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Fátima: No Brisa sua Casa No Eco sua Vida

Atualizado: 1 de out. de 2022

Texto por Bertrand Morais

Se o título dessa reportagem te remete ao Minha Casa Minha Vida, é porque sua memória não falha sobre o maior programa habitacional que esse País já viu. Foi através dessa política de habitação que, uma mulher arapiraquense, vem transformando, com ecologia e cultura, sua comunidade. Por isso, a matéria de capa da Revista Alagoana, no mês de setembro, é sobre Fátima dos Santos.

Residencial Brisa do Lago, periferia de Arapiraca. São habitações do mencionado programa que, em janeiro de 2021, foi desmontado transformando-se em Casa Verde e Amarela – cores que poderiam facilmente simbolizar a mata e o sol – porém não é o que vem representando com o processo de urbanização em ritmo acelerado, onde a mata é derrubada e o sol tem se tornado mais quente com as mudanças climáticas. Tampouco não vem beneficiando os mais pobres; tudo isso tornara-se coisa do passado.

Fátima recebeu as chaves de seu imóvel, em 2012. Contrariando avaliações de familiares sobre sua nova morada, ela sentia-se contente com sua nova realidade, porém não satisfeita com o que vira: degradação do ecossistema que sobrevivera à construção do residencial. Logo ela, que, adquirira a jardinagem como ofício.

Naquela ocasião, os jardins que ela cuidava estavam, de fato, mais verdes que o dela mesmo – era chegada a hora de colocar as mãos na terra – sob um forte anseio individual em um espaço comunitário. Para tornar atraente aquela mata sobrevivente, muitos eram os trabalhos que necessitara serem feitos: recolhimento do lixo que predominava, podas e plantios de espécies nativas; era só o começo.

Em 2016, o espaço estava pronto para sediar a primeira atividade regular voltada à comunidade: o Acampamento Raízes Culturais. Fátima conta “O resultado é fruto de uma transição da minha vivência na infância” e relembra “meus avós tinham uma mata linda e maravilhosa, com uma nascente dos meus sonhos, e hoje, finalmente, posso realizar meu sonho de possuir uma mata para cuidar”. Ela ainda arruma tempo para brincar no Guerreiro Asa Branca do Mestre Elias, participar em vídeos arts, entre outras tarefas ecoculturais.

 

Com o sonho realizado, sobrou até para o canteiro da via de acesso ao residencial, que foi embelezado por Fátima, com mudas de árvores que trazem sombras para as tardes quentes do agreste. A grama do jardim do vizinho nunca estará mais verde, se estivermos cuidando com humildade e empenho também da nossa.

Dentro do acampamento, dentre muitos dos costumes de Fátima, uma tradição se destaca: a construção de um abrigo onde ela dorme durante os dias de festividade. A cada ano, há inovações no material e técnica aplicada, sendo o da vez, esteiras de bambu presas às linhas de madeira que dão forma a uma casa de apenas um cômodo. A sensação é de um protesto silencioso e íntimo contra tantos esvaziamentos, como a extinção do programa habitacional, o qual dez anos atrás lhe proporcionara uma casa, e agora, finalmente quitada.

Irrequieta, Fátima tem na voz doçura e nos seus membros do corpo viço para os cuidados constantes que exigem uma área verde. Na tarefa de manutenção pode ter poucos ajudantes, como sua filha única Edite, que é bióloga pela UFAL e mestra em ciências florestais pela UFRN, ou seu amigo e vizinho Nildo, seu braço direito nos afazeres; mas uma coisa é certa, a mata recuperada – da entrada do residencial – é um espaço democrático e de integração intercultural para a comunidade.

Edite, ao longo dos anos, tem trazido amigos consigo para a atividade da mãe. Paulo Vieira, mestrando, descreve sua experiência “No começo a gente tinha insolação, porque não tinha vegetação suficiente para proteger do sol e éramos colocados para trabalhar assim que chegássemos” e complementa saudoso “o reflorestamento funcionou, atraindo crianças e me permitindo, durante a graduação, ter a minha única e maior vivência de educação e proteção ambiental”, ele que também é biólogo.

Hoje, em sua sétima edição, o acampamento tem ganhado novo nome, ainda mais identitário, chamando-se EcoBrisa. Nele tinha gente de várias partes de Alagoas e fora do estado como de Sergipe e Pernambuco, participando de uma variedade de atividades, tais como: grupos de capoeira, painel artístico, oficinas de perna-de-pau, mosaico, yoga, exposição fotográfica – só para citar algumas das programações culturais e recreativas.

O Residencial Brisa do Lago conta com diversos equipamentos essenciais: uma escola, uma creche, um CRAS, uma unidade básica de saúse – UBS, mas esqueceu-se de cumprir com a efetivação do direito ao lazer, previsto em constituição, não construindo nenhuma praça ou área de convívio comum. O acampamento cultural EcoBrisa vem preenchendo essa vacância, para a alegria da criançada que tem sido o público mais fiel ano após ano.

É com a mudança de estações do ano que, os participantes podem armar suas barracas em meio à vegetação transicional de mata atlântica para a caatinga, bem no centro do estado alagoano, e encontrar um verdadeiro oásis quente pelo dia e frio pela noite, com direito a um fogão a lenha e banho de água fresca sob o céu diurno ou estrelado quando anoitece.

O EcoBrisa, que este ano foi realizado entre os últimos dias 15 a 18, tem tradição em ocorrer sempre no mês de setembro, na véspera do Dia da Árvore, comemorado no dia 21. Após um inverno focado no plantio de mudas nativas e num pequeno roçado, importantes parceiros como a Prefeitura de Arapiraca, a Defensoria Pública que levou o Expresso da Cidadania, o Sesc Alagoas com recreações, a oficina de cerâmica da Crieolaria, entre muitas outras parcerias, com custo zero para a comunidade, reforça o compromisso social que  o acampamento também carrega.

Aos 62 anos, Fátima pode não ter nenhuma formação superior ou até mesmo possuir riquezas, mas certamente, é um exemplo de que os saberes ancestrais podem andar juntos aos deveres de cidadãos, num País que leva nome de uma árvore (Pau-Brasil), mas que vê sua caatinga em processo de desertificação ou suas matas em desmatamento recorde, exceto nos 18 hectares com diversas espécies, a exemplo de juremas, craibeiras, canafístulas, inclusive arapiracas  – nome da cidade que também pertence a uma árvore.

Após uma noite com fogueira, Fátima organiza o pátio aberto do EcoBrisa para receber o público, majoritamente infantil, para novas atividades sob uma manhã fria, típica da época do ano. Foto: Juarez Moraes.

Não nos esqueçamos: a sombra que alivia em um dia quente, podemos encontrar na sabedoria ancestral de plantarmos uma árvore. Torcemos para que haja outras Fátimas espalhadas por esse País!

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