Elena Ferrante já provou ser uma das grandes vozes da literatura contemporânea, e A Vida Mentirosa dos Adultos reafirma seu talento em narrar as dores e contradições do crescimento. Depois de me apaixonar pela Tetralogia Napolitana, li Dias de Abandono e Um Amor Incômodo, mas este foi, sem dúvida, o livro que mais me empolgou desde A Amiga Genial.
A protagonista, Giovanna, está em uma fase de transição dolorosa: aquela em que a infância começa a se desmanchar e a realidade da vida adulta se impõe com todas as suas imperfeições.
Criada em um ambiente intelectual e aparentemente equilibrado, ela descobre que os adultos à sua volta mentem e escondem segredos que podem mudar sua visão de mundo para sempre.
A história se desenrola a partir de um comentário de seu pai, que a compara à tia Vittoria, uma figura enigmática e intensa, que vive afastada da família e carrega um mistério fascinante. Esse encontro com Vittoria leva Giovanna a uma jornada de autodescoberta, onde ela aprende a questionar não apenas sua família, mas também suas próprias emoções, desejos e lealdades.
A forma como Ferrante constrói os dilemas da protagonista me lembrou muito Lenú, de A Amiga Genial: ambas são mulheres inquietas, em constante conflito consigo mesmas, presas entre mundos distintos e pressionadas por expectativas familiares e sociais. O embate entre a alta intelectualidade napolitana e a realidadedos bairros populares é um dos pontos altos da narrativa. E a pulseira — esse objeto que passa de mão em mão ao longo da história — se torna um símbolo poderoso das relações de poder, desejo e traição.
O livro me prendeu do início ao fim, com a escrita envolvente e personagens que despertam sentimentos ambíguos. Gostei e odiei a Giovanna em vários momentos. O mesmo aconteceu com Vittoria, Andrea, Nella e todos os outros personagens que orbitam essa trama. Ferrante tem essa capacidade única de tornar seus personagens humanos, falhos, apaixonantes e irritantes ao mesmo tempo.
Agora, sobre o final… Não foi exatamente o que eu esperava. Poderia ter sido mais impactante, talvez mais fechado. Mas entendo o ponto da história: a vida raramente oferece finais redondos, e com aquela sensação agridoce de que terminei uma grande história, mas que ela continua vivendo dentro de mim. Ferrante tem essa habilidade única de nos envolver completamente, criando um universo tão real que sentimos falta dos personagens mesmo depois de virar a última página.
A leitura me fez refletir sobre o peso das palavras e das mentiras, especialmente dentro da dinâmica familiar.
Giovanna descobre que os adultos mentem o tempo todo — às vezes para proteger, às vezes para manipular, às vezes porque simplesmente não sabem lidar com a verdade. O título do livro não poderia ser mais adequado. Mas e os adolescentes? Eles também mentem, tentam se encaixar, se rebelam, se perdem e se reinventam. A narrativa de Ferrante nos coloca nesse turbilhão de emoções, explorando a adolescência sem romantizações.
Além disso, adorei como Nápoles continua sendo um personagem vivo na história, com sua dualidade entre os bairros intelectuais e a periferia, entre a cultura refinada e suas ruas. Essa ambientação faz com que a história ganhe ainda mais força, trazendo um pano de fundo cheio de contrastes que refletem os conflitos internos de Giovanna.
Se eu tivesse que destacar um aspecto que me deixou mais interessada, seria a relação entre Giovanna e Vittoria.
A tia surge como um furacão na vida da protagonista, trazendo consigo uma visão completamente diferente da família que Giovanna acreditava conhecer. É quase como se Vittoria fosse um espelho distorcido: ao mesmo tempo em que Giovanna teme se tornar como ela, há uma atração inevitável por essa mulher livre, intensa e imprevisível. A dinâmica entre as duas é fascinante e dá ao livro uma tensão constante.
No fim das contas, A Vida Mentirosa dos Adultos é uma leitura que instiga. Tem momentos de ternura, de raiva, de descobertas e de desilusões — exatamente como é crescer e perceber que o mundo dos adultos não é tão sólido quanto parece na infância.
Mesmo não amando o desfecho, acho que a jornada valeu cada página. Agora, sigo esperando A Filha Perdida para completar minha imersão na obra dessa escritora brilhante. Palmas para Elena Ferrante!
Observação para os não-leitores: A Amiga Genial já tem uma série aclamada no MAX, e logo mais A Vida Mentirosa dos Adultos será adaptada para a Netflix.