Estudante de Design e morador do Benedito Bentes, o artista utiliza referências do teatro e da cultura afro-brasileira para eternizar o cotidiano de trabalhadores e a identidade negra

Na cultura africana e afro-brasileira, o nome “Besouro” simboliza renascimento, transformação e proteção espiritual. Manoel Henrique Pereira, capoeirista baiano que carregava esse apelido, ficou conhecido por usar a capoeira como forma de resistência mesmo após a abolição da escravidão, em um período marcado pela perseguição à prática. As lendas que cercam sua história contam que, ao ser cercado pela polícia, ele se transformava em inseto e desaparecia, reforçando a imagem mítica de Besouro como símbolo do “corpo fechado”, associado a mandingas, orações e patuás que garantiriam proteção espiritual contra armas e lâminas.
Essa simbologia inspira Pedro Lopes, figura central do último mês da fotografia de 2025 aqui na Revista Alagoana. Conhecido como Bzouro, ele é estudante de Design da Universidade Federal de Alagoas e morador do Benedito Bentes. Seu olhar para a fotografia surge como um meio de atravessar as dores impostas pelo cotidiano e se consolida como ferramenta de valorização da periferia onde vive, com um trabalho que busca destacar o território, a vivência e, sobretudo, os vínculos com a ancestralidade negra.
R.A: Antes de falar sobre o seu trabalho na fotografia, gostaríamos de saber um pouco sobre quem é Pedro Lopes. Como surgiu a sua paixão pela fotografia? Houve algum momento específico que marcou esse início?
Pedro Lopes: Sou uma Alagoano de 41 anos, prestes a fazer meus 42, pai de um rapaz de 17 que é um dos motores para seguir sempre em frente. A fotografia surge em minha vida como um ponto de escape para todas as lamentações e frustrações que a vida impõe e, a partir desse ponto, torna-se algo inerente ao dia a dia. Sempre tive proximidade com a arte como um todo, seja na música, teatro, entre outras. Via a possibilidade de também produzir arte e a fotografia me trouxe para dentro desse mundo, agora como um fazedor de arte.

R.A: Porque o nome Bzouro?
Pedro Lopes: O besouro dentro da cultura africana possuí uma simbologia que representa o renascimento, a transformação e a proteção espiritual, algo que busco a todo momento, daí, surge o “Bzouro”, tendo também como referência um filme do início dos anos 2000 que retrata toda luta de um capoeira contra a opressão sofrida pelos negros escravizados.
R.A: Você mencionou que a fotografia é o seu “ponto de partida”. Se a imagem é o início, qual seria o ponto de chegada ou o impacto final que você deseja causar no espectador que não conhece a realidade da periferia?
Pedro Lopes: Acredito que não exista um ponto de chegada para qualquer forma de arte, e na fotografia não é diferente, o que busco impactar e influenciar com o meu trabalho é uma mudança de olhar de toda a sociedade para realidade periférica, não apenas de onde venho, mas de todas em geral, podendo mostrar que produzimos sim, muita beleza, saberes e que fazemos parte da cultura alagoana com muita qualidade.
R.A: Pedro, como sua formação em Design e sua vivência no Teatro influenciam a composição das suas fotos?
Pedro Lopes: Minha formação em Design trouxe diversos conhecimentos seja das artes em geral, como também sobre como compor uma imagem, o uso da regra dos terços, a combinação e o estudo das cores e tudo isso procuro aplicar em meus trabalhos seja na fotografia experimental, como também em trabalhos direcionados. Já o Teatro me trouxe conhecimentos para melhorar minha forma de interagir em determinados momentos de interação com o que estou fotografando.
R.A: Você fala sobre a sua busca pela ancestralidade. De que forma essa busca aparece nas suas fotos?
Pedro Lopes: O nome que escolhi traz essa ancestralidade. Hoje, busco registrar momentos que demonstrem de forma sublime minhas referências de ancestralidade dentro dos cultos de religiões de matriz africana.

R.A: Existe alguma imagem que você capturou e que te marcou? Se sim, qual foi? Você pode contar a história por trás dela?
Pedro Lopes: Essa captura me marcou e me fez refletir o quanto algumas artes podem ser efêmeras e o quanto elas cumprem seu papel. Essa imagens são de uma mesma parede que registrei quando comecei a fazer fotos com uma câmera, com intenção de registrar e utilizar como estudo. Mas, ela me trouxe a reflexão acima descrita, que me fez pensar no papel de um fotógrafo e de sua arte no mundo atual e digital, onde, diferente de um grafiteiro, podemos eternizar a nossa e tantas outras artes.
R.A: Como você define o papel da fotografia na construção das narrativas sobre o povo negro e periférico? Para você, a imagem tem força para ressignificar o olhar que a sociedade historicamente lançou sobre esses espaços e pessoas?
Pedro Lopes: Acredito que sim. A fotografia tem esse poder e esse papel de ressignificação dentro das artes e em espaços atualmente marginalizados, ressignificando todos os tipos de movimentos e artes produzidas pelo povo preto e periférico e mostrando todo o seu potencial.
R.A: Quando você fala em enxergar poesia no meio da rigidez da cidade, o que geralmente te faz parar e fotografar? É mais o caos urbano ou esses pequenos respiros de calmaria que te atravessam primeiro?
Pedro Lopes: A calmaria me atrai com mais ênfase em boa parte do tempo, mas a rigidez do urbano e algumas mensagens que existem nessa rigidez gritam para serem vistas, e é na hora desse grito que sinto a necessidade de registrar.

R.A: O título “OcupAção” sugere tanto o ato de habitar um espaço quanto a necessidade de agir. Como as fotos dessa série traduzem o movimento e a resistência desses moradores?
Pedro Lopes: Essa exposição tinha como mote o olhar dos artistas no momento de retratar a periferia em que vivia, e assim que soube, me veio o querer e a ideia de registrar algo com movimento e que mostrasse o dia a dia de uma parte destes que fazem o Benedito Bentes. Esses registros são de uma feira que ocorre apenas aos domingos, onde comerciantes de várias partes do bairro chegam para negociar, começando essa ocupação ainda na madrugada e, ao entardecer, desmontando tudo em um movimento frenético durante todo o dia.
R.A: Se você pudesse escolher apenas uma única imagem da série “OcupAção”, qual seria ela e o que ela diria para as futuras gerações sobre o Benedito Bentes de hoje?
Acredito que a imagem que separei mostra toda a força, esperança e orgulho desses que estão ali, buscando seu ganha pão em uma luta árdua e que não perdem o sorriso no rosto.