Coluna de Madson Costa
Alagoas, terra de Zumbi, Dandara e do Quilombo dos Palmares, não é dotada apenas de belezas naturais de tirar o fôlego, daqui também saíram figuras que mudaram a história, como Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente do Brasil, Aurélio Buarque, responsável pelo Novo Dicionário da Língua Portuguesa, o futebolista Zagallo e os músicos Djavan e Hermeto Pascoal. Mas não somente isso, aqui também foram produzidos notáveis nomes dentro da literatura brasileira, tais como Graciliano Ramos e Lêdo Ivo, que revolucionaram o fazer literário com suas obras. Contudo, apesar disso, surge uma pergunta, mesmo que boba, mas bastante pertinente: Por que ler literatura alagoana contemporânea? Por que devemos ler literatura alagoana contemporânea?
Bem, primeiramente, porque a mãe de nomes renomados da literatura brasileira, como os poetas Jorge Cooper e Jorge de Lima, entre outros, que fincaram suas raízes na eternidade brasileira, não deixou de produzir excelentes autores, cuja qualidade é tão boa quanto aqueles que já se encontram na glória da história literária. Alagoas não parou no tempo e deixou de produzir maestria literária. Pelo contrário, ela continua viva, criando e espalhando suas proles lagunares pelo Brasil inteiro. Isso por si só já é uma motivação, mostrando que o que falta, em Alagoas, é enxergar o que vem de dentro. Exercitar um olhar para o interno surge como forma de conhecer a si mesmo. Nesse sentido, ler o que se produz na contemporaneidade alagoana é conhecer tanto as entranhas de onde se vive quanto sua história.
Se não fossem as reflexões do “Manifesto Sururu”, do escritor, antropólogo e professor universitário Edson Bezerra, onde estariam as memórias das gentes-sururu ou da negra Tia Marcelina, ex-escrava de origem africana. Onde elas teriam sido colocadas, onde estariam os batuques dos terreiros periféricos, a imagem alagoana fora da rota tradicional? Com sua obra, Edson traz à tona coisas pouco percebidas. Primeiro, Alagoas é negra e sempre será. Foi a cultura dos negros escravizados, com sua capoeira, sua macumba e liamba que deu possibilidade para Alagoas ser uma terra tão rica culturalmente. Nisso, ele também nos relembra que somos frutos de todas as mestiçagens possíveis, entre negros, indígenas e brancos europeus. Que nossa miséria é nossa riqueza!
O “Manifesto Sururu” tece uma linha histórica, mostrando Alagoas além das rotas marítimas vendidas aos turistas, recupera as memorias dos negros massacrados naquela Quebra de Xangô, em 1912, vítimas de pardos que seguiam uma ideologia de brancos. Assim, Edson nos mostra uma “Alagoas Profunda”, uma Alagoas de negros, sururus, mestiçagens e riquezas históricas. Mas a literatura contemporânea de Alagoas não lida somente com o passado, também discute o presente, mas não qualquer um, o presente sentido por muitos maceioenses. Nisso, dentro dos nomes dessa nova literatura, surge o jovem do Benedito Bentes Lucas Litrento, autor de “Os Meninos Iam Pretos Porque Iam”, obra contemplada pelo edital de publicação da Imprensa Oficial Graciliano Ramos, bem como a obra de Edson, “Txow”, contemplado pelo prêmio da EDIPUCRS, e “PRETOVÍRGULA”, contemplado pelo Prêmio Diversidades Literárias. Ele é um desses talentos raros da literatura.
Lucas nos mostra que “o rimador do jacintinho se acha o rei de Itaca e talvez seja”, “que nenhum inglês dará ordens aos leões nem aos gorilas”, mas, o primordial, “que a cor da raiva não é escura só porque fazem amor no escuro”. Lucas Litrento edifica um universo de experiências baseadas no que é ser residente do Benedito Bentes e o que sente a negritude dos arrabaldes das cidades. Ele sabe que é necessário “virar poeta para mostrar que não é feito somente de raiva”. Todas essas revoluções em formas de poemas, que dão tapas na cara da consciência, estão contidas em “Os Meninos Iam Pretos Porque Iam”, obra que sabe canalizar “a vontade de fuzilar todas as vitrines da Amélia Rosa” e mostrar a maestria desse premiado nome da nossa literatura.
Há vários autores alagoanos ganhando prêmios pelo Brasil, Lucas Litrento não é a única prova disso, o jornalista e escritor Jean Albuquerque também é um potente nome da nossa literatura. Autor de “Os deuses estão embriagados de uísque falsificado” e “Meu peito é um caminhão de mudança abarrotado com todas as lembranças que você deixou”, ele foi um dos ganhadores do Arte como Respiro, Itaú Cultural, e representa a diversidade de qualidades alagoanas. Desse modo, mostra a força do que é produzido em Alagoas. Além disso, todos os anos a Imprensa Oficial Graciliano Ramos revela e publica grandes e novos nomes.