Por Luís Laércio Gerônimo
Há quem diga que o corpo fala. O meu, porém, não apenas falou — ele gritou. Durante anos ignorei sinais, luzes vermelhas no painel, ruídos estranhos que interrompiam o silêncio das minhas rotinas. Sempre arranjava uma desculpa: falta de tempo, excesso de trabalho, compromissos inadiáveis. Como muitos, fui deixando a manutenção de lado, como se a máquina fosse eterna e o desgaste uma ficção.
Mas a verdade é que nenhuma máquina funciona para sempre sem cuidado. E a minha, usada sem pausa e sem respeito aos seus limites, começou a apresentar falhas evidentes. Um dia, com medo real de comprometer o único veículo que transporta o meu Eu — este corpo que carrego e que também me carrega — decidi procurar ajuda.
No “centro automotor humano”, como gosto de chamar, apresentei minha documentação, exames, relatórios. O especialista avaliou tudo com a precisão de um mecânico experiente. Abaixou os óculos, olhou-me profundamente e começou a lista: faróis desgastados, chaparia remendada, correia dentada falhando, combustível contaminado por substâncias que nunca deveriam ter alimentado o motor. Uma coleção de descuidos acumulados ao longo de anos.
Antes que pudesse formular uma pergunta, soltei, quase num desespero:
— E a potência?
Ele suspirou, como quem já conhece o apego de cada proprietário à performance de sua máquina.
— A potência está preservada… por enquanto. Mas potência sem manutenção vira sucata com pressa.
Foi aí que ele sentenciou aquilo que eu evitava encarar:
— Sua máquina é de 1976. Já rodou bons quilômetros. E o pior: rodou sem manutenção adequada. Não dá para correr como se fosse um modelo 2025. Cuide-se, antes que seja tarde.
Saí dali atravessado por uma certeza simples, quase cartesiana: se eu penso, existo — mas existir exige responsabilidade com a máquina que torna o pensamento possível. O corpo não é descartável. É parceiro. É veículo. É morada.
Agradeci ao “mecânico” — ou melhor, ao médico — e prometi seguir cada recomendação. Porque, no fim, a consciência do Eu só se sustenta quando o corpo que o carrega não está à beira da pane.
E talvez essa seja a lição que a vida insiste em repetir: cuide da sua máquina. Não dá para trocá-la por outra. Afinal, cada um de nós é o único motorista capaz de evitar a própria pane — e talvez o maior gesto de sabedoria seja aprender a ouvir o corpo antes que ele precise gritar. Que você, leitor, faça hoje o reparo que o amanhã pode cobrar caro.
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