Cinema alagoano em Cannes: “As Filhas do Mangue”, filme ambientado em Massagueira é selecionado para Festival Internacional

Massagueira, Marechal Deodoro – Um sonho se torna realidade para a cineasta alagoana Stella Carneiro. Sua proposta de filme foi uma das selecionadas no prestigiado programa “La Factory Des Cinéastes”, parte do Festival de Cannes. Com esta iniciativa, o festival francês, em parceria com o Governo do Ceará, oferece uma plataforma a jovens cineastas do Norte e Nordeste do Brasil, garantindo exibição na Mostra Quinzena de Realizadores.

O longa-metragem “As Filhas do Mangue” vai contar uma história enraizada na cultura local da Massagueira. A cineasta Stella Carneiro, que cresceu entre os mangues de Alagoas e Pernambuco, usa a sua própria vivência como base para a narrativa.

“A trama gira em torno de uma família negra composta por um pai e suas quatro filhas, abordando temas de negritude e feminilidade”, explicou.

Para Stella, a figura do pai, um homem que vivenciou a opressão, reflete a história familiar, onde seu pai, durante o governo da época, tornou-se um “dono de casa” enquanto sua mãe assumia o papel de provedora.

“Painho é negro e é o segundo mais velho de 8 irmãos, enquanto eu sou a filha mais velha de 6. Compartilhamos a responsabilidade de cuidar dos irmãos mais novos como se fossem nossos filhos. Nossa casa sempre foi um lugar de muitas risadas, como também de conflitos”, conta a cineasta.

Apesar dos temas sérios tratados no roteiro, Stella conta que é contrária à produção de filmes superficiais, ou chatos demais.

“Sim, tratamos de temas importantes como negritude e feminilidade, mas no fim o filme é sobre uma família complicada, que se ama muito; o restaurante deles em Massagueira é um espaço de brigas e também de muitas risadas. O coração do filme estará nisso”, afirma.

Formada em cinema pela FAAP em São Paulo e com mestrado em roteiro internacional, Stella é conhecida por seu curta “Golden Shower”. Agora, ela se junta ao produtor e diretor Rafhael Barbosa, que já ganhou destaque pela co-direção do longa “Cavalo” e pela produção do recém-filmado “Olhe Para Mim”.

“Rafhael é uma pessoa que já trabalho há alguns anos. Tenho muita admiração pelos projetos que ele se interessa e faz. Ele é associado da A.P.A.N. – Associação de Profissionais do Audiovisual Negro. Na entrevista para Cannes, me perguntaram por que ele seria o melhor produtor para o projeto. Respondi que o Rafhael é uma pessoa forte, que cuida daqueles que tem debaixo da asa. Não vejo como realizar “Filhas do Mangue” sem ele. E ano que vem estaremos juntos no festival, apresentando nosso filme”, comemora.

No entanto, desenvolver o projeto trouxe à tona diversas barreiras, incluindo o preconceito latente do restante do país com a gente nordestina. Comentários desdenhosos sobre a capacidade dos cineastas do Norte e Nordeste, segundo ela, são recorrentes.

“Essa semana mesmo ouvi de uma diretora carioca dizer que o programa de Cannes-Ceará, que entrei com o “Filhas do Mangue”, estava desorganizado; que não haviam realizadores no Norte-Nordeste competentes o suficiente para compor o programa. Isso foi de uma diretora carioca muito famosa, que já fez dois longas”, relata.

Ela continua dizendo que retratar o nosso povo não é difícil, difícil é convencer o sudeste do país que fazemos sim bons filmes, mesmo com indicações atrás de indicações para festivais na Europa.

Participar do Festival de Cannes, sob a orientação do renomado cineasta Karim Aïnouz, é uma grande oportunidade para Stella. Ela espera extrair ao máximo essa experiência, absorvendo o conhecimento e a sensibilidade que Aïnouz traz.

“Há muito tempo sou admiradora do Karim e da parceria que ele faz com o Porto Iracema das Artes, do qual eu já me inscrevi algumas vezes, mas nunca consegui entrar. O papel que o Karim ocupa no cinema brasileiro é algo único e muito especial. Esse ano ele teve dois filmes em Cannes, trabalhou com grandes atores Hollywoodianos, como a atriz de Lara Croft e Ex-Machina, Alicia Vikander. Todo ano ele prova que o cinema brasileiro (e principalmente, nordestino) é capaz de se superar. Pretendo extrair o máximo que puder dessa experiência. Quero ouvir tudo o que ele tem pra falar”,

O cinema alagoano está em plena evolução, com novos projetos surgindo graças a leis de incentivo. Para Stella, “As Filhas do Mangue” é uma contribuição significativa nesse movimento, destacando a beleza e a complexidade de sua terra natal. O filme não só visa a exibição em Cannes, mas também busca estabelecer conexões com parceiros internacionais que possam investir no cinema alagoano.

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