressaltar que o universo digital não se sustenta apenas em narrativas de tropeço, como nos casos de Babal e Hytalo Santos. Há também o lado luminoso dessa mesma lógica, representado por figuras como Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra, que transformaram a exposição em oportunidade, negócio e identidade pública. Aqui, a visibilidade não derruba — impulsiona.
No geral, são exemplos de como a mesma engrenagem que destrói também pode construir, dependendo da forma como cada um administra a própria imagem, lida com o público e converte atenção em propósito. Se uns revelam os riscos da incoerência entre vida privada e pública, outros mostram a potência de uma presença digital consistente, estratégica e bem conduzida.
Em síntese, a influência digital é menos sobre quem fala e mais sobre o modo como a fala é consumida. Bacon lembraria que o erro nasce quando confundimos aparência com essência. Heráclito acrescentaria que nada permanece — nem a glória, nem a imagem, nem o personagem. O feed, afinal, é apenas o espelho moderno do fluxo eterno.
No fim, permanece uma questão que nenhum algoritmo consegue responder por nós: o que nos leva a erguer — com tanta facilidade — figuras que desmoronam ao primeiro choque com a realidade?
Talvez, mais do que observar a ascensão e a queda dos outros, caiba a cada um de nós refletir sobre por que continuamos a confundir performance com verdade, narrativa com caráter, aparência com essência. O convite é simples, mas exigente: que cada leitor pare, por um instante, para pensar não apenas nos ídolos que caem — mas no tipo de atenção que os sustenta.
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