Um olhar que atravessa o tempo, entre experimentações analógicas, lembranças de infância e o desejo de capturar o Brasil e o mundo que pulsa fora da moldura digital.
Texto de Esmeralda Donato com supervisão de Anna Sales
Há memórias que só existem porque alguém apertou um botão no tempo, a fotografia sempre foi esse gesto silencioso de preservar o efêmero. Para além da técnica ou registro, ela é afeto: o olhar que tenta guardar o que escapa, a tentativa de transformar momentos em permanência. Na era do filme fotográfico, cada clique era escolhido com cuidado, não só pela limitação de poses, mas pelo desejo de capturar algo que realmente importasse — e talvez por isso as imagens daquela época pareçam carregar não apenas rostos, mas atmosferas inteiras.
Hoje o fluxo constante de imagens digitais e selfies instantâneas, a fotografia parece ter perdido essa aura de surpresa e expectativa. Basta poucos segundos para capturar, editar e compartilhar uma foto. Entretanto, ao mesmo tempo que ficou mais acessível, o ato de fotografar também se transformou em um exercício estético e emocional mais consciente: há quem busque na fotografia contemporânea um olhar artístico, narrativo, ou como no caso de muitos amantes do analógico, uma forma de resgatar a sensorialidade e o valor de “esperar” pela imagem pronta.
É tentando equilibrar esses dois universos — a nostalgia do analógico e as possibilidades do digital — que o fotógrafo Pedro Trindade atua. Em entrevista à Revista Alagoana, ele compartilha suas memórias de infância com câmeras analógicas, reflete sobre o prazer de fotografar sem obrigações e fala sobre suas experiências com diferentes formatos e projetos autorais. Uma conversa leve e inspiradora para quem enxerga a fotografia como uma arte de sentir e lembrar. Confira:
R.A.: Como e quando você começou a fotografar?
Pedro: Eu comecei a fotografar bem cedo. Desde criança, sempre fui muito curioso. Cresci nos anos 90, quando ainda se usava fotografia analógica. Meu pai era cinegrafista, então desde pequeno tive contato com câmeras e gravações.
Lembro que tinha brinquedos de câmera — de vídeo e fotográfica — e até hoje guardo alguns. Usava câmeras quebradas da família como brinquedo. Às vezes, pegava escondido a câmera de casa ou da casa das minhas tias e fazia fotos por pura curiosidade.
Naquela época, fotografar era caro. Tínhamos só 24 ou 36 poses, então cada clique era pensado. Depois que terminei o colégio, fiz um curso de fotografia e fui me desenvolvendo. Começou como hobby, virou profissão por um tempo e hoje voltou a ser algo que faço por prazer. Quando não estou trabalhando, estou fotografando.
R.A.: O que você mais gosta de fotografar?
Pedro: Depende muito do momento. Sempre ando com uma câmera, geralmente uma analógica mais leve ou o celular. Fotografo o que me chama atenção: pode ser uma cena com pessoas, uma textura, uma luz… Não tenho um tema fixo, é o que me emociona na hora.
R.A.: Como surgiu seu interesse por estilos como a fotografia analógica e a Polaroid?
Pedro: Fotografo tanto com digital quanto com analógica. A Polaroid também é analógica, com todo aquele processo de revelação instantânea. Quando comecei a usar câmeras digitais, percebi que tentava imitar o visual do analógico, mesmo sem perceber. Isso vem da curiosidade da infância, do mistério da revelação.
Hoje uso menos o analógico por causa dos custos, mas ainda busco trazer essa estética pro digital. Recentemente, visitei cabines fotográficas antigas em uma viagem e fiquei encantado com as diferenças entre elas. Mesmo no digital, meu olhar continua sendo de quem cresceu com o analógico — com mais surpresa e memória.
Com o digital, você vê a imagem na hora. Com o analógico, o registro acontece também na memória. Quando revejo uma foto analógica, lembro do que estava acontecendo, do cheiro, das cores… É mais sensorial.
R.A.: Qual foi a foto ou o ensaio que você mais gostou de fazer?
Pedro: Um projeto chamado Listriane, que fiz há cerca de 10 anos. Era uma série de retratos com pessoas usando roupas listradas. Era simples, mas durou bastante tempo e muita gente queria participar. Tenho memórias muito boas dessa época.
R.A.: O que a fotografia representa na sua vida?
Pedro: Representa momentos felizes. Mesmo quando não fotografo algo alegre, o ato de fotografar me traz felicidade. Acho que por isso deixei de trabalhar profissionalmente com isso — para manter essa relação leve, sem obrigação.
Como fotógrafo, nem sempre se faz só o que gosta. Então hoje, fotografar é meu refúgio, é o que me conecta com o presente. É um momento que me preenche.
R.A.: Quais são seus planos futuros com a fotografia?
Pedro: Quero continuar experimentando. Estou comprando filmes específicos para montar uma nova série de fotos. Pretendo fazer uma exposição física, fora do ambiente digital.
Tenho pensado em uma série sobre brasilidades — elementos da cultura brasileira, o que as pessoas consomem, como se expressam. Também quero voltar a fazer retratos, algo que não faço há um tempo. Estou reunindo materiais e ideias para desenvolver esse projeto com calma.