Texto por Bertrand Morais
Após colher algumas mangas dos pés carregados de frutos e armazená-las em ambiente refrigerado, para consumi-las no retorno à margem sergipana do Velho Chico, o jornalista que vos escreve já avistava seu próximo ponto de visita, sendo este localizado do outro lado do rio: o pequeno povoado de Entremontes, em solo alagoano.
Naquela manhã de fevereiro, o passeio da Rota do Cangaço que partira do Centro Histórico de Piranhas levara-nos a uma área de banho, na cidade sergipana de Poço Redondo. Ao chegarmos lá, nos propuseram duas opções de continuidade imersiva – sendo a escolha de uma ou outra – dentro do limite de tempo que possuíamos naquele espaço.
A primeira opção era seguir numa trilha guiada com grau de dificuldade moderado em direção à Gruta de Angico, local onde Lampião e seu bando sofreram uma emboscada à morte. Caminhar por dentro da caatinga sob um calor acima de 34°C para chegar a um local estático, apesar de seu valor histórico, me mostrou menos atraente que a segunda proposta.
Já a segunda opção, apesar de ter tido menos predileção dos demais presentes, se consistia na visita ao povoado que elevou tempos depois de sua descoberta, a categoria de cidade ao que hoje conhecemos como município alagoano de Piranhas.
Numa travessia que não levara mais que cinco minutos para atracarmos às margens daquela povoação, descemos (eu mais uma turista) de uma pequena embarcação. Foi estipulada uma duração de 40 minutos para o passeio pelo povoado, a qual dei pouca importância, pois não queria apressar-me num local onde nem mesmo o tempo parecera ter passado depressa.
Um pouco das cores e fazeres encontrados em Entremontes, Alagoas. Foto: Bertrand Morais
Poucos passos em terreno levemente íngreme, em direção à primeira rua do povoado, deparamo-nos com uma mulher sentada em uma cadeira de plástico virada ao rio, que, logo, levantara-se e veio até nós. Na mão, ela segurava tecido, agulha e técnica que dá fama àquele sossegado local: o bordado redendê.
Ela convida-nos para dar meia-volta, descer alguns degraus e acompanhá-la até o seu ateliê, onde possui alguns de seus trabalhos já prontos. Ali, são expostas das mais variadas peças como toalhas e jogos de mesa, para citar como exemplos. Mas, foi sua simpatia que deu a certeza que eu havia escolhido a opção certa; assim, imergindo na cultura local.
A matéria de capa da Revista Alagoana do mês de fevereiro é sobre o bordado redendê de Entremontes pelas mãos de Maria Jucineide de Oliveira Fernandes, ou apenas Neide.
Opto em continuar a caminhada pelo povoado de Entremontes, adentrando suas ruas calmas, apesar do sol de meio-dia que trazia muito calor com ele. No caminho, muitos dos imóveis com suas fachadas históricas tinham suas portas abertas, como se convidassem a uma visita. Justamente o que ocorrera a alguns deles.
Ao longo do caminho, as casas que pareceram mais convidativas – muitas delas expondo artesanatos na entrada – atraíram meus olhares e minha aproximação respeitosa para matar minha sede por cultura.
Beber água também fora essencial e, por sorte, havia uma espécie de coreto na praça central do povoado, com homens dentro dele, comercializando o líquido. Além deste, uma estrutura de palco também podia ser vista, na mesma praça, sinalizando que a noite seria de festa para Bom Jesus dos Navegantes. Não fiquemos para o evento.
Ainda com temática religiosa, não foi a Igreja Matriz que tivera chamado mais minha atenção, mas, sim, uma pequena capela de fachada azul dedicada ao Padre Cícero, símbolo de fé para tantos devotos nordestinos. Dentro da capela, um altar centralizado com imagens sob ele e na parede de fundo e, nas laterais, bancos compridos de madeira.
Alguns passos dados para trás, já fora da capela, e avistamos uma senhora sentada na sala de sua casa vizinha àquele espaço religioso. Ela bordava uma peça e parou para conversar conosco quando foi perguntada sobre o imóvel vizinho. Ela levantara e chegando à porta da capela, disse que ela era a zeladora dali. Também acrescentou que sua missão foi transferida por sua comadre Maria das Dores (in memoriam) que tivera uma graça alcançada, após uma enfermidade em uma das pernas, e dedicara uma capela como promessa ao Padre Cícero.
A zeladora daquele espaço, que também é artesã, chama-se Dona Ivone Oliveira, que nascera e criou seus filhos em Entremontes, mas apenas uma das filhas permanecera na tradição de bordar. Para nossa surpresa, a filha da qual ela estava falando era a primeira moradora que tivemos contato ao chegar ao povoado, a simpática Neide.
Despedimo-nos dela agradecendo a boa conversa e, após outras breves visitas em espaços do entorno, estávamos de volta ao ateliê de Neide, na margem do Rio São Francisco, onde contamos a ela sobre a coincidência de encontrar sua mãe por acaso, e ela acrescentou dizendo que o fato de ela não ter se casado, contribuiu na sua permanência como bordadeira, não apenas de redendê, mas também de bordados como o boa-noite e ponto cruz. Todos bordados são encontrados por todo povoado, sendo o redendê o mais famoso.
E, claro, a visita não poderia ter desfecho diferente que a compra de peças bordadas pela artesã que estampa a capa do mês. No caso do jornalista que vos escreve, foram adquiridas duas peças de jogo xadrez e um porta-copo para ser utilizados em casa, porque no regresso à margem sergipana, a refeição ficou a cargo das deliciosas e geladinhas mangas tiradas diretamente do pé.