Texto de Anna Sales
Quatro filmes, sendo três produzidos e lançados de forma independente: Pornô (2016), A Noite Estava Fria (2017) e Vamos Ficar Sozinhas (2019). ‘Queima Minha Pele’ foi realizado graças ao edital da FMAC/ANCINE de 2019, e está em pós-produção, com estreia prevista para 2023. Esse é um pouco do trabalho do alagoano Leonardo Amorim, que é formado em Publicidade e Propaganda pela UNIT/AL e viu no cinema um meio de expressar a sua criatividade.
A Revista Alagoana entrevistou o diretor. Confira na íntegra:
R.A: Como surgiu o seu interesse por Cinema?
Leonardo: Eu sempre tive interesse em escrever e contar histórias. Mas foi quando assisti Django Livre com meus pais no cinema que o interesse pelo cinema despertou. Fui assistir outros filmes do Tarantino, que é esse diretor bem porta de entrada para cinefilia, e nas referências dele fui descobrindo outros diretores e movimentos, desde Nouvelle Vague e Neorrealismo Italiano até Cinema Novo e Mumblecore. Aí fui vendo mais e mais filmes até assistir ‘Hiroshima Meu Amor’, de Alain Resnais e firmar que eu queria fazer cinema pelo resto da vida.
R.A: Como surgiram as inspirações para os curtas?
Leonardo: Meus primeiros curtas se baseavam muito nas condições de produção, falta de orçamento. Tinha que usar locações que tinha acesso, com pessoas conhecidas, sabendo que não teria dinheiro para muita coisa. Então poucas cenas, poucos planos, histórias que se passam em um local único e isolado de imprevistos do mundo. Gostei desse aprendizado e acho bastante importante isso de pensar cinema a partir do que se pode fazer, e não do que gostaria.
R.A: O que mais te encanta no Cinema?
Leonardo: A organização dos elementos de uma imagem, as texturas e cores, a maneira que o corpo dos atores se movimentam no espaço, os gestos que fazem, seus sons, os rostos e as expressões, cortes entre um plano e outro, a emoção, a união de tudo isso.
R.A: Como é o processo de produção dos vídeos?
Leonardo: Os curtas independentes que realizei foram bem diferentes do último, que teve financiamento e um orçamento bem maior. Nos independentes eu senti que é tudo mais rápido, idealizar e filmar e pós produzir em 6 meses. É como se o dinheiro garantisse mais tempo, ainda que limite de outras formas, na estrutura da produção que é maior, mais rígida. Nos independentes também houve maior acúmulo de função, menos pessoas na equipe. Então foi um choque dirigir o Queima Minha Pele, é realmente uma virada de chave. Senti estar fazendo um primeiro filme de novo, e de certa forma precisando desaprender alguns hábitos dos anteriores e entendendo o que deve permanecer dessas experiências que me moldaram.
R.A: Qual a parte mais prazerosa e a mais difícil em criar os vídeos?
Leonardo: Entre as partes mais prazerosas: o set, ver as imagens sendo feitas, tudo se organizando para isso. E a montagem, ver o encadeamento, a maneira que os significados vão ser criados e organizados. A mais difícil: a espera entre a pré-produção e a produção. Sou muito ansioso, me senti mais incomodado com a ansiedade nesse tempo entre a pré e a produção do Queima do que no próprio set, para dar um exemplo.
R.A: Qual feedback você recebeu que mais te encantou?
Leonardo: Foi de um diretor daqui de Alagoas chamado Nivaldo Vasconcelos. Ele tinha visto meu primeiro curta em 2016, o Pornô, e depois viu o de 2017, o A Noite Estava Fria. A maioria das pessoas falam que preferem o segundo, mas ele me falou sobre como o primeiro tinha uma irreverência, uma energia bem mais potente. E eu concordo. Fiquei pensando nisso desde então, e foi o que levei comigo para o set do Queima Minha Pele.
R.A: Como é ‘fazer cinema’ em Alagoas?
Leonardo: Tem muita gente com sede e vontade de produzir, um setor que tem bastante gente talentosa e potencial para crescer e fazer a economia criativa girar. Mas para isso é necessário investimento público da prefeitura e do governo. É preciso que haja política pública. Só assim o cinema alagoano vai prosperar.
R.A: Como é produzir filmes com a temática LGBT?
Leonardo: Nos primeiros filmes havia uma vontade, um interesse em representar, de alguma forma subverter certos clichês. Foi também no auge do crescimento dessa movimentação identitária né? Ali na segunda metade dos 2010. Hoje eu sei que o que eu faço ainda reverbera nesse sentido, mas a maneira que eu lido com isso hoje mudou, porque a subversão disso também mudou. Eu não penso que estou fazendo um “filme LGBT” porque, hoje, isso parece limitar tanto o filme quanto essas identidades, existe um senso comum forte. Serve pra vender o filme só, as grandes redes amam poder dizer isso e não fazer muita coisa além pra causa. Acho que o problema hoje é isso, quando se pensa questões de gênero, sexualidade, raça, enfim. Porque quando se fala de representatividade é como se as pessoas se contentassem com aquilo que um comercial de cerveja, de banco faz. E quando chega na publicidade, quando a arte e ela estão alinhadas, tem algo bem errado aí, bem raso, bem pobre. Teu filme, tua arte, tem a mesma mensagem que um pôster em um shopping? Já deixou de ser subversivo, virou vitrine.
R.A: Você acha que seu público é mais LGBT ou não tem muito essa diferenciação?
Leonardo: Acho que meu público é o do cinema brasileiro, cinema alagoano. Que é um nicho de pessoas, já que o cinema brasileiro é estrangeiro no seu próprio país. Esse público tende a ser progressista, se interessar por questões sociais que atravessam questões de identidade também, então não poderia afirmar que ele é LGBT, mas diria que com certeza está consciente disso.
R.A: Você acredita que, de um modo geral, o cinema alagoano tem sido representativo?
Leonardo: Das pessoas que existem, dos grupos minoritários que compõem Alagoas, diria que cada vez mais, aos poucos. Mas dentro disso me interessa mais outra coisa: que para além de questões temáticas, filmes sejam produzidos por essas minorias, que elas recebam dinheiro para trabalhar e se expressar, sem uma demanda delas se representarem. É essa a verdadeira paz, poder produzir o que quiser sem que a arte tenha que estar a serviço de algo ou alguém. Um movimento que James Baldwin fez quando escreveu Quarto de Giovanni. Durante o ápice da movimentações dos direitos civis, movimento negro, ele decide escrever um livro que se passa em Paris focando em dois homens gays. Tem algo de muito poderoso nisso, nesse gesto. Exala uma liberdade das demandas dos outros, uma liberdade de si até. É o que sinto falta no cinema alagoano, brasileiro, mundial.
R.A: Quais são as melhores experiências de set que você viveu?
Leonardo: Consigo lembrar de momentos pontuais em outros filmes, como um momento em que, encerrando os planos de uma cena em um terreno baldio, percebemos que o sol estava se pondo de uma forma específica e que ficaria muito bonito pegar um close do ator, um plano não planejado. Aí a equipe ganhou energia de novo e correu pra filmar. Além disso, acho que de todos os sets que participei tenho felicidade de dizer que o do Queima Minha Pele foi meu favorito. Nem sempre se pode dizer isso dos próprios filmes, ainda mais quando eu lembro da turbulência e velocidade para gravar o A Noite Estava Fria e o Vamos Ficar Sozinhas em uma noite. Na última diária do Queima tinha uma leveza no set, uma descontração, que eu gostei muito. Tudo fluiu. Quero tentar fazer todas as diárias do próximo filme serem assim.
R.A: Quais são suas expectativas em relação ao trabalho daqui para frente?
Leonardo: São bem positivas e otimistas, e ao mesmo tempo parecem simples. Conseguir continuar fazendo. Trabalho chama mais trabalho, e além dos meus filmes venho trabalhando mais nos filmes dos outros, o que me deixa muito feliz e espero que aconteça mais também. Continuar fazendo, é o que eu espero e é o que eu acho que vai acontecer.