A imprensa, ou o Quarto Poder, no Brasil, perdeu seu valor. O jornalismo, completamente corrompido em nome de interesses próprios, reflete o caos atual da política mundial, deixando um país dividido, com a imprensa desempenhando um papel importantíssimo nessa polarização.
É notório que, no contexto do filme Guerra Civil de 2024 (Civil War, EUA/Reino Unido), a imprensa assume tanto o papel de heróis quanto de vilões, num retrato de como uma possível desintegração dos Estados Unidos no futuro poderia ocorrer.
Como um alerta para o espectador, este thriller começa de maneira lenta, mas atinge seu ápice com um ataque a Washington D.C. que deixa todos surpresos.
O filme acompanha um grupo de jornalistas, em uma jornada até a capital, enquanto o país desmorona ao redor deles.
A equipe, liderada pela experiente fotógrafa de guerra Lee Smith (interpretada por Kirsten Dunst), é formada por profissionais muito experientes.
Eles representam um desapego essencial para o trabalho jornalístico, mas quase inumano, aos olhos de quem não pratica a profissão, à medida que não escolhem um lado no conflito, o que acaba sendo uma acusação contra eles mesmos.
Como sabemos, a política prospera na discórdia e se alimenta do medo de uma possível guerra civil nos EUA.
O diretor e roteirista Alex Garland não se importa com as origens deste conflito, e seu roteiro ignora as causas, sugerindo apenas que Texas e Califórnia se separaram da União e formaram as “Forças do Oeste”, que utilizam seus recursos militares para combater um presidente em seu terceiro mandato, sedento por poder (interpretado por Nick Offerman).
Embora pareça um thriller pós-apocalíptico comum, Guerra Civil vai além, retratando o próprio apocalipse.
O país está em colapso. Os americanos estão se voltando uns contra os outros, e as únicas pessoas autorizadas a transitar pelas zonas de conflito são os jornalistas, identificados pelos coletes à prova de balas com a inscrição “IMPRENSA”.
Garland estabelece o caos logo de início, com Lee documentando uma cena de civis reduzidos a refugiados clamando por água, até que uma mulher surge com uma bomba presa ao corpo, preparando-se para se explodir.
Em um estilo realista, Lee não hesita em capturar o horror com sua câmera. Ela acaba salvando a vida de Jessie (Cailee Spaeny), uma jovem que sonha em ser fotógrafa de guerra.
Jessie se junta a Lee e outros dois jornalistas, Joel (Wagner Moura) e Sammy (Stephen McKinley Henderson), para uma missão em Washington D.C., onde irão entrevistar o presidente — uma jornada marcada por diferentes visões e gerações do jornalismo.
Lee vê algo de si mesma em Jessie, embora já não se reconheça mais em seu reflexo. Em uma cena sutil, o grupo chega a uma cidade aparentemente intocada pela guerra. Lee se observa em um espelho enquanto experimenta um vestido, refletindo sobre sua própria identidade.
O filme mergulha ainda mais em um terror psicológico, especialmente no seu ato final, que se assemelha a uma história de Stephen King.
À medida que o grupo de jornalistas segue as Forças do Oeste em sua invasão a Washington, o filme gera uma tensão crescente, enquanto Garland, ao entrecortar imagens do presidente com cenas de revoltas reais, questiona a sinceridade do poder estabelecido.
As batalhas começam como intensas, mas teóricas, e terminam em um cerco desesperador à Casa Branca. Jessie, antes paralisada pelo medo, agora parece mais corajosa, enquanto Lee enfrenta crises de ansiedade.
A angústia de testemunhar a destruição da democracia leva Lee a reações inesperadas. Mas, por um breve momento, ela ainda se mantém distante, pois, em meio ao caos, seu único propósito é capturar o momento.
Garland, conhecido por levar suas histórias aos limites mais perturbadores, não poupa o espectador de cenas de guerra brutal e dilemas morais profundamente desconfortáveis.
Embora Guerra Civil tenha sido criticado por explorar tensões políticas durante um ano eleitoral nos EUA, o filme é uma reflexão sobre a futilidade de tomar partido. Garland, longe de sugerir reconciliação, apresenta uma visão poderosa que desafia o público a se questionar: podemos, de fato, encontrar uma maneira de coexistir?