Coluna de Kessiane Lopes
É comum ouvirmos a expressão “kafkiano” para caracterizar algo, geralmente um procedimento judicial, ininteligível ou à margem da lei.
Isso ocorre porque relaciona-se a obra de Franz Kafka, sobretudo a conhecida “A metamorfose” – na qual o protagonista, Gregor Samsa, acorda e se vê transfigurado em um inseto gigante – com a fantasia, com o insólito, com o absurdo.
Entretanto, Kafka, formado em Direito, mas um dos mais importantes escritores do século XX, lança mão de uma narrativa fundada em arquétipos e na (aparente) ausência de sentido para denunciar uma justiça claustrofóbica, opaca e labiríntica contra a qual o Homem não possui qualquer chance.
Em todas as suas obras, desde as famosas “A metamorfose” e “O processo”, até as menos, como “Na colônia penal” e “O veredicto”, o autor, ao utilizar uma técnica de escrita extremamente descritiva (todas as cenas são esmiuçadas em seus mínimos detalhes), tem a intenção de nos dizer que, embora traga em seus textos situações que poderiam ser alocadas na prateleira do realismo fantástico, eles devem compor a do realismo puro e simples, pois desenham nosso sistema tal qual ele é.
Em Kafka, a Justiça é uma máquina onde o homem vira suco: nela, a culpa é declarada a priori.
Quando Josef K., d’O Processo, é preso e submetido a um procedimento criminal sem saber o motivo e, quanto mais clama por sua inocência mais se complica perante guardas, carcereiros e demais agentes – que nada mais são do que peças da engrenagem burocrática – fica evidente que ele já está condenado de antemão: a culpa é indubitável e, portanto, não adianta nem ouvi-lo, nem convidá-lo a depor, pois tudo já está dito e ele só viria aqui, diante da Justiça, mentir.
O realismo kafkiano está, também, no clamor da população que pede pena de morte e linchamento; que condena através de posts nas redes sociais.
Viraliza-se a sentença: não importa mais se o condenado vem, em público, afirmar sua inocência.
Já está tudo dito.