Parece um conto de fadas. Geovana Cléa, nascida em Inhapi, sertão alagoano, expressa seu amor pela natureza em suas obras, inspiradas na geologia e nos efeitos naturais da terra. Há mais de duas décadas na Itália, sua carreira artística se iniciou com sua primeira exposição oficial em Milão, em 2005.
Destaque em diversos eventos internacionais, como o Salon National de Beaux Arts em Paris, foi reconhecida por suas contribuições culturais, inclusive sendo condecorada como membro imortal da ALUBRA, academia de ciências, letras e artes, em 2015.
Sua arte, como a coleção “Cocoa Choc”, dedicada às mulheres brasileiras que trabalham nas plantações de cacau, reflete sua ligação com suas raízes e seu compromisso com questões sociais. A artista também foi madrinha da última edição dos jogos olímpicos indígenas na aldeia Roçado do povo Koiupanka. Para ela, esse momento foi “um símbolo de orgulho e homenagem pela luta e resistência dos povos originários brasileiros, em especial ao povo Koiupanka que reside na sua cidade natal”.
Recentemente, ela realizou uma exposição com uma seleção de obras dos últimos 13 anos de sua carreira, em homenagem ao seu município de origem. Intitulada “INHA.PI – Acqua su Pietra”, foi realizada no Castello di Rivalta, na Itália, onde vive a artista.
Nós entrevistamos a artista plástica e você pode conferir abaixo.
R.A – Como sua origem no sertão de Alagoas influencia sua arte, especialmente em relação à sua paixão pela natureza?
G.C – Lugares pequenos são extremamente ricos em belezas naturais, estive há pouco tempo no sertão e fotografei muitos detalhes das caatingas, pedras, riachos e cactus, sou encantada. Na verdade, ser do sertão é uma base que me conectou as belezas naturais pelo mundo afora, de alguma forma, pedras e água de qualquer lugar do mundo, me conectam ao sertão e também a nossa linda Alagoas.
R.A – Você mencionou que prepara suas próprias tintas. Pode nos contar mais sobre esse processo e como ele contribui para a singularidade de suas obras?
G.C – Sou apaixonada pela interioridade humana, arte é o que vem de dentro individualmente, não gosto muito de contaminar e desvincular a essência e autenticidade do que faço, então isso já fala muito sobre o meu processo de criação, não quero falar de algo para estar na moda e agradar, quero somente colocar pra fora o que já está dentro de mim.
Por isso invento e experimento de forma livre, sincera, buscando fazer e criar detalhes e histórias que falam do que amo e do que já está dentro de mim. Minha arte, assim como minhas poesias e reflexões, são somente a materialização de cores e palavras que já existem dentro de mim. Criar minhas tintas com pó de minerais naturais faz parte desse meu amor pelo mundo natural.
R.A – O uso de elementos naturais, como sedimentos de rochas, minerais e pó de quartzos, é uma marca registrada de suas obras. Como você descobriu a beleza e o potencial artístico desses materiais?
G.C – Na verdade, no caso das rochas, por exemplo, eu vou recriando seus efeitos pictoricamente com as tintas, que são feitas com o pó de alguns minerais, mas, também uso acrílicos e esmaltes com base água, recompondo, misturando e trazendo pra tela o efeito natural do que visualizei antes nos meus momentos de trekking e exploração em meio a natureza. Nunca pensei em potencial artístico do que poderia criar, não tenho paciência de calcular o que pode impactar ou não visualmente e comercialmente, quero manter a genuinidade do que minha alma transforma em arte, isso que faço já tá dentro, livre de qualquer tipo meta com objetivos, e acredito que pra todo verdadeiro artista é isso, através disso, se pode ser original, não amo nada copiado, quadro é como poesia, não dá pra imitar o que vem da alma. Talvez só no processo escolástico, mas todo artista já nasce artista, só precisa escutar o próprio coração e colocar na tela.
R.A – Você descreve sua arte como expressionista abstrata e naturalista. Pode nos explicar como você incorpora esses três elementos distintos em suas criações?
G.C – Levo a expressão abstratamente do mundo natural, no sentido que não é figurativo, não tem face, árvore ou uma flor bem desenhada, tem uma tradução de sentimentos inspirados na natureza, sem ser uma figura real que dá pra distinguir e identificar com algo existente e real.
R.A – Sua trajetória inclui diversas exposições ao redor do mundo. Como você percebe a recepção do seu trabalho em diferentes culturas e contextos?
G.C – As obras já alcançaram uma dimensão que eu ainda não alcancei, elas moram em casas e países que nunca conheci ou fui. A quantidade que já produzi e que já se foi, me diz que elas foram bem recebidas e amadas. Isso me deixa muito feliz.
R.A – O que te inspira a criar obras que remetem a elementos naturais, como troncos de árvores, terra e água? Existem experiências específicas que alimentam essa inspiração?
G.C – Só amor mesmo, gosto do mundo natural, seja ele onde for, a natureza me reconecta comigo mesma, me dá paz. Acho que o silêncio e as melodias suaves que existem na natureza é como ouvir a voz de Deus, me faz sentir feliz, essa magia enche meu ser e de dentro da alma vai para a tela.
R.A – Como é para você representar sua herança cultural e suas raízes alagoanas em suas obras, especialmente considerando sua longa estadia na Itália?
G.C – Eu não represento, eu sou! Eu sou Sertão e sou Alagoas… Assim sinceramente me sinto, então mesmo com minha longa estadia na Itália, jamais deixarei de ser “Sertão Alagoano”. Nasci, sou raiz e será assim até o meu último dia da minha vida, o sertão está comigo, porque sou ele e ele é eu.
R.A – Sua arte é descrita como minimalista em certos aspectos. Como você equilibra a complexidade dos elementos naturais que utiliza com a simplicidade do estilo minimalista?
G.C – Na natureza, existem muitas cores, que merecem ter o espaço para vibrar, só uma cor também pode ser arte… duas, três… enfim. Minimalismo também é isso, deixar falar o mínimo da obra, para a cor em silêncio mostrar a sua beleza. Minha coleção minimalista está na Choc Collection que apresentei no primeiro salão do móvel que participei, eram barras de chocolates em forma de obra, utilizei até pó de cacau com ouro. A coleção foi em homenagem às mulheres que trabalham na lavoura do cacau e assim conseguem manter seus filhos.
R.A – Você mencionou que sua primeira exposição oficial foi no Instituto Cultural do Brasil em Milão. Como foi essa experiência e como ela influenciou seu desenvolvimento como artista?
G.C – Eu já pintava bastante, mas sem pretensões, na verdade nem sabia que era uma artista, nunca existiu planos, nunca falei pra mim mesma: “vou ser artista”!
Dei de presente uma das minhas pinturas ao meu amigo Cláudio Barbieri, secretário geral do consulado do Brasil em Milão, ele me perguntou se eu era artista. Respondi: “Rapaz, sei não, eu pinto!”. Ele me pediu fotos do que tinha feito… Eram dezenas de obras, ele quando viu, me falou: “Você é uma artista!”. Começou assim, naquele dia, naquela exposição, no centro de Milão, com a sala cheia de gente, ao som de bossa nova, descobri, que eu era uma artista, e que jamais poderia viver sem reviver vários daqueles momentos.
R.A – Além da pintura, você também trabalha com mobiliário de luxo. Como é a transição entre essas duas formas de expressão artística e o que cada uma delas te permite explorar de maneira única?
G.C – Sou artista de um brand de luxo internacional, presente com mais de 60 lojas no mundo, faço para eles obras que remetem a chuva, rochas, floresta e vulcão, são exclusivas para o brand, umas diferentes das outras, mas com o mesmo conceito e cores.
R.A – Você foi condecorada com o título de membro imortal pela Academia de Ciências, Letras e Artes, a ALUBRA. Como é ser reconhecida dessa forma e como isso impacta sua abordagem artística?
G.C – O título de imortal, assim como o prêmio que ganhei no Louvre pela minha obra “Earth of the Minerals” são somente consequência de trabalho, empenho e fé. Nada vem de graça, tudo precisa ter esforço, dedicação e empenho… Então o que chega através do trabalho é uma consequência mesmo, mas não levo muito isso pra cabeça, não quero perder minha humildade e simplicidade. Não saberia te dizer que impacto isso tem no meu trabalho, só sei que fiquei feliz quando aconteceu e sou
R.A – Como você vê o futuro da sua arte, especialmente em termos de exploração de novos materiais e temas, e qual mensagem você espera transmitir ao público através de suas obras? Tem algo em mente para 2024?
G.C – Não penso no futuro, vou vivendo o agora, não faço planos, quero que minha arte possa fluir sem pressão, tudo natural é mais bonito e especial. Espero que meu público se inspire através dos sentimentos sinceros e verdadeiros que coloco no meu trabalho, que é amor, empenho e constância, aliadas a coragem e desejo de transmitir beleza.
2024 tá chegando… vou trazer o Sertão e Sertões ao salão do móvel de Milão, para a terra onde nasci, tudo que fizer ainda é pouco, em ser sertaneja cresci com valores, força, generosidade, empenho e princípios, isso foi a base que formou a mulher que sou, e continuará sendo, por isso, eu amo dizer: Quanto orgulho que tenho de ser sertaneja!
Por fim deixo essa mensagem, que certamente é minha maior força: “Nunca permitam que outras pessoas digam que vocês não conseguem, conseguem sim! Se você acreditar e tiver fé, tenha certeza, que ninguém fechará a porta que Deus abriu…. E quando o sucesso chegar, ele vai incomodar algumas pessoas, mas também irá promover muitos encontros com pessoas maravilhosas, que irá te mostrar o quanto valeu a pena acreditar e inspirar almas do bem.