Coluna de Aldine de Souza
Nova década: planejar, viajar, conhecer novas pessoas, ler outros teóricos, experimentar, praticar novas metodologias, assistir mais peças, aplaudir, terminar aquele curso, investir em mim, produzir, impulsionar minha vida profissional, viver intensamente… Ufa! Essa década entrará para a história! Janeiro foi incrível, fevereiro é carnaval, março terá apenas duas semanas de quarentena, nada mais que isso. Depois voltaremos às nossas rotinas, pensamos. Agora, nos deparamos com pessoas de máscaras, distanciamento social, novas regras de convívio e a grande espera pelos decretos do governo com suas flexibilizações. É! O corona congelou nossos planos!
Para um artista essa realidade é ainda mais dura. Parar um artista e impossibilita-lo de exercer sua arte é como manter um pássaro numa gaiola sem permissão para voar. O pássaro sabe que tem asas, ele lembra da sensação que é sentir atravessar o vento, ele se entristece, vai se adaptando aquela redoma que foi imposta, mas nunca esquecerá o quanto é excitante viver fora daquela grade. O artista é um pássaro. Precisa de liberdade. Neste momento, as cortinas estão fechadas, os ensaios foram suspensos, a bilheteria não está aberta e os aplausos foram banidos.
A arte alagoana está seca. Os atores estão à deriva. De repente uma luz na coxia, as pessoas começaram a frequentar shows dentro de suas próprias casas. Cômodo. Seria essa a solução? Será que para o público e, principalmente para os artistas, já bastaria? Bom, no início funcionou bastante. O entretenimento estava a um clique, ou melhor, a uma live. Todos os gostos, todos os estilos, todas as artes, há qualquer hora e dia, na palma da mão. Prático. A pandemia se estendeu, e o que antes era novidade, caiu na rotina de um público que já estava farto de tanta arte. Sarcástico. Bem irônico quando lembramos da realidade dos eventos da terra e o sufoco que a grande maioria dos artistas alagoanos passam para alcançar este mesmo público.
Enquanto isso, a quarentena se intensificava e já não tinha mais prazo para o término. No jornal, o bendito COVID-19 ficava cada vez mais famoso. A economia já estava afetada e os impactos iriam chegar sem piedade na classe artística. O que fazer? Silenciar ou se reinventar? “Reinventar!”, gritou Fulana! “Bora se reinventar, galera!”, falou Sicrana! “Tudo bem! Vamos nos reinventar!”, afirmou Beltrana. Por que os artistas não pensaram nisso antes? Essa sim é a solução. A partir daí, onda após onda, foi se espalhando a ideia do momento como inovação, ou melhor, como reinvenção. E o que significa isso mesmo?
Reinventar-se é buscar um antídoto decisivo contra o mais do mesmo, contra o desanimo, contra a apatia. É trazer soluções onde não há, é buscar caminhos… opa! Espera um pouco! O artista já não faz isso, não? Pedir para um artista se reinventar é cometer a redundância mais deplorável possível! O artista já se reinventa por si só. Ele sempre busca novas formas de atingir o público, de lotar a plateia, de divulgar sua arte. O artista sempre dá seus pulos e se vira nos trinta para pagar o evento e fechar o borderô. O artista é perseverante, ele cria e recria quantas vezes forem necessárias para externar, da melhor forma, seu ofício. E os artistas alagoanos possuem doutorado nessa atribuição do momento.
O artista alagoano se reinventa ao cubo. Primeiro é a reinvenção do insistir. Depois a reinvenção do existir. E, por fim, a reinvenção do resistir. Insistir, existir e resistir… Insistir, existir e resistir… é quase um mantra da sobrevivência artística, pois não é fácil, é uma realidade amarga. Para ser artista em Alagoas tem que entender que para viver da sua arte é preciso reinventar-se sempre e a todo momento, independente se há pandemia ou não.
Devemos frear essa onda frenética de atribuir o profissional da arte à várias reinvenções instantâneas. Repito, eles já fazem isso! Talvez nós é quem devêssemos nos reinventar! Sim! Por quê não? Podemos começar compartilhando o trabalho do artista da terra, por exemplo, comprar seu ingresso, frequentar shows ou espetáculos alagoanos… existem várias possibilidades de sair da mesmice. Portanto, não diga a um artista: “Se reinvente!”. É pleonasmo!