Quando o amor vira espaço cultural: casais que transformam afetos em resistência

 

Texto de Esmeralda Donato com supervisão de Lícia Souto 

 

No Dia dos Namorados, conheça histórias de amor que florescem entre livros e música, em projetos culturais tocados a duas mãos em Maceió.

Em um país onde falar de amor também é um gesto político, quatro jovens alagoanos decidiram que amar seria criar. Criar espaços, encontros, redes, poesia. Erika e Richard, fundadores da Livraria independente Novo Jardim e Natasha e Fábio, integrantes da banda Fita K7, vivem o amor não apenas como casal, mas como movimento.

Em meio às urgências sociais, os casais construíram, com as mãos e os sonhos, projetos culturais que resistem onde o Estado se ausenta: nas periferias, nos bairros altos de Maceió, nas brechas do mercado cultural. Neste Dia dos Namorados, suas histórias lembram que é possível amar e transformar o mundo ao mesmo tempo.

Onde o amor também é resistência

No conjunto residencial Novo Jardim, na parte alta de Maceió, nasceu um espaço onde o amor e a literatura se entrelaçam de maneira profunda. Criada por Érika e Richard, a Livraria Novo Jardim é mais do que um ponto de venda de livros — é um gesto de resistência cultural, uma extensão da história de amor que os uniu, e um território afetivo onde encontros, saraus e sonhos florescem entre estantes.

A livraria surgiu do desejo do casal de criar aquilo que eles mesmos sentiram falta durante a infância e juventude: um espaço literário acessível, acolhedor e enraizado no bairro. “A livraria Novo Jardim é resultado de uma inquietação minha e do Richard, tanto pessoal quanto social”, conta Érika. Vindos de famílias da classe trabalhadora e unidos pela paixão pela literatura durante o curso de Letras, os dois enxergaram na ausência de espaços culturais na parte alta de Maceió um chamado para agir: “Essa ausência está ligada a questões políticas, porque nossa cidade tem uma divisão socioeconômica muito forte. A parte alta, onde moramos, carece de acessibilidade cultural.” 

Inspirados por amigos de outros estados e motivados pela cena literária local, eles criaram uma livraria independente dentro de casa, batizando o projeto com o nome do conjunto onde vivem. O foco inicial era a literatura alagoana contemporânea, especialmente a produzida por amigos e amigas. “A livraria nasceu do nosso amor compartilhado pela literatura e pelo desejo de transformar nossa realidade”, resume Érika.

Mas a caminhada não é simples. Em um estado onde os índices de leitura estão entre os mais baixos do país, manter um espaço cultural é um ato de insistência e afeto. Para o casal, a livraria não é um empreendimento lucrativo no sentido tradicional, é uma construção coletiva de resistência. “Não gostamos muito quando nos chamam de empreendedores. A gente acredita que a arte precisa ser reconhecida como parte do processo de humanização.”

O que mantém o espaço vivo é a rede de apoio: leitores, artistas, autores e visitantes que tornam o lugar um ponto de afeto e troca. A cada sarau, lançamento ou encontro, o amor de Érika e Richard também se renova. “Mesmo quando estamos descansando, acabamos buscando cinemas, livrarias, encontros com amigos artistas. A gente conversa muito sobre a importância de manter o afeto vivo, de alimentar isso conscientemente”,  Erika. 

Na estante do casal, livros que marcam a trajetória afetiva estão sempre ao alcance: Callustote, de Milton Rosendo — presente de Richard no primeiro encontro —, Veludo Violento, de Natasha Tiné, e o clássico A Rosa do Povo, de Drummond, uma espécie de bússola afetiva que os acompanha.

A livraria também coleciona histórias de outros amores. “Já fizemos saraus de Dia dos Namorados, com músicas românticas dos Beatles, poemas, pessoas se encontrando ali. Alguns casais se formaram, outros se separaram… mas todos deixaram uma marca.” Para Érika, isso reflete o coração do espaço: um lugar onde ninguém vai sozinho: “É um espaço de afeto, de encontros, de resistência frente à dureza da vida em Alagoas. E acho que esse desejo de quebrar a rigidez da realidade é o que torna o lugar tão especial.”

Quando o amor tem trilha sonora: casal da banda Fita K7 une música e amor há uma década

Se para alguns o amor começa com uma troca de olhares, para Natasha e Fábio te ele nasceu de uma troca de acordes. Parceiros na vida e nos palcos, o casal à frente da banda alagoana Fita K7 comemora em 2025 uma década de estrada e de relacionamento. Tudo começou junto: a história de amor e o projeto musical, “Nós dois já tínhamos passado por alguns projetos musicais e, quando nos conhecemos, estávamos em um momento de pausa. Aí veio aquela ideia de unir o útil ao agradável… e nasceu a banda. Esse ano celebramos 10 anos de banda e 10 de namoro”, compartilha Natasha.

A relação entre eles é afinada também no palco. A vocalista descreve a experiência de dividir a cena com Fabinho como algo que vai além do romantismo: é uma conexão profissional, intuitiva e profunda. “Eu o admiro muito como músico, e sei que é recíproco. A gente se entende no olhar, no som. Funciona.”

E como toda boa trilha sonora de um casal, também existe uma música que simboliza o começo dessa história: Kiss Me, da banda Sixpence None the Richer, “Ela marcou o começo de tudo. Sempre que a gente toca, vem aquela sensação de reviver o início”, afirma. Foi com ela que tudo começou, o primeiro ensaio, o primeiro vídeo gravado, o primeiro registro da dupla em cena. Até hoje, quando tocam a música em algum show, a emoção se renova. 

Mas nem tudo são canções românticas e refrãos perfeitos. Conciliar a vida amorosa com os compromissos da banda exige diálogo, respeito e bastante maturidade emocional. O casal passa muito tempo junto: no palco, em casa, no planejamento de shows, bastidores e isso, segundo Natasha, exige cuidado constante, “Quando algo não vai bem, a gente para, tira um tempo para conversar. Já passamos por momentos desafiadores, mas sempre conseguimos reencontrar o equilíbrio”.

Para ela, a arte é um elo espiritual, uma missão que une os dois em algo maior. O palco não é apenas trabalho, é um espaço de expressão amorosa, parceria e reconstrução. E isso, talvez, seja a chave para manter a chama acesa: saber que estão juntos contra o problema, e não um contra o outro. “A arte potencializa esse laço. Traz leveza, significado, renovação. E o amor, quando é verdadeiro, encontra ali um espaço de expressão muito bonito.” Com dez anos de estrada e uma vida compartilhada no compasso da música, Natasha e Fabinho mostram que o amor, quando vivido em harmonia, é como uma canção bem construída: tem pausas, acordes tensos, refrãos marcantes — mas, no final, soa verdadeiro.

O amor como força cultural no dia dos namorados 

Mais do que celebrar o Dia dos Namorados com presentes e encontros, as histórias de Natasha e Fábio e de Érika e Richard mostram como o amor pode ser também uma ação cultural. Unir afetos e projetos artísticos cria espaços de troca, resistência e fortalecimento das comunidades locais.

Na livraria Novo Jardim, nos palcos da Fita K7 ou em qualquer outro espaço cultural de Alagoas, o que se vê é a construção coletiva que vai além da vida pessoal dos casais — é um movimento que potencializa a arte, a cultura e o vínculo social.

Nesse sentido, o Dia dos Namorados deixa de ser apenas uma data comercial para se transformar em uma oportunidade de reconhecer o papel do afeto como força criativa e transformadora. Afinal, amar também é construir, criar e fortalecer vínculos que sustentam sonhos e realidades.

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