Autor: João Vitor Ferreira
No alto do Sertão alagoano, as rajadas de vento que sopram em junho trazem um
anúncio frio: o clima fica mais gelado e o céu, cada vez mais fechado. Logo, a chuva
reaparece, fina e cortante, como um sussurro da terra. Para muitos agricultores, é
chegada a hora sagrada da colheita, meses depois de um plantio enraizado na fé e
na proteção de São José.
Com o milho e o feijão que brotam da terra, renasce também a esperança: dias
prósperos, fartura e bençãos. Mas, agora, quem assume o protagonismo das preces
e das celebrações é outro santo. É São João quem rege a grande folia do mês de
junho — as festas juninas, tempo do ano mais aguardado no Nordeste, quando o
amor se manifesta em forma de dança, cultura, tradição e beleza.
Logo no início do mês, as ruas enfeitadas de bandeirinhas e balões coloridos
anunciam que a festa começou. As crianças ficam numa alegria difícil de conter.
Mas quem disse que alegria se guarda? Alegria é coisa viva. Se espalha no
vento, inunda a quadrilha, dança no estalo dos fogos. Alegria é pra ser vivida,
cortejada e saboreada… feito pé-de-moleque, que gruda no dente só pra gente não esquecer que temos pressa de viver.
E se tem um povo que sabe viver, é o nordestino. Do Baião ao Xaxado, do Coco ao
Bumba-Meu-Boi, pulsa a necessidade de se pôr o corpo em movimento, seja numa
roda improvisada, seja na coreografia da vida. Porque gente precisa de gente…
Precisa daquele abraço que acolhe sem julgamento, do rosto colado na quadrilha
junina, de um olhar terapêutico feito o mar de Maceió. Às vezes, num giro de dança, sinto ele, o amor, “fogo que arde sem se ver”, como já dizia Camões.
Por isso o ato de acender fogueiras no dia de São João resiste ao tempo,
especialmente nas cidades interioranas de Alagoas. Quando chega o dia do grande
protagonista da festa, ruas e terreiros se enchem de montes de madeira, palha e
troncos empilhados. No Sertão, acender uma fogueira não é só tradição — é rito
de pertencimento.
Porque o fogo, aqui, não é apenas calor:
É reza.
É encanto.
É memória.
Os mais velhos contam que a fogueira começou com Isabel, mãe de São João
Batista, acendendo a lenha para anunciar a Maria o nascimento do filho. Outros
dizem que a tradição vem de tempos mais antigos, de cultos pagãos onde povos de
diferentes lugares do mundo dançavam ao redor do fogo, em homenagem aos
deuses da natureza, da colheita e da fertilidade. Aqui no Sertão, não importa a
origem: a fogueira é nossa, é de todos que se aquecem nela.
Se o nascimento deve ser celebrado, a vida é, por si só, uma celebração. Temos
mesmo pressa de viver — antes que o fogo apague, antes que a fogueira vire
brasa. Hoje, minhas memórias da infância têm gosto de milho assado. Na volta pra
casa, observo atento: há risos no ar, brilho nos olhos e famílias reunidas. Enquanto
a lenha queima, os mais velhos contam causos, e as crianças se encantam com
chuvinhas e estalinhos. Ali, diante da simplicidade, Dona Ana, Seu Joaquim, Miguel,
Enzo, vizinhos e amigos, aquecem os corpos e os corações. A cada junho, se
reacende a esperança — velha companheira dos sertanejos.