
Apesar de não conseguir recordar todos os detalhes, ele se lembra do impacto causado pela tela gigante e pelas imagens em preto e branco que se moviam diante de seus olhos, como se um mundo novo se abrisse diante dele. O próprio Diegues acreditava que o filme exibido naquela ocasião pode ter sido Ivan, o Terrível, de Sergei Eisenstein, se este estivesse disponível em Maceió durante os anos 1940.
Para ele, a cena foi inesquecível e marcou para sempre sua relação com o cinema.
“Minha companhia adulta segurou meu braço e, para impedir que eu fizesse qualquer gesto inesperado, disse baixinho que, se eu colocasse a mão ali, ela ficaria presa para sempre”, recordou, emocionado, o cineasta. “Foi o que realmente aconteceu comigo, pelo resto da vida”, conclui.
Esse momento se tornou o ponto de partida para a jornada de Cacá Diegues, que viria a se tornar uma das grandes figuras do Cinema Novo brasileiro, uma das revoluções mais significativas da história do cinema mundial.
O Último Filme: “Deus Ainda é Brasileiro”
Em 2025, o cineasta completaria 84 anos, e seu 20º filme, Deus Ainda é Brasileiro, estava previsto para ser lançado. No entanto, a produção ainda aguardava uma arrecadação de R$ 700 mil para ser finalizada, conforme noticiado por O Globo em setembro de 2024.

O filme, que trazia Antônio Fagundes de volta ao papel de Deus, seria uma continuação indireta de Deus é Brasileiro (2003), mas, como Diegues mesmo afirmava, Deus Ainda é Brasileiro se trata mais de um “spin-off”, explorando novas perspectivas sobre a fé e a esperança no Brasil pós-pandemia.
“Eu costumo dizer que esse filme é uma comédia cívica, por causa do seu tom patriótico”, explicou o cineasta na época.
Deus Ainda é Brasileiro queria provocar uma reflexão sobre o momento político do país e o papel de cada cidadão na reconstrução de um Brasil mais justo. Para Diegues, a obra também era uma maneira de celebrar sua própria terra, Alagoas, que teve 70% de seu elenco e equipe técnica formada por artistas locais.
A produtora Paula Barreto conta que Cacá estava feliz com o andamento recente da obra, após obterem a verba necessária para a conclusão do projeto, filmado em 2023.
Além de Fagundes, que retorna ao papel de Deus, o novo filme conta com Otávio Müller, Neusa Borges e Bruce Gomlevsky no elenco.
O filme original foi um dos maiores sucessos da carreira de Diegues: vendeu 1,6 milhão de ingressos. A trama foi baseada no conto “O santo que não acreditava em Deus”, de João Ubaldo Ribeiro. Diegues, João Emanuel Carneiro (autor das novelas “Avenida Brasil” e “Mania de você”) e Renata de Almeida assinaram o roteiro.
À procura de um substituto
O grande trunfo do filme foi dar um rosto humano ao Criador.
“Se fosse o deus das girafas, teria cara de girafa”, explica-se o Todo-Poderoso ao borracheiro Taoca (Wagner Moura). Na trama, Fagundes encarna um Deus cheio de características humanas: vaidoso, irritadiço e contraditório. De saco cheio de administrar a criação, ele vai ao Nordeste à procura de um santo que possa substituí-lo e tocar os negócios divinos. Cabe ao malandro Taoca acompanhá-lo nessa odisseia Brasil adentro.
Wagner Moura conquistou o troféu da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) por sua atuação. O filme também disputou as categorias de melhor som, melhor fotografia e melhor direção de arte no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e concorreu a melhor filme no Festival de Cartagena, na Colômbia.
Extremamente humano

Ao ser perguntado sobre se o conceito de Deus precisava ser repensado, ele sorriu e falou:
“O Deus que eu estou usando é o personagem literário, o grande herói da cultura ocidental. Um Deus que tem algo de Nietzsche, de Darwin, que dizia serem a dor e o sofrimento coisas necessárias para a condição humana. Trata-se da humanização de Deus, ou seja, da eliminação desse pensamento de que existe uma possibilidade de mudar as coisas apenas pela nossa vontade”, explicou o cineasta, lembrando que, depois de muito lamentar a realidade da criação, a divindade do filme conclui: “É isso mesmo, é essa a natureza humana”.
Diegues também relacionou o personagem Taoca ao “pícaro”, à “tradição cultural que vem da nossa origem ibérica”, que ele próprio já havia explorado em filmes como “Xica da Silva” e “Bye bye Brasil”.
“Eu tento dizer no filme que essa cultura faz parte do nosso passado e que tem que ser transformada, porque a cultura é algo dinâmico”, afirmou
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