Com sensibilidade e escuta, a fotógrafa compartilha à Revista Alagoana sua trajetória, a importância de fotografar mulheres e o desejo de que outras também descubram seu olhar.
Ver o mundo através do olhar de uma mulher é, muitas vezes, enxergar o que foi silenciado, resgatar histórias marginalizadas e revelar belezas que insistem em florescer mesmo diante do descaso. Na fotografia, essa sensibilidade não é fragilidade: é potência criativa, é política, é resistência. Quando mulheres empunham câmeras, elas não apenas registram o tempo, mas também reescrevem narrativas com afeto, coragem e intuição.
Mia Santos é uma jovem fotógrafa que vem ganhando destaque ao registrar a essência e a beleza das mulheres por meio de seus cliques sensíveis e autênticos. Além de seu trabalho focado em retratos femininos, ela também atua em ensaios de casamentos, onde capta momentos únicos e cheios de emoção, ampliando ainda mais seu olhar artístico e versátil. Com a fotografia como linguagem e ferramenta de afirmação, Mia constrói um caminho que une ancestralidade, estética e transformação social.
Em entrevista à Revista Alagoana, Mia compartilha sua trajetória, inspirações, sonhos e fala sobre o poder da imagem, o desejo de ver suas obras em exposição e o compromisso de formar novas fotógrafas a partir de suas próprias lentes. Confira:
R.A.: Para quem ainda não te conhece como fotógrafa, quem é Mia Santos por trás das câmeras?
Mia: A Mia Santos por trás das câmeras é uma menina que realizou um sonho de infância: ter a fotografia na minha vida. Desde pequena, sempre tive uma ligação muito forte com essa arte, mesmo sem acesso a ela. Só mais tarde consegui, de fato, fazer essa conexão com a fotografia.
Atrás das lentes, eu continuo sendo a mesma pessoa. Sou extremamente sensível, apaixonada por fotografia, literatura e poesia. Então tudo aquilo que gosto na minha vida pessoal, eu levo para o meu trabalho. Tento imprimir minha essência nas imagens, para que elas transmitam algo verdadeiro, principalmente para outras mulheres.
R.A.: Você já apareceu em uma revista como modelo e agora retorna como fotógrafa. O que essa transição representa para você, especialmente nesse espaço?
Mia: Já tive essa experiência como modelo, e agora, estar presente como fotógrafa tem um significado imenso. Sempre sonhei em ver minhas fotos sendo expostas, mas não imaginei que aconteceria tão rápido e de maneira tão especial. Fiquei surpresa e muito feliz.
Ter meu trabalho reconhecido por uma revista é algo que me deixa eufórica, porque quero espalhar minha arte, principalmente para outras mulheres. Minhas fotos não são apenas retratos. Para mim, elas são lembretes de que toda mulher merece muito mais do que acredita merecer. Sempre quis passar essa mensagem e, com esse reconhecimento, sinto que ela está chegando mais longe.
R.A.: Quando e como surgiu sua relação com a fotografia? Houve algum momento decisivo para trocar as lentes de modelo pelas da fotógrafa?
Mia: Foi algo natural. Como mencionei, sempre tive uma relação indireta com a fotografia. Quando criança, meu tio gostava muito de fotografar os lugares que conhecia. Toda vez que ele visitava a família, levava uma câmera e registrava tudo. Então, a maioria das fotos da nossa família foram feitas por ele.
Cresci admirando isso, acho que peguei um pouco da essência dele. Na escola, nas aulas de arte, eu desenhava câmeras meio tortas, mas já era um sinal de algo que me acompanhava. Quando virei adolescente, comecei a me interessar por modelagem, mas a fotografia sempre me cercava.
Pedia para minha tia e minha irmã me fotografarem e, mesmo sem saber que isso poderia ser uma profissão, já pensava em ideias de ensaios. Era puro instinto e criatividade. Aos poucos, fui percebendo que aquele desejo de estar por trás da câmera crescia. Então foi um processo de descoberta contínua, alinhado ao meu crescimento pessoal e como mulher.
R.A.: Você se descreve como fotógrafa de mulheres. O que isso significa na prática e como influencia seu olhar artístico?
Mia: Quando fui modelo, percebi como era desconfortável ser fotografada por homens. Por mais que eu entendesse o processo, era difícil me despir emocionalmente para os ensaios. Me sentia nervosa, insegura, como se não estivesse sendo realmente vista. Faltava sensibilidade naquele olhar.
Com o tempo, entendi que queria oferecer algo diferente. No início, não sabia exatamente o que queria fotografar, mas quanto mais fotografava mulheres, mais me identificava com esse processo. Eu sabia o quanto era importante estar em um ambiente acolhedor, onde a fotógrafa te entende, te vê como poesia, não como objeto.
Fotografar mulheres é sobre isso: identificação, identidade. E como sou apaixonada por poesia, especialmente no feminino, naturalmente isso transborda para o meu trabalho.
R.A.: Qual foi o ensaio que mais te marcou como fotógrafa?
Mia: É difícil escolher, porque cada mulher que fotografo traz algo único. Mas um ensaio que se destacou foi com uma cliente que se tornou amiga. Ela tem uma idade mais avançada que a maioria das mulheres que fotografo, e a forma como ela se via e queria ser retratada me tocou profundamente.
Muitas vezes, ouvimos mulheres dizendo que já “passou o tempo” para certas coisas. Mas esse ensaio me mostrou o contrário: com energia e vitalidade, tudo é possível. Isso expandiu meus horizontes. Foi especial porque ela se entregou completamente e me mostrou que a beleza e o poder feminino não têm idade.
R.A.: Quais desafios você já enfrentou sendo mulher, fotógrafa e artista independente?
Mia: Felizmente, sempre fui muito bem recebida pelas minhas clientes. Elas se entregam e confiam em mim tanto quanto eu nelas. O desafio maior, para mim, foi a questão da idade.
Tenho 22 anos, mas uma aparência bem jovem. Já ouvi muito: “Nossa, mas você é tão nova!”. Isso me fazia pensar se as pessoas realmente me levariam a sério. Por um tempo, isso me incomodou.
Mas foi justamente esse ensaio com a cliente mais velha que me ajudou a mudar a perspectiva. A idade não define a qualidade do que fazemos. O que importa é a paixão, a entrega. Então, superei esse incômodo entendendo que minha arte fala por si.
R.A.: De que forma sua vivência como mulher influencia o modo como você enxerga a beleza, força e vulnerabilidade nos retratos que faz?
Mia: Desde muito nova, como tantas mulheres, vivi situações de assédio, comentários maldosos, olhares invasivos. Por isso, quando comecei a fotografar, meu objetivo era o oposto disso.
Mesmo quando faço ensaios sensuais, não quero que minhas fotografadas sejam vistas como objetos, nem sexualizadas. Quero retratar mulheres de forma respeitosa, elegante e poética. Minha vivência me fez querer afastar qualquer olhar malicioso do meu trabalho.
Nos meus retratos, quero transmitir serenidade, empoderamento e beleza genuína. Tudo isso feito por mulheres, para mulheres.
R.A.: Quais referências te inspiram, dentro e fora da fotografia?
Mia: A primeira que me vem à mente é Julia Margaret Cameron. Ela foi uma das primeiras mulheres a se destacar na fotografia, e ousava em tudo. Fotografava de maneira diferente, com imagens borradas, sem foco, o que era considerado “errado” na época.
Mas ela fazia o que sentia. Criava com o olhar próprio, sem se prender às regras. Era criticada por isso, mas seguiu firme. Essa coragem me inspira muito. Ela é uma das minhas maiores referências.
Além dela, também me inspiro em outras fotógrafas brasileiras, especialmente algumas da Bahia. Mas a Margaret tem um lugar especial, por tudo o que ela representa enquanto mulher e artista.
R.A.: Como você imagina o futuro do seu trabalho? Há algum projeto ou sonho que ainda deseja realizar?
Mia: Na verdade, muitos dos meus sonhos já estão se realizando. Recentemente, comecei a oferecer mentorias em fotografia, e isso tem sido muito especial pra mim. Compartilhar o que aprendi e ajudar outras pessoas a descobrirem o próprio olhar dentro da fotografia é algo que me emociona.
Mas ainda tenho muitos desejos. Um deles é ver minhas fotos em exposições, em espaços onde outras pessoas possam se conectar com meu olhar, refletir, sentir algo verdadeiro.
Quero seguir tocando as pessoas com o que faço, seja por meio de uma imagem, de uma conversa ou de uma mentoria. Se o que eu crio conseguir despertar algo em alguém, já estou no caminho certo.