Coluna de Madson Costa
A ciência antropológica deriva de um longo processo histórico, o qual pode datar o período das Grandes Navegações, ou Era do Descobrimento, no século XV. Este período marca a chamada pré-história da antropologia, dado que eram as crônicas de viagens, cartas de exploradores e tratados que caracterizavam o método de construção do saber antropológico. A exemplo disso, a carta do escrivão-mor Pero Vaz de Caminha (1450-1500) para a corte real portuguesa, a qual retratava as características dos habitantes do Brasil na época. Nesse sentido, o objeto de estudo da antropologia é a alteridade do outro em relação ao eu e, numa primeira instância, a construção da análise dessa alteridade deu-se por relatos durante a Era Colonial (1400-1700).
Essa primeira fase da antropologia é marcada pela recusa e fascinação do outro, em uma época em que o padrão europeu encontrava outros padrões de vida opostos ao seu. Assim, da recusa e fascinação surge o mito do bom selvagem, aquele que liga indivíduos de sociedades da natureza à ideia de inocência e primitividade, e do selvagem como bárbaro, aquele que é atrasado em relação aos preceitos de desenvolvimento europeu. Desse modo, os primeiros debates da antropologia cerceiam como interpretar o outrem em relação ao eu-sujeito-europeu, ao passo que também se constrói como forma de afirmação ideológica em um período de expansão e dominação colonial. A exemplo disso, A Partilha da África (1885), evento onde potencias europeias dividiram o continente africano entre si, baseados numa ideia de superioridade e determinismo biológico e geográfico.
Nesse ínterim, buscou-se aprender como dissecar a dimensão completa do homem e sua alteridade, dentro desse quadro, a antropologia tratou de subdividir-se em nichos que enfocassem em áreas específicas, como a antropologia biológica, social, cultural e a arqueologia. Cada ramo enfocava num aspecto primordial, o biológico enfoca na evolução e variações genéticas, ao passo que o social visa analisar as relações de um determinado agrupamento humano e sua organização social. Ou seja, tudo que pode constituir uma sociedade ou grupo. Além disso, a arqueologia preocupou-se em estudar as produções humanas do passado, enquanto que a antropologia cultural foca em examinar as produções culturais de determinado grupo no presente. Contanto, ao passo que a expansão europeia continuava, os povos colonizados assimilavam a cultura do colonizador, assim, gerando uma crise relacionada ao objeto de estudo da antropologia, a alteridade não pode ser analisada quando extinta e substituída pela semelhança.
Dentro desse contexto, a antropologia seguiu novos rumos, podendo ser classificada como sociologia comparada ou ciência que passou a estudar os setores similares de suas sociedades. No entanto, com o decorrer da história, novas formas de interpretações antropológicas apareceram, tais como a escola evolucionista, de forte influência positivista, que se baseava numa noção de desenvolvimento universal apoiado em uma ideia de submissão ás leis universais de desenvolvimento. Ou seja, cada sociedade ocupava uma etapa de desenvolvimento: selvageria, barbárie e civilização.
Seus expoentes foram Edward B. Taylor (1832-1917), James Frazer (1854-1941), Lewis Morgan (1818-1881). Por outro lado, ao contrário do evolucionismo inglês, desenvolvia-se a Escola Americana de Antropologia, ou Culturalismo Americano. Encabeçada pelo geógrafo e físico alemão Franz Boas (1859-1942), essa escola opunha-se a certas correntes ideológicas europeias, como o determinismo geográfico alemão, defendido por Friedrich Ratzel (1844-1904), e o evolucionismo. Assim, Franz Boas influenciou uma nova geração de antropólogos, como Margaret Mead (1901-1978), Ralph Linton (1893-1953), entre outros, os quais foram impactados pela ideia de dar importância a alteridade, não ás semelhanças, e também ao relativismo cultural.
Nesse decorrer histórico, na metade do século XX, também surgiram outras perspectivas, tal como a Escola Inglesa, cujos expoentes foram Alfred R. Radcliffe (1881-1955) e Bronisław Malinowski (1884-1942), cujas concepções contrastavam em certas instâncias. Eles seguiam uma linha não-histórica, seguindo uma abordagem funcionalista, em que os indivíduos e as instituições desempenham suas funções para a manutenção da vida social. Ou seja, o papel de cada sujeito num grupo social é fundamental para sua manutenção. Nesse ínterim, Malinowski destaca-se por introduzir uma abordagem chamada “moderno método de campo da antropologia”, o qual enfatizava o trabalho de campo.
Sua principal obra “Argonautas do Pacífico Ocidental” (1922) exemplifica os resultados dessa nova abordagem. Além da Escola Inglesa, destaca-se também a Escola Sociológica Francesa, encabeçada por Émile Durkheim (1887-1917), um dos fundadores da sociologia enquanto ciência. Fortemente influenciado pelas ideias positivistas de Auguste Cotem (1798-1857), Durkheim aprimora o método de estudo positivista, elaborando conceitos chaves para o entendimento do funcionamento social, tais como solidariedade mecânica, característica das sociedades arcaicas, e solidariedade orgânica, característica das sociedades capitalistas, as duas são formas de manter a coesão social. Além disso, seguindo os métodos das ciências naturais, Durkheim exemplifica que o objeto de estudo das ciências sociais é o fato social, aquele que existe no seio do consciente coletivo, a psique compartilhada de um povo através de suas organizações e produções.
Para Durkheim, o homem define-se através da sociedade, já que ela é anterior a ele. Nesse mesmo itinerário do primeiro grupo do L’Année sociologique, periódico de sociologia, surge Marcel Mauss (1872-1950) que defendia que “a vida em sociedade é composta por uma unidade e totalidade indissolúveis”. Após sua morte, a Escola Francesa vê em Claude Levi-Strauss (1908-2009) uma nova figura. Levi Strauss defendia a ideia de que “classificações são construções sociais e coletivas”, em sua abordagem traz a ideia de que há estruturas invariantes nas diferentes sociedades, ao passo que também introduz a concepção de estruturas de parentescos, que trazem à luz uma reflexão histórica sobre o incesto. Assim, conclui-se que a antropologia surgiu de um longo processo histórico, derivado de fenômenos, abordagens e reflexões distintas.