‘Sem poesia e música a gente não é nada’: Show ‘Segunda Navegação’, de Chico Torres, celebra a presença feminina na mistura de expressões artísticas em Alagoas
Apresentação de Chico Torres teve diversas parcerias, enaltecimento da poesia e o papel da mulher alagoana em seu disco de estreia.
Sabe aqueles grafites da Monalisa com óculos escuros nas ruas de Maceió, as esculturas que misturam a negritude com a cultura dos povos indígenas ou as batalhas de slam nas periferias do estado? Elas são diferentes maneiras de falar para a população de um problema, enaltecer a sua arte ou apenas transmitir, sob outros pontos de vista, a visão da realidade.
A poesia, em sua grande parte, possui escritas rebuscadas – para muitos, sem nexo. Essa é uma das maneiras de enxergar o mundo, e o mesmo ocorre na música. Nesse caso, o sentimento e o olhar são conduzidos para um “lúdico real”: A fantasia, em que instrumentos criam ambientes para cada sensação transmitida, se mistura à realidade do compositor. Para Chico Torres, instrumentista e produtor alagoano, elas têm muitas características em comum.
Entrelaçando duas expressões artísticas, o artista iça a vela do barco e embarca junto ao público em um show repleto de emoção do seu mais recente álbum Segunda Navegação no Teatro de Arena, em Maceió. Chico celebra a arte alagoana através de poesias cantadas em colaboração com artistas femininas do estado.
Poesia alagoana e seu impacto no show
Créditos: Vitória Romeiro
Quando duas formas de expressar vivências se unem, há uma nova maneira de enxergar ambos os trabalhos, e Chico Torres leva o título Segunda Navegação ao pé da letra. O show é uma nova maneira de interpretar a poesia, sobretudo alagoana, através da música.
Grande parte das poesias usadas para compor o álbum são de mulheres alagoanas, que trouxeram esse universo através do lirismo dos textos e da sensibilidade que transbordava de cada verso e da natureza como cerne.
Bárbara Castelões, cantora e compositora alagoana, destaca como a poesia é uma maneira de evidenciar experiências do estado e local onde nascemos.
“Em muitos momentos da minha vida, quando me sinto perdida e sozinha, ver algo escrito que traduz exatamente o que estou sentindo é muito forte. Às vezes, a gente acredita estar completamente isolada naquele sentimento — e, de repente, um poema coloca isso em palavras. Isso caminha comigo, e ter essa experiência vinda de pessoas daqui, de Alagoas, que nasceram onde eu nasci, só intensifica essa sensação. Acho que tudo isso reforça a importância da poesia na minha vida, em quem eu sou e no que eu faço”, disse.
A poesia tem o lado sentimental e próximo para quem lê, e isso é visto na apresentação do Teatro de Arena, em Maceió. Chico, em momentos mais intimistas do show, conta relatos de poetas que consomem apenas a versão musical de seus próprios textos.
Créditos: Vitória Romeiro
A nova experiência traz a sensação para além da leitura e compreensão dos signos. Se une a uma sonoridade leve, com referências ao MPB e música alagoana. O artista conta os desafios para ressignificar a poesia para a musicalidade sem mudar a essência dos autores.
“Desafiei-me a pensar que esses poemas não tinham sido feitos para virar música. O desafio foi justamente encontrar a música que existia neles. Esse processo aconteceu no contexto da pandemia, quando eu estava isolado. Por isso, acho que todo esse show é muito poético. Não apenas no sentido de sensibilidade ou lirismo, mas no sentido do texto em si. Eles foram criados sem a intenção de serem música, mas que acabam ganhando uma segunda vida”, conta.
As grandes mulheres que cantam Chico
Créditos: Vitória Romeiro
Apesar de existirem ótimos artistas homens, não há como negar a forte presença feminina na música. Suas vozes encantam como sereias que passeiam ao lado de embarcações e são fundamentais na construção criativa do Segunda Navegação. O álbum tem todas as suas faixas cantadas por mulheres alagoanas de diferentes estilos vocais e musicais. Do agudo ao grave, do MPB ao forró. Há espaço para todas!
Em parceria de longa data com Chico, Bárbara Castelões é a voz por trás de quase todas as faixas apresentadas na setlist do show. Com seu grave imponente e cheio de carga emocional, a cantora performou músicas do projeto principal, mas também houve grandes momentos para enaltecer sua discografia com o EP Eclíptica e a faixa “Brasa”, lançado em 2022. Além disso, “Magma”, parceria inédita da dupla, foi cantada no Teatro de Arena.
Bárbara destaca a importância da parceria com Chico Torres em sua carreira e como a amizade dos dois levou-a para novas oportunidades na carreira.
Créditos: Ewerson Soares
“A minha amizade com o Chico me permitiu explorar algo que eu sempre gostei e sempre senti que fazia parte de mim. Mas foi com ele que pude vivenciar isso, de fato, pela primeira vez. Foi assim que encontrei, aqui em Maceió, pessoas que acreditam muito no meu trabalho. Também foi muito massa ter a experiência de pegar outras músicas do álbum, que eu gosto muito, e interpretá-las do meu jeito. No fim, misturamos com as músicas do Eclíptica, que são nossas, músicas que temos muito no coração. Apesar de terem sido feitas em épocas um pouco diferentes, senti que tudo se encaixou muito bem”, explica.
Outras mulheres cantaram junto a Chico Torres na noite do último sábado (9). Entre elas, May Honorato foi destaque ao cantar “Noite de São João”, parceria presente no Segunda Navegação. A faixa é um forró lento – para dançar agarradinho – marcado por batidas e o clássico som da sanfona, enquanto a voz límpida e aguda de May ecoava no Teatro de Arena.
Já Lucy Muritiba cantou seu novo lançamento, “De Ciranda em Ciranda”, a parceria é composta por Chico. A música é um rito, uma mensagem sobre uma jornada de autoconhecimento e compreensão do mundo além de sua terra, Maceió.
Créditos: Ewerson Soares
Ao atracar na saída do Teatro de Arena, a sensação é de deitar após nadar sobre as águas da praia de Pajuçara. O evento ‘Segunda Navegação’ é magnético, quente e cheio de vida. A proximidade de Chico e Bárbara aos fãs, amigos e familiares marca a trajetória de ambos como compositores de destaque em Alagoas.
Não apenas saímos com um show marcante, mas ficamos em uma casa acolhedora, com momentos íntimos com cada telespectador, instrumentista e produtor que estavam presentes. Foi lindo.