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Projeto Ruptura expõe drama de anos da mineração em quatro bairros de Maceió

Texto de Anna Sales

Projeto Ruptura expõe drama de anos da mineração em quatro bairros de Maceió

Bairros Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Bom Parto acumulam ruínas e casas vazias, com famílias forçadas a se mudarem

Maceió, 1941. Uma empresa vem em busca de petróleo às margens da Lagoa Mundaú, a mando do Conselho Nacional do Petróleo, criado durante a época em que Getúlio Vargas era presidente do Brasil. O petróleo não foi encontrado, mas outra descoberta importante foi feita: um leito de sal-gema, na região do bairro do Mutange, que é beirado pela Lagoa Mundaú.

Apesar disso, as empresas não deram valor à descoberta. Mas o empresário baiano Euvaldo Luz viu potencial na exploração. Porém, apenas em 1965 ele pôde começar os estudos geológicos, pois anteriormente a concessão para exploração era de um grupo internacional. Em 1966, surge a Salgema Indústrias Químicas Ltda, mas apenas dez anos depois, em 1976, é que o material começa a ser explorado. Uma fábrica para extrair a sal-gema e transformá-la em cloro e soda cáustica foi criada no bairro do Pontal da Barra.

Desde então, a Salgema passou por duas mudanças: em 1996, com a mudança de administração, passou a se chamar Trikem. E em 2002, a Trikem se funde com outras empresas e passa a se chamar Braskem. A Braskem hoje conta com a Petrobrás e a Odebrecht como sócias majoritárias.

Fevereiro de 2018. Após fortes chuvas ocorridas em Maceió, misteriosas rachaduras começaram a aparecer em casas e prédios no bairro do Pinheiro, que fica na parte alta da capital. Geólogos e engenheiros começaram a estudar o que poderia ter causado essas rachaduras em diversos pontos do bairro. Em março, novas chuvas e mais um susto: um tremor de terra de magnitude 2,5 foi sentido no Pinheiro e em dois bairros próximos: Bebedouro e Farol.

Um ano depois, em 2019, os bairros do Mutange e Bebedouro, que são vizinhos ao Pinheiro, começaram a apresentar rachaduras em várias residências. E em julho do mesmo ano, moradores do Bom Parto, que também é próximo desses bairros, denunciaram o aparecimento de rachaduras em algumas residências. Após diversos estudos feitos pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e pela Defesa Civil, foram identificadas três principais fissuras, cada uma com cerca de 1,5 km de extensão, afetando 2.480 moradias somente no Pinheiro. Estudos da CPRM concluíram que a extração de sal-gema, feita pela mineradora Braskem, na região onde existiam falhas geológicas provocaram a instabilidade no solo.

Apesar dos estudos, a Braskem não acreditava ser responsável pelo problema. Mas uma charge de 1985, feita pelo jornalista Ênio Lins e uma reportagem dos ainda estudantes de jornalismo, Mário Lima e Érico Abreu, já alertavam para o problema da extração da sal-gema. A empresa Salgema mostrou à época aos estudantes que quando se extrai o sal das cavernas subterrâneas, elas ficavam vazias e eles colocavam água para encher, mas com o tempo, poderia haver movimentação e abalos sísmicos.

De 2018 até 2021, diversas casas e prédios foram desocupados e alguns foram demolidos nos quatro bairros afetados pelas rachaduras. Um mapa com as áreas para desocupação e de maior risco foi criado, e a cada novo estudo, a área a ser desocupada só aumenta. 15 poços para a exploração da sal-gema que ficavam nos bairros foram desativados. A Braskem realizou um programa de compensação financeira e apoio à realocação, mas alguns moradores dizem que não receberam a indenização ou o valor foi baixo. As ruas parecem pertencer a um bairro fantasma ou a um cenário de guerra. Em várias paredes das casas que foram desocupadas, há palavras que expressam a dor e a revolta de famílias que viviam há anos nos bairros.

A partir dessa inquietação, surgiu o Projeto Ruptura, que é formado por 12 fotógrafos alagoanos, dentre eles, três fotógrafas diretamente impactadas pelo problema com as rachaduras. A ideia partiu da fotógrafa Andréa Guido, moradora do bairro do Pinheiro, que sugeriu ao fotógrafo Jorge Vieira que ambos encabeçassem um projeto que mobilizasse fotógrafos que quisessem documentar a tragédia socioambiental, que está em curso nos quatro bairros. Inicialmente, as fotografias foram expostas em lambe-lambe em dois pontos estratégicos: na Praça Lucena Maranhão, em Bebedouro, e na Rua José da Silva Camerino, no Pinheiro. “Queríamos que as imagens estivessem ao alcance dos olhos dos passantes, num acesso democrático e fácil, e sabíamos que a foto impressa provoca uma interação mais emocional em quem a vê. No site, por sua vez, além das fotos que estão nas vias públicas, também expomos informações sobre os fotógrafos envolvidos, e suas impressões como participantes do projeto, o que enriqueceu o Ruptura.”, conta Jorge Vieira.

No início de 2019, Jorge Vieira tinha realizado um projeto chamado “Pinheiro – bairro de vidas rachadas”, no início do agravamento das rachaduras, que ainda estavam restritas ao bairro do Pinheiro. “Ainda não havia desocupações, então apenas anunciadas, e a abordagem fotográfica foi em torno dos dramas familiares, e sua perspectiva de terem que se afastar dos parentes, dos amigos, dos vizinhos de tanto tempo, daí o título “vidas rachadas”. Os moradores ainda não tinham noção exata da dimensão que o problema tomaria, com a total remoção de todos das áreas atingidas. Este quadro foi o encontrado quando da realização do projeto “Ruptura” que, além do Pinheiro, envolveu os bairros do Bom Parto, Mutange e Bebedouro. Nesse momento, o cenário foi bem mais desolador, com moradias em escombros, pontos comerciais fechados e muitos moradores já removidos. Encontramos muitas marcas das vidas deixadas para trás. O impacto imagético teve uma dimensão muito maior, com o registro dos sonhos abandonados, das saudades esquecidas, dos rumos incertos.”, conta.

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