Onde estão os negros: um olhar sobre raça e classe na cena cultural maceioense

Coluna de Madson Costa

Na arte e literatura, a branquitude é hegemônica. Eles, brancos da Parte Baixa maceioense, parecem querer manter o apartheid sociocultural. Sim, tanto a literatura quanto a arte ainda são espaços brancos, não permitidos aos que fogem do arquétipo do ser-artista. O ser-artista, aquele caracterizado pelos traços estéticos dos antigos colonizadores e residentes de zonas nobres. Nesse ciclo dialético, a antítese da hegemonia branca nos espaços da arte é a ocupação desses espaços de influência, onde as vozes de heróis marginais possam ser ouvidas. A revolução inicia-se quando um decide insurgir contra os padrões impostos de quem deve ser parte da intelligentsia – a vanguarda intelectual de um país – ou da ala cultural, quando um se revolta e toma parte no desenvolvimento intelectual.

Esse manifesto-ensaio não é somente para aqueles que fazem parte do setor cultural, mas também é um grito contra aqueles que não querem romper com o passado. A própria ala intelectualizada não se deixa inserir melanina, em seus pomposos simpósios e comícios, as faces são sempre as mesmas, os mesmos doutores barbudos e brancos, que atingiram seus doutorados com apoio de suas famílias de origem burguesa. O seu doutorado nada representa, apenas diz palavras brancas numa sociedade que enaltece o branco. Onde estão os intelectuais e artistas negros? Quando não excluídos, são segregados e limitados ao que se espera que seja apresentado dentro da complexa cultura negra; a simbologia dessa cultura para eles é, nada mais que, a violência que nos cerca organicamente, ou a cultura massificada, que tanto tenta esses tais intelectuais deglutir.

A cultura de massa é a cultura do povo, mas a cultura do povo representa os clichés dos não considerados iluminados intelectualmente. O homem-níquel conceitua a episteme clássica dentro de uma análise foucaultiana, para ele, abstrações conceituais superam a própria experiência subjetiva.

E essa crítica não é só aos doutores, mas a toda comunidade artística – politizada ou não –, a militância branca lacradora e sua nova forma de fazer racismo; o cancelamento visa corpos negros, excluídos da limitada faixa de inseridos ao ensino superior. Seu João não teve condições de frequentar “O Congresso de Gênero e Sexualidade”, organizado pelo centro acadêmico majoritariamente branco e burguês. Propõe-se aqui o seguinte “a ruptura com a sequência racional da estruturação literária deste gênero textual em prol de uma indagação observada apenas por poucos. Propõe-se a loucura de ousar num espaço historicamente branco. “Onde estão os negros?” 132 anos após a abolição, é o que ainda queremos saber. A história nos conta onde estão, a sociologia e todas as ciências humanas, mas os pomposos pensadores contemporâneos não notam que sua homogeneidade é excludente.

A própria construção do que se considera comunidade intelectual em Alagoas vem de um imaginário branco. Existem intelectuais negros? O que se vem à mente é o caucasiano e seu livro de filosofia contemporânea, enquanto balbucia algumas abstrações conceituais do que é realidade, mas se nega a olhar para cima. São os mesmos que não veem a gritante necessidade de implementação de espaços culturais nos arrabaldes da cidade. O subúrbio precisa de um “Teatro Deodoro” ou um “Cine Arte Pajuçara” também.

Sim, a Parte Alta existe e nela surge uma juventude com sede de revolta e revolução, que não se calará em face à exclusão. Eles terão que olhar para cima. Em Maceió, para ser artista deve-se descer, frequentar espaços elitizados para que considerem sua existência. Os artistas e pensadores da Parte Alta são inexistentes, se não descem, pois, a incapacidade de olhar para cima é gritante. Para eles, não existe arte ou vida fora da maritimidade da beira da praia e seus arredores. Só existe uma única juventude maceioense, aquela que frequenta lugares elitizados.

Sim, exatamente, a única juventude é a de lá, que bebem dos mesmos copos, as mesmas cervejas e fumam o mesmo beck, pois a outra esquecida e ocultada se ocupa tentando sobreviver ao que se diz paraíso de praias deslumbrantes, mas que, na realidade, se torna um paraíso de ruas sem asfaltos e pessoas de nariz em pé. E não é mentira que só é artista e pensador quem mora em baixo, apenas veja as mesmas panelinhas nas mesmas galerias de arte, nos mesmos simpósios, escrevendo para os mesmos jornais e explicando suas abstrações genéricas de realidade.

O relógio está correndo, ouçam o som do tique-taque, seu tempo está acabando, uma nova juventude vem aparecendo para ocupar esses espaços hegemonicamente elitizados. E aquela indagação é retomada juntamente com outra “onde estão os negros? Estão tentando ocupar esses espaços vitais no desenvolvimento da cultura e intelectualidade para mostrar que Alagoas é essencialmente e organicamente negra, e sempre será. Negritude é poder, é revolução! As colunas de jornais, as secretarias de cultura, as academias serão ocupadas pelo futuro que surge de cima. Lembrem-se; em terra de corrupto, coronelista e miliciano, o herói é marginal. E aqui se inicia um pioneirismo, introduz-se a existência da Parte Alta ao mundo.

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