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Os novos rostos da poesia em Alagoas: quem são os jovens autores do estado

A Revista Alagoana conversou com os escritores Gabriel Bernardo, Giovanna Lunetta e João Vitor Ferreira

Por Anna Sales

22 anos atrás, nascia Gabriel Bernardo. Criado num lar composto majoritariamente por mulheres batalhadoras, carinhosas e muito amáveis, percorreu um caminho de sentir-se parte de algo maior, enxergando nos outros a capacidade de conhecer mais sobre si. Muitos livros infantis e uma assinatura da Revista Recreio marcaram sua infância. E aos 10 anos, ele já começava a demonstrar interesse pela escrita, fazendo anotações e descrevendo sentimentos e outras histórias de sua vida.

21 anos depois, em 2020, ele renasce: desta vez, como Augusto Flores, poeta autor do livro ‘Codinome’.

Mas esse foi um processo que durou 7 anos e começou quando ele escreveu seu primeiro poema, em 2013, inspirado pelos alagoanos  Lêdo Ivo e Graciliano Ramos, além dos poetas Bukowski e Sylvia Plath. Influenciado por seus professores de filosofia e sociologia, ele também incluiu em suas leituras Kafka, Nietzsche e Sófocles. Animações japonesas fizeram parte das suas inspirações. “Não foi uma escolha minha,  a poesia chegou até mim e tomou o controle dos textos que fui escrevendo.”, conta.

Apesar dos 7 anos que separam suas primeiras poesias do lançamento de ‘Codinome’, Gabriel Bernardo acredita que esse foi o tempo necessário. “O livro carrega muitos elementos diferentes quando se trata de individualidade. No momento em que escrevia as poesias presentes no livro, começava a formar minha personalidade e enxergo isso muito claramente no decorrer do livro. O processo de construção, mudança, identificação, todas as fases intensas do nosso crescimento, sentimos muito quando jovens e por muitas vezes não falamos tudo que gostaríamos de falar nessa época. Em ‘Codinome’, consigo sentir um respiro em meio a tanto caos, é como uma libertação do medo e insegurança encarando-as de forma crua e nítida, e isso é feito de uma forma muito honesta no livro. Apesar de tê-lo concluído no fim da minha adolescência, atentei em deixar as impressões de quando comecei, aquele meu espírito aventureiro, sonhador e confuso. Não é difícil de perceber uma ingenuidade presente nas poesias e valorizo muito isso em meus textos dessa época.”, relata.

E todo o sentimento que culminou com o lançamento, aflorou em um momento difícil: a pandemia da Covid-19. O escritor conta que o medo instaurado na cabeça durante a quarentena aflorou paranoias sobre como tudo estava caminhando para um momento trágico e sem esperança. Apesar das dores, ele continuou escrevendo, pois aliviava as feridas na alma e a poesia deu espaço para criar a esperança novamente. Foi aí que ele percebeu que o lançamento do livro não poderia mais aguardar.

Codinome

Codinome, em Português, significa “designação que serve para ocultar a identidade de alguém ou para nomear de maneira secreta um plano de ação, uma organização etc.”. E essa  definição não poderia ser melhor para o trabalho do artista, que adora usar pseudônimos como uma maneira poética. Para ele, todos os pseudônimos que usou até hoje tem seu próprio jeito de escrever, cada um tem uma vida inteira de histórias e carregam crenças, cultura, revoltas, etc. Gabriel Bernardo utiliza os pseudônimos para me sentir mais livre ao escrever, e é onde encontra a zona de conforto como escritor, onde não existem barreiras que possam limitar a criatividade.

Para o livro, ele escolheu Augusto Flores: uma pessoa reservada e tímida, que gosta de longas caminhadas matinais, gatos, ama se desafiar a viver coisas diferentes. Pode até parecer uma associação fácil de se fazer, onde o livro, naturalmente, teria o título de ‘Codinome’. Mas para Gabriel Bernardo chegar até esse título, demorou.

“O primeiro nome seria “Resquícios de noites perdidas”, mas era muito longo e com o passar do tempo, senti que não passava a ideia central das poesias. Depois de um tempo, decidi que seria “Me chamo Bernardo”, como uma maneira de apresentação ao mundo literário sobre quem sou, pois meu nome é Gabriel Bernardo Machado da Silva, mas sou conhecido entre meus amigos mais próximos por Bernardo. Tinha amadurecido o projeto do livro, mas não sentia que estava preparado para lançar o projeto na época, ainda era muito novo e cheio de inseguranças que dificultavam minha busca pelo sonho de ser um escritor. Quando finalmente senti que estava pronto para tirar esse livro da gaveta já havia escrito outros dois livros diferentes, feito aparições em antologias poéticas e me envolvido mais com a poesia em minha vida, mas ao olhar para trás não sentia mais fazer parte da pessoa que tinha o coração naquele livro, aquele pequeno garoto que só queria desabafar sobre os seus sentimentos, acho que por isso optei por mudar o nome do livro para “Codinome”, pois seria uma forma de descrever secretamente a existência de alguém por trás, mas de forma anônima, isso também tem relação com a escolha do pseudônimo.”, explica.

Relação com os leitores

Aproveitando o lançamento digital no Kindle, o autor passou a usar o Tinyletter como forma de entregar um conteúdo personalizado aos leitores. “Senti que criei um laço com todos os meus queridos confidentes que gostam das poesias que escrevo. Quando estou escrevendo as cartas para o email tenho maior intimidade para falar sobre minha vida pessoal, e também ouvir dos meus leitores aquilo que eles pensam sobre minha poesia ou sobre suas vidas, isso é importante para mim. Compartilhar com os meus leitores se tornou uma atividade muito única, ainda mais nessa pandemia onde nunca nos sentimos tão sozinhos, acho que todo mundo deveria experimentar conversar dessa forma, seja para compartilhar com muitas pessoas ou para aquela pessoa especial com quem se quer manter um contato mais íntimo.” finaliza.

Carinho

Carinho, afeto, xodó. Essas são palavras que definem a relação da jovem Giovanna Lunetta, de 21 anos, com sua poesia. Em seu Instagram, onde divulga suas poesias, temas atemporais em sua vida, como ser filha adotiva, o longo processo de autorreconhecimento enquanto mulher negra, LGBTQIA+, origem, amor e luta, fazem sucesso e recebem diversas manifestações positivas dos leitores.

“Minha relação com a poesia é coisa essencial. Tenho um carinho gigantesco pelo ato literal da escrita também, de encostar a ponta do lápis no papel e, a partir desse encontro, do desenho das letras, ser capaz de dizer amor, angústia, luta, oração. É um negócio que vem de dentro para fora, mas que me afeta de fora para dentro também. As coisas todas, a vida toda é poesia. Poema é o que eu faço quando a vida me toca. E ela me toca todos os dias. Eu preciso escrever como a vida precisa tocar a gente.”, conta.

De um brotinho nascendo do concreto ao cheiro da página de um livro novo, de uma sessão de cinema na sala com a mãe ao seu primeiro salário no trabalho. Tudo o que dói, que me coloca para pensar, para sentir, para querer dançar, é inspiração para que ela escreva, para que registre e possa acessar sempre que quiser, que estiver precisando recordar de um sentimento, de alguém, de algum momento especial.

Novas maneiras de se expressar

Em um mundo instantâneo, com o ‘boom’ do Instagram e dos Podcasts, a poesia de Giovanna Lunetta não ficou restrita apenas às palavras em um papel. Ela também faz vídeos declamando suas poesias. “Sinto que as pessoas se envolvem com a composição da imagem com a voz, o fundo sonoro, as expressões faciais enquanto eu recito. Mas também reconheço uma problemática bem comum dos tempos atuais: a instantaneidade do que se consome, tudo rápido demais, são poucas as pessoas que se demoram em leituras, que voltam quando não conseguem captar a ideia de alguma frase. Os vídeos têm chamado mais atenção do público leitor/consumidor.”, comenta.

Ela também já participou do podcast ‘Vozes transeuntes’. Idealizado e desenvolvido por Lucélia Pontes, Raissa Xavier e Mariana Rodrigues, a ideia central dele é valorizar o feminino, exaltar e desaguar os recortes do ser feminino na poesia, no texto. De convidada, Giovanna recebeu o convite para se tornar anfitriã e conheceu grandes artistas do Brasil.

Outra maneira além do Instagram e do Podcast que a poetisa usa para se expressar é participando de saraus e mostrando suas poesias ao vivo para várias pessoas. “É uma sensação gostosa, mas desconhecida. Entregar partes minhas às pessoas é um misto de delícia, de tensão e receio. É um processo gostoso. Hoje, já tendo familiaridade com sarau, adquiri uma maior segurança de fala, de porte. Eu me sinto segura com o que recito porque acredito nas palavras que eu escrevo. Quando as pessoas são novas, a sensação volta lá para o comecinho, como se fosse a primeira vez recitando para o público, e, então, o processo é o mesmo: respiro fundo, tento me lembrar da minha história, do meu esforço, do quanto me sinto feliz fazendo o que eu faço, orgulhosa da minha arte, das minhas verdades, e vou. Tremendo, mas vou.”, conta.

A ‘Pequena Gigi’

Como mulher negra e LGBTQIA+, a autora passou por silenciamentos em sua vida. Ela acreditava que a timidez era algo que precisava vencer, mas percebeu que na verdade, havia momentos que estava sendo silenciada. Não tinha voz, não sabia como usar. Não queria ser desagradável. Não queria ser incômoda. Com o tempo, se conheceu e  foi trazendo consigo as Giovannas de outras épocas e momentos. Hoje, a autora ama se expressar, ouvir seu coração, respeitar os pedidos do seu corpo, acreditar em sua voz, posicionamento, e na capacidade de aprender e de ensinar também.

Carregando isso tudo, desaguou nos textos sobre a ‘Pequena Gigi’. “Ela é minha referência de tudo de mais lindo, mais ingênuo, mais resistente, mais primário, sabe? Quando me comunico com ela, é só para dizer como estou por aqui hoje, para pedir por orientação, para colocá-la no colo porque, apesar de ter sido muito feliz, ela também sofreu, e esse sofrimento se reproduz ainda hoje, em pequenos detalhes, em mim. Nós nos ajudamos a viver. Ela é um lembrete não só para mim, mas para todo mundo que tem o seu ‘’pequeno’’ e a sua ‘’pequena. Especialmente, crianças negras. O afeto costuma ser negado, negligenciado demais para a população negra do nosso país – em todas as fases da vida. É um passo muito significativo você olhar para si, reconhecer o carinho, o amor e o orgulho do qual você é merecedora.”, finaliza.

Válvula de escape

Foi como uma válvula de escape que João Vitor Ferreira, de 23 anos, começou a escrever suas poesias. É a partir dela que ele consegue falar das suas verdades mais secretas. E isso começou com suas leituras de infância: uma coletânea de poesias que pertencia a mãe, reunindo textos de Álvares de Azevedo, Cecília Meireles, Cora Coralina, Drummond de Andrade, entre outros. 

Em 2020, o poeta lançou no Amazon Kindle “Do avesso ao verso”, seu primeiro livro. Suas noites mais escuras e a própria vida sob uma camada caótica de tempos sombrios e desastrosos, como as crises depressivas, os dias nublados, voltar para casa chorando no banco de trás do uber após uma decepção amorosa, olhar seu corpo no espelho e odiá-lo, foi o que fez com que João Vitor lançasse seu primeiro livro, querendo compartilhar, de forma nua e crua, a alma de dentro para fora.

Dividido em quatro partes, ‘Do avesso ao verso’ já começa com uma capa que não é vista usualmente em livros de poesia. “Essa foi a minha intenção: mostrar a densidade do conteúdo desde a arte da capa.  Na primeira parte, “Brejo das Almas”, que faz referência a Drummond, inclusive, é onde eu apresento minhas dores e frustrações, medos e tristezas. “Corvos Sobre a Plantação de Trigo” é um pouco mais pesada, porque falo de morte ou da vontade de tirar a própria vida. “Sinfonia da Desilusão” são 14 poemas sobre decepção amorosa, já a última parte,”Tulipas”, são poemas um pouco mais positivos (ou pelo menos uma tentativa de enxergar um céu menos nublado).”, explica.

O livro foi lançado em 2020, durante a pandemia da Covid-19. João Vitor cita que sempre diz que não tem medo de falar das suas cicatrizes e camadas mais profundas e se puder ajudar falando dessa temática, já fica contente. Ele gosta, especialmente, de falar sobre as mortes em vida e acredita que, enquanto ser humano, nós passamos por várias delas, mas nem sempre o processo de metamorfose acontece em um curto intervalo de tempo. Inclusive, o Feedback que mais emocionou o autor foi quando uma amiga, que tinha depressão e escondeu esses sentimentos, lhe disse: “Ei, João! Você me fez criar forças para buscar ajuda”.

“É fato que ainda há muito tabu em torno de transtornos psiquiátricos, quanto mais falarmos, mais aniquilamos esses preconceitos. Durante a pandemia, muitas pessoas tiveram que olhar para dentro de si mesmo e tiveram contato com feridas que muitas vezes já doía, mas estava disfarçada por um curativo superficial. Acredito que nunca falamos tanto sobre saúde mental como agora, e isso é ótimo, pois o tema não deve ser lembrado apenas no ‘Setembro Amarelo’ ou ‘Janeiro Branco’. Lançar Do Avesso ao Verso me deu medo de causar gatilhos em alguns dos meus leitores, mas é a minha história, minha verdade, e eu precisava compartilhar com o mundo.”, relata.

Cecília Meirelles

No começo do livro, o autor cita uma frase de Cecília Meirelles: ‘não sou nem alegre, nem triste, sou poeta’. Perguntado sobre o significado dessa frase em sua vida, ele responde: “Bem, os poemas de Cecília marcaram minha infância. Essa frase, em especial, lembra-me que apesar de sentir uma demasiada tristeza e um vazio no peito, também haverá momentos alegres e um dia poderei escrever sobre eles. Ser poeta é sentir tudo com muita intensidade.”, finaliza.

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